Autor
Lucas Alexandre Batista – Engenheiro agrônomo lucaslabatista@gmail.com

A produção global de trigo para a safra 2020/21 está prevista em um recorde de 768 milhões de toneladas, com um aumento de mais de 4,0 milhões de toneladas em relação ao ano passado. Por ser uma comodity, o preço do trigo é controlado pelo mercado em decorrência da oferta e demanda.
O relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA – Foreign Agricultural Service) apresentou uma previsão, em maio de 2020, para um preço médio de comercialização a US$ 235.75 dólares americanos por tonelada dos diferentes tipos de trigos comercializados. Em reais, esse valor pode variar de acordo com a cotação do dólar do dia, onde encontramos no Brasil dia 03/06/2020 o trigo sendo comercializado a R$ 1.277,38.
Segundo a Conab, a previsão para o consumo de trigo no Brasil é de mais de 12 milhões de toneladas para o ano de 2020, isso sem levar em conta as sementes utilizadas para o plantio. A previsão para a safra brasileira, segundo o IBGE, é de mais de 5,28 milhões de toneladas, onde ainda fica previsto um déficit de quase 7 milhões de toneladas.
Toda essa cadeia produtiva do trigo movimenta anualmente cerca de R$ 40 bilhões, e com a alta da moeda norte-americana em relação à moeda brasileira, tende a favorecer a valorização do trigo nacional. Isso estimula o cultivo de trigo e a exploração de novas áreas da cultura no Brasil, onde vale destacar a região do Cerrado, sendo a principal fronteira agrícola do País.
Área plantada
No Brasil, a área semeada de trigo é de mais de 2 milhões de hectares. A região sul – principalmente Rio Grande do Sul e Paraná – concentra a maior área semeada, ultrapassando 1,8 milhão de hectares semeados.
Em 2019, segundo a Conab, foi estimada uma área semeada de 230 mil hectares da cultura na região do Cerrado. Para a safra 2020 espera-se um aumento das áreas semeadas no Brasil superior a 10%.
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O Cerrado possui uma área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, representando cerca de 22% do território brasileiro e é o segundo maior bioma da América do Sul. Ele está presente nos Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além de parte dos Estados do Amapá, Roraima e Amazonas.
Devido a sua posição geográfica e às características ecológicas, o Cerrado tem grande importância para a sociedade brasileira, tanto em termos de biodiversidade e manutenção dos recursos naturais – em particular recursos hídricos – quanto relacionados à produção agrícola que se desenvolve no seu território (Ministério do Meio Ambiente).
A cultura do trigo, tradicionalmente plantada na região sul do País, vem conquistando espaço no Cerrado brasileiro. É uma excelente opção para os produtores a inclusão da cultura no sistema produtivo no período de “safrinha de inverno”. Os benefícios que a cultura traz para o solo e o plantio subsequente são notáveis, e também o retorno financeiro ao produtor.
Qualidade
A qualidade final do grão produzido no Cerrado é, sem dúvida, um dos fatores principais observados. Quando se trata de qualidade, é necessário interligar o propósito final da farinha produzida à cultivar a ser semeada. Portanto, os aspectos de qualidade variam de acordo com as cultivares de trigo disponíveis, cuja aptidão industrial varia entre farinhas destinadas à panificação, bolos, biscoitos, massas, macarrão e outros produtos alimentícios à base de farinha.
No Brasil e no Cerrado as farinhas produzidas são, na maioria, classificadas quanto a sua capacidade de panificação. Além do efeito genótipo x ambiente que proporciona mudanças nas características físico-químicas do grão, deve ser considerado o processo de moagem para obtenção de farinha, e o processamento na obtenção do produto final. Um exemplo é o uso de diferentes tipos de fermentos que influenciam no tipo do pão. Portanto, uma análise crítica e detalhada da qualidade do trigo demanda muitos esforços (Embrapa “Aspectos importantes para a qualidade do trigo”).
Cerrado x Brasil
Quando comparado com a região sul do País, onde a cultura do trigo está amplamente difundida, o Cerrado ainda carece de cultivares para atender a demanda da cadeia produtiva do trigo. Contudo, possui potencial de produzir trigos de alta qualidade.
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), o Cerrado consegue produzir um dos melhores trigos brasileiros e do mundo no quesito panificação. Essa qualidade é atribuída às excelentes condições climáticas, combinada a cultivares com genética adaptada para a região.
O cultivo de trigo prospera principalmente em Minas Gerais (regiões do Triângulo, Alto Paranaíba e Sul), Goiás (regiões leste e sudeste) e Distrito Federal. Importantes sinalizações de incremento futuro de área acontecem na Bahia (região do Matopiba), São Paulo (região leste) e Mato Grosso.
Entre os fatores climáticos característicos da região do Cerrado responsáveis pela geração de trigo com elevada qualidade industrial, a baixa ocorrência de chuvas durante o período entre o espigamento e a colheita é determinante. Isso previne a infecção das espigas pelo fungo Fusarium graminearum (causador de giberela), que além de reduzir a produtividade e qualidade, produz no grão micotoxinas como o Desoxinivalenol (DON), que em níveis elevados é prejudicial aos seres humanos e animais.
Além disso, o clima seco e por vezes ameno neste estádio de desenvolvimento favorece o elevado peso do hectolitro (PH), associado à maior extração de farinha.
Produtividade
A produtividade média brasileira de trigo é de 2.526 kg por hectare. Em áreas onde o uso de tecnologias é empregado, o cenário é diferente, podendo alcançar produtividades superiores a 6.000 kg por hectare.
A combinação entre os fatores: genética de alta performance, clima, adubação, controle de pragas e doenças, maquinário e mão de obra qualificados tende a retornar aos produtores uma lucratividade maior. No Cerrado, onde as produtividades médias acompanham a média nacional, o uso adequado das tecnologias é essencial para o incremento na valorização do produto, em que vem muito a calhar pela qualidade dos trigos produzidos na região.
Investimento
Solos com grandes quantidades de alumínio podem comprometer a lavoura do trigo. Existem ferramentas genéticas, como cultivares de trigo tolerantes ao alumínio, embora mesmo em quantidades menores, o alumínio pode fazer com que a produção diminua.
Para neutralizar esse alumínio, é necessário a utilização de calagem e gessagem, recomendadas de acordo com a análise de solos da área a ser cultivada. Quando comparado a outras regiões, o Cerrado requer um investimento inicial maior para implementação de cultivos de forma geral, devido ao fator da correção do solo.
Se desconsiderarmos o valor empregado para a correção e manejo do solo, uma lavoura de trigo custa, em média, R$ 2.500,00 levando em consideração os custos fixos e variáveis, segundo os dados levantados pela Conab. A previsão é para um aumento no custo de produção para a safra 2020/21, estipulado em R$ 2.800,00, isso porque muitos insumos agrícolas acompanham as oscilações do dólar.
A demanda por trigo no Brasil é maior que a produção nacional. A maior demanda do produto ocorre nas regiões central, norte e nordeste do País, onde há necessidade de importação de outros países ou compra de trigos da região sul.
O frete é uma das variáveis que mais encarece o preço final da farinha, e com os altos custos de importação, cria-se uma demanda na qual é vantajosa a produção local do produto.