Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável
O uso das modernas ferramentas de edição gênica, como o CRISPR/Cas9 ou o TALEN permitem modificar o genoma de organismos, para apresentarem características desejáveis, de interesse dos cidadãos. Uma das possibilidades mais entusiasmantes é o enriquecimento do teor de nutrientes e outros componentes dos alimentos. A edição de genes é mais rápida e barata do que as técnicas convencionais, incluindo as ferramentas biotecnológicas de primeira geração. Ao invés de inserir genes inteiros, provenientes de outras espécies, a edição de genes permite mudanças precisas e direcionadas para alterar a carga genética das culturas, permitindo criar alimentos com propriedades diferentes ou melhoradas.
Nutrientes e saúde
Sabemos que frutas, vegetais e grãos integrais são essenciais para a nutrição humana e beneficiam a saúde dos consumidores. Mas a maioria das pessoas não ingere a quantidade ou diversidade recomendada para uma boa saúde, em especial aminoácidos e ácidos graxos essenciais, vitaminas ou sais minerais. Uma das propostas em estudo pelos cientistas é aumentar os níveis de nutrientes nos alimentos mais consumidos pela população, ou mesmo introduzir nutrientes que não existem em determinados alimentos de alto consumo, tornando mais fácil para a população usufruir de uma dieta saudável e balanceada.
O conceito de alimento como medicamento existe desde a antiguidade, não apenas pelas propriedades nutricionais, mas também por seus conteúdos bioativos. Esses compostos naturais não são tecnicamente essenciais, mas podem melhorar a saúde. Os bioativos incluem polifenóis, ácidos graxos de cadeia curta e esteróis, registrados na literatura como redutores de riscos de inflamações, obesidade, saúde cardiovascular e cognição, entre outros.
Além de melhorar a condição nutricional, ou da presença de bioativos, a edição gênica permite eliminar algumas características dos alimentos consideradas indesejáveis.
Exemplos
Os genomas da soja e da canola foram editados para produzir um perfil mais saudável de ácidos graxos, tornando seus óleos mais parecidos com o azeite de oliva. Da mesma forma, bananas e arroz foram melhorados para aumentar consideravelmente os teores de vitamina A, com o objetivo primordial de reduzir a cegueira infantil. Outras culturas foram enriquecidas com vitamina E, ferro e zinco usando apenas pequenas edições nos genes existentes.
Esses nutrientes foram identificados como alvos iniciais porque são deficiências importantes na dieta de muitas pessoas. Uma edição gênica adequada pode significar que serão necessárias menos porções de frutas e hortaliças para atingir as metas de ingestão de nutrientes. O que poderia, inclusive, eliminar os suplementos, os quais contêm altas doses de vitaminas, mas não contribuem para a satisfação ou saciedade, podendo ocasionar problemas colaterais indesejados.
Os tomates são um dos principais exemplos de alimentos editados por genes. Pesquisadores no Japão usaram a edição de genes para aumentar os níveis de GABA (ácido gama-aminobutírico), o que pode contribuir para reduzir os riscos de problemas com saúde mental ou cardíaca, sendo o primeiro alimento comercializado com características melhoradas por edição gênica.
Altos níveis de ácido oxálico podem desencadear crises em pessoas com gota, uma condição inflamatória dolorosa, ou formação de cálculos renais. A edição gênica tem sido usada para reduzir os níveis de ácido oxálico naturalmente presentes no tomate, o que pode ser estendido a outros alimentos que sejam contraindicados para pacientes com propensão à gota ou cálculos.
Do ponto de vista organoléptico, a edição de genes pode ser usada para aumentar a doçura, reduzir o amargor e tornar mais agradáveis o sabor e o aroma, melhorando a predisposição para o consumo de alimentos mais saudáveis, o que pode abrir perspectivas de novos negócios na área de alimentação
Interações
Entretanto, as pesquisas científicas não se esgotam simplesmente com a edição gênica e o aumento de teores de nutrientes ou bioativos, posto que existem interações sinérgicas ou antagônicas entre eles.
Algumas combinações aumentam a absorção e a atividade dos compostos, mas em outros casos, as interações podem redundar em redução da absorção ou função por inativação, ou competição. Igualmente, é necessário assegurar que compostos saudáveis não serão eliminados.
Por exemplo, atributos tidos como negativos – tipo amargor – geralmente vêm de compostos bioativos benéficos. Portanto, além do avanço tecnológico na melhoria da condição nutricional e da funcionalidade de alimentos, é fundamental a investigação dos reais impactos positivos sobre a saúde e qualidade de vida dos consumidores.