Cana: técnica com ácidos húmicos retém mais fósforo

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Fabrício Custódio de Moura Gonçalves
Doutor em Agronomia/Horticultura – UNESP/FCA, Botucatu
fabricio-moura-07@hotmail.com


Nicolas Oliveira de Araújo
Doutorando em Fitotecnia – Universidade Federal de Viçosa (UFV)
nicolas_araujo1892@hotmail.com

Cana (Créditos: Ana Maria Diniz)

Nas últimas décadas, novos conceitos de sistemas de produção agrícola, baseados na conservação do solo, diversificação de culturas, ciclagem de nutrientes, uso sistemático de substâncias húmicas e outras práticas alternativas têm sido desenvolvidos na tentativa de equilibrar a produtividade com a conservação dos sistemas de produção.
No Brasil, o cultivo da cana-de-açúcar no cenário econômico assume sua importância devido à geração de energia por meio do uso da biomassa e na produção industrial. Nesse último fator destaca-se a produção de etanol, um concorrente direto dos combustíveis fosseis.
Uma prática nesse cultivo que vem crescendo a cada ano é a adoção de produtos contendo substâncias húmicas, com o intuito de ofertar seus principais benefícios ao solo e à planta: aumento da umidade do solo, maior atividade microbiana, maior mineralização e, consequentemente, maior disponibilidade de nutrientes.
Dessa forma, fertilizantes com micronutrientes, aminoácidos e substâncias húmicas direcionados para aplicação no sulco de plantio da cana ampliam a retenção de nutrientes, elevam a disponibilidade de fósforo (P), aumentam o sistema radicular, a retenção de água e permeiam o desenvolvimento de microrganismos, levando, consequentemente, a um estande de plantas e perfilhos mais uniformes e produtivos.

Resposta da cana

O P na cana-de-açúcar é muito importante para a produtividade da cultura, principalmente para a brotação da planta. A falta desse nutriente limita o crescimento da cultura, além de ser essencial em diversas funções da planta. Aliás, a falta de P na cana-de-açúcar aumenta a produtividade.
Estudos revelam que a adição de doses crescentes de P2O5 aumenta a produção de colmos e rendimento de açúcar, ou seja, aumento da produtividade, como demonstrado por Teixeira et al. (2014) e por Oliveira (2011) sobre a produção de cana, cultivar IAC 95-5000, em função da aplicação de doses de P2O5 utilizando fertilizante organomineral.

Quem são elas

As substâncias húmicas são consideradas condicionadores de solo, trazem benefícios para a estrutura física, química e biológica do solo. As substâncias húmicas atuam no metabolismo primário e secundário das plantas, auxiliando no processo de absorção e transporte de íons, aceleração dos processos enzimáticos, estimulam a produção de auxinas, citocininas e giberelinas, o que promove crescimento mais rápido da raiz e aumento de produtividade.
Aliás, a promoção do crescimento e desenvolvimento de plantas tem sido atribuída ao efeito similar às auxinas, interagindo com receptores na superfície celular na membrana plasmática e promovendo aumento da plasticidade da parede celular. Já a produção de biomassa está associada aumento na concentração de clorofila e na taxa de fotossíntese líquida pelas plantas.
Ademais, as substâncias húmicas têm alta capacidade de retenção de água, o que colabora para a manutenção de agregados estabilizados nos solos. Sua capacidade de reter água é 20 vezes maior que as dos solos sem matéria orgânica, o que justifica a maior capacidade das plantas sobreviverem melhor em solos com grande quantidade de substâncias húmicas durante o período de déficit hídrico, em virtude da maior indução de crescimento de raízes laterais e pelos radiculares.

Manejo

Os ácidos húmicos, maiores componentes da matéria orgânica e utilizados principalmente na produção de fertilizantes organominerais, podem ser extraídos de diferentes matérias-primas, como resíduos de animais, lodo de esgoto e deposições geológicas de origem orgânica, como turfa. Isto é devido ao grande número de grupos funcionais contidos em suas moléculas e sua estabilidade química.
Diferentes agentes oxidantes podem ser utilizados, seguidos de extração alcalina para obtenção dos ácidos húmicos. Estes, por sua vez, podem variar muito em composição e funcionalidade, de acordo com seu material de origem.
Os produtores vão encontrar formulações diversas, como: produtos sólidos, sólidos solúveis ou líquidos. Muitas vezes, na garantia do produto está expresso o carbono orgânico. Porém, é importante que estejam incluídos os teores de ácidos húmicos e fúlvicos, pois as fontes de carbono orgânico são muito variáveis.
Em geral, as recomendações de uso de P na cana dependem do produto de escolha do agricultor, enquanto existem referências para a aplicação de acordo com a fase fenológica da planta e da época de plantio.
Em alguns casos, também pode ser recomendada a adição de uma dose superior de fósforo no sulco de plantio como forma de fosfatagem. Dessa forma, o produtor poderia diluir seus custos ao longo dos anos, bem como a dose de fosfatagem ao longo dos cultivos.
No entanto, a fosfatagem localizada dessa forma não trará o benefício de maior exploração das raízes no solo. Portanto, avalie o manejo do fósforo mais compatível com seus objetivos e capital.

Produtividade

A cana-de-açúcar é uma das culturas em que o uso de condicionadores de solo (ácidos húmicos e fúlvicos) vêm sendo testados. Trabalhos e experimentos realizados mostram grande eficiência na produtividade desta cultura, visto que promove um maior desenvolvimento vegetativo, proporcionado por um sistema radicular mais vigoroso e amplo, com maior exploração do volume do solo (Beauclair et al., 2010).
Estes autores ainda relatam que há evidências de que parcelas que receberam os condicionadores de solo apresentaram menos sintomas dos efeitos da estiagem em relação às parcelas sem este insumo, além de aumento da produtividade, da produção de açúcar total recuperável (ATR) por unidade de área, maior número de perfilhos, maior diâmetro e peso dos colmos em relação às áreas sem estas substâncias.
Segundo estudo realizado por Rosato et al. (2010) com substâncias húmicas (12% de ácido húmico e 3% de ácido fúlvico) aplicadas no sulco do plantio de cana, em região do Cerrado, no mês de março, as respostas variaram de acordo com a variedade e a época de avaliação.
Foi observado incremento no acúmulo de sacarose para a variedade SP91-3011, quando avaliada em junho e julho, e maior teor de sólidos solúveis do caldo (ºBrix) para a variedade RB72454, quando avaliada em agosto.
Isso demonstra que o uso das substâncias húmicas pode ser eficiente no manejo da cultura da cana-de-açúcar, porém, deve-se considerar a variedade e a época de colheita. Bolonhezi et al. (2013), sob solo de Cerrado, ambiente D, relata que as substâncias húmicas aplicadas no sulco de plantio da variedade RB867515 promoveram aumentos de 24 e 21%, respectivamente, no teor de sacarose e produtividade de colmos.

Erros mais frequentes

A escolha e a aplicação dos ácidos húmicos deve ser criteriosa, levando em consideração a cultura a ser manejada, o solo de cultivo, nutrientes e defensivos agrícolas a serem utilizados, pois estas substâncias auxiliam positivamente a estrutura física e química do solo, além de incrementarem a biomassa radicular e da parte aérea nas plantas.
No entanto, as substâncias húmicas podem alterar, por meio da exsudação de ácidos orgânicos e de açúcares pelas raízes, a química e a dinâmica microbiana da rizosfera, interferindo principalmente na disponibilidade e na assimilação de nutrientes, resultando em incrementos nos teores e conteúdo de macro e micronutrientes.
Dessa forma, deve-se evitar valores de pH fora da faixa ótima para o crescimento e desenvolvimento das culturas antes da aplicação; evitar a utilização de ácidos húmicos de origem desconhecida sem saber a composição química dos mesmos e não utilizar ácidos húmicos insolúveis em água.
Ademais, para o adequado fornecimento de fósforo na cana, precisamos antes realizar a análise do solo e interpretá-la.

Cuidados

Estudos mostram que a aplicação de ácidos húmicos pode ser eficiente no manejo da cultura da cana-de-açúcar, porém, deve-se considerar a variedade e a época de colheita.
Além disso, a aplicação de ácidos húmicos pode ser entre a aração e a gradagem, localizada (em sulco de plantio), em pulverização ou via fertirrigação, no plantio, e ainda na fase de desenvolvimento.
Deve-se considerar e contar com pulverizadores e equipamentos com manutenção adequada, bicos, barras e tanques bem lavados, utilizar pulverizadores específicos para fertilizantes, dosagens adequadas, bem como contar com um bom treinamento do operador e acompanhamento de perto de um profissional agrônomo e/ou produtor.
É relevante ressaltar a importância de estudos prévios com relação à fonte de origem de onde serão extraídos os ácidos húmicos, a estrutura química a ser utilizada e testes preliminares com diferentes concentrações de resposta em plantas de cana, antes da aplicação a nível de campo, e também avaliar as condições do solo para ter um melhor aproveitamento da técnica.
Solos com alto teor de argila dificultam respostas imediatas com a aplicação de ácidos húmicos. Entretanto, nutrientes básicos no manejo da nutrição, bem como o uso de fertilizantes nos sulcos, podem ser agregados ao sistema de produção.
Já em solos arenosos é necessário, num primeiro momento, construir a fertilidade de outra forma, além de eliminar a compactação e valorizar a melhoria dos atributos físicos e químicos e, assim, após esse manejo inserir a adubação com essas substâncias.

Investimento x retorno

Com relação ao custo-benefício, de forma geral os benefícios são superiores. De certo que a utilização dos ácidos húmicos não só beneficia o crescimento e desenvolvimento vegetal, mas também melhora as qualidades biológicas, físicas e químicas do solo.
No entanto, existem poucos resultados de pesquisa que podem dar este indicador, sem considerar outros parâmetros do sistema de produção, tais como idade da planta, solo livre de compactação, manejo correto de plantas daninhas e áreas livres de pragas.
O custo dos ácidos húmicos vai depender do tamanho da área e também da dose de ácidos húmicos que será utilizada. De maneira geral, o rendimento de extração dos ácidos húmicos é baixo (dependendo da fonte de matéria orgânica), mas estão disponíveis frascos de ácidos húmicos no estado sólido (50 gramas, por exemplo) que variam de R$ 200,00 a R$ 1.200,00, dependendo do quão purificado é o material.
Portanto, a adoção pelo produtor de uma tecnologia que aumente as interações biológicas na rizosfera da cultura da cana-de-açúcar, proporcionado pelas substâncias húmicas, e, consequente aumento de P em sulco de plantio, surge como componente chave para o aumento da capacidade produtiva dos solos onde se cultiva essa cultura.
Atualmente, novas técnicas de extração e obtenção dos ácidos húmicos vêm sendo testadas a fim de minimizar os custos para o produtor.

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