Pedro A J Faria Jr.
Engenheiro agrônomo pela ESALQ
A agricultura brasileira tem presenciado ciclos de riqueza e declÃnio de culturas desde os tempos do descobrimento. Certamente, uma das culturas que mais representa esta realidade é o café, que fez a riqueza da agricultura paulista e brasileira no início do século XX e que teve na crise da bolsa de Nova York, em 1929, a origem de uma das mais dramáticas quebras de um setor produtivo que se tem notícia no Brasil.
A somente 20 quilômetros de Ribeirão Preto, o empresário Henrique Dumont havia adquirido, em 1879, a Fazenda Arindeúva que, rebatizada de Fazenda Dumont, tornou-se uma das maiores áreas de café da região, chegando a cinco milhões de pés em produção.
Quando veio a crise de 1929, a fazenda já há muito era de propriedade da “Dumont CoffeeCompany“, que acabou conhecida na região como Companhia Inglesa. Dos sete filhos de Henrique Dumont, o mais famoso foi Alberto Santos Dumont que, financiado pela fortuna do café, mudou-se para a Europa e mudou a história do mundo com a invenção do avião.
E agora?
As regiões cafeeiras do Estado de São Paulo, onde se concentrava a maior estrutura de produção e processamento de café do País, tiveram que se reinventar depois da quebra da cadeia produtiva do café.
Ribeirão Preto, centro de um grande polo produtor, passou por uma severa crise que abalou profundamente a economia da região; sÃmbolos do poder e da riqueza gerados pelo café, como o Teatro Pedro II, entraram em decadência. Outras culturas passaram a ocupar os espaços deixados pelas lavouras erradicadas, como a cana-de-açúcar, o algodão, o milho e o amendoim.
Mas a Fazenda Dumont, e depois a Companhia Inglesa, haviam atraÃdo para a região uma grande quantidade de imigrantes europeus, notadamente italianos, para trabalhar nas lavouras de café, em caminho inverso à quele feito pelo filho ilustre do empresário paulista.
Em volta da antiga sede da fazenda acabou sendo criado, a partir de 1942, um núcleo urbano e rural que acabaria se consolidando, em 1963, como o município de Dumont. A atual sede da prefeitura é justamente a casa da antiga fazenda.
Com raízes fortemente fincadas na atividade agrícola, a pequena Dumont, atualmente com pouco mais de oito mil habitantes, tornou-se, até a década de 70, um polo de produção e beneficiamento de amendoim e algodão.
Como era
Inicialmente, o amendoim era cultivado em rotação com as lavouras de algodão e de milho que sucederam os cafezais depois da derrocada do mercado em 1929. Beneficiadas pelos solos de alta fertilidade natural, as lavouras tinham altos Ãndices de produtividade para os padrões da época.
Juntamente com a região conhecida como Alta Paulista, Dumont despontou como a principal fornecedora de amendoim do Brasil. Seu uso principal, na época, era o processamento de óleo comestível – o farelo que dele resultava era usado como ingrediente para ração animal, tanto no Brasil como no mercado externo.
Condições de clima e solo, aliados à baixa tecnologia de colheita e pós-colheita, fizeram crescer os problemas de qualidade do amendoim na mesma proporção em que aumentava o volume produzido.
Colhido sob chuva, plantado em solos argilosos que aderiam firmemente às vagens, arrancado manualmente, o amendoim desenvolvia alta carga fúngica antes mesmo de ser retirado da terra, e a situação se agravava depois da colheita.
No início da década de 70, o país produzia quase um milhão de toneladas de amendoim em casca, mas sérios problemas de contaminação dos grãos por aflatoxinas acabaram por minar a força da cadeia produtiva.
Novas possibilidades
Os conceitos da Revolução Verde de Norman Borlaug e a criação da Embrapa, em 1973, abriram a possibilidade de exploração do Cerrado e a introdução da soja, commodity de cultivo totalmente mecanizado e sem riscos de contaminação por micotoxinas.
Se em 1972 o País registrara a maior produção de sua história, com 956 mil toneladas, em 1974 a produção brasileira de amendoim já caÃra pela metade.Ainda na década de 70, com a crise do petróleo, o governo brasileiro lançou o Pró Álcool.
Os canaviais, turbinados pelos programas de incentivo, avançaramagressivamente sobre as áreas de culturas anuais da Alta Mogiana. O algodão seguiu os passos da soja e expandiu suas fronteiras para o Cerrado, abrindo caminho para a cana.
O amendoim, no entanto, encolheu progressivamente. Descapitalizados, os produtores não tinham como resistir ao avanço da cana, mas ainda assim resistiam plantando nas áreas de reforma dos canaviais.
A produção de óleo de amendoim foi abandonada, e o grão passou a ser usado apenas para a alimentação humana, na forma de doces e aperitivos. Em 1988, o volume total produzido encolhera para 120 mil toneladas.
O Brasil desapareceu do mapa de produção mundial de amendoim e, em anos de crise de qualidade, passou a importar amendoim da Argentina. Sem escala de produção e sem estruturas de beneficiamento instaladas fora do Estado de São Paulo, em 1997 o amendoim parecia destinado à extinção como cultura comercial. Toda uma cadeia de produção entrou em crise e parecia não haver saÃda.
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