Conheça tecnologias da Epagri para produção sustentável de tomate

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Aires Mariga / Epagri

Tanta preocupação se justifica. O tomate é conhecido da sociedade por ser um dos principais “vilões” da alimentação quando se fala em resíduos de agrotóxicos. O relatório mais recente do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), detectou a presença de 45 agrotóxicos nas amostras de tomate avaliadas. Para elaboração do documento foram analisadas 316 amostras da hortaliça e 106 apresentaram agrotóxicos não autorizados para a cultura. Em oito foram detectados resíduos em concentrações acima do permitido.

Rafael Morales, pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Itajaí, explica que o tomateiro é uma planta que tem alta suscetibilidade às pragas e doenças. São mais de 55 que podem afetar o pé de tomate com risco de provocar perdas econômicas importantes.

O pesquisador contextualiza que tal fragilidade é resultado do melhoramento genético do tomateiro, realizado por diferentes cientistas, em diversas partes do mundo, que transformou uma planta silvestre, utilizada apenas como ornamental no início da sua domesticação e cultivo, num vegetal que produz frutos altamente saborosos e palatáveis, com características completamente diferentes da origem. Para tanto, ao longo de gerações foram sendo eliminados solanina, fitoalexinas, alcaloides, acidez e aumentada a quantidade açúcar do fruto. As alterações genéticas também desapareceram com características morfológicas que tornavam a planta menos atrativa às pragas. Tudo na busca de tornar o tomate mais saboroso e produtivo. Neste processo, a planta foi perdendo a rusticidade e ficou cada vez mais vulnerável à pragas e doenças.

Agora, o desafio da ciência tem sido encontrar formas de produzir um tomate de sabor e aparência atrativos para o consumidor, com a produtividade necessária para garantir renda ao produtor, porém com menos ou nenhum agrotóxico.

Nos últimos anos, o Brasil tem se mantido entre os dez maiores produtores mundiais de tomate, com toda produção voltada para o mercado interno. De acordo com a Epagri/Cepa, Santa Catarina é o sétimo produtor do país, com estimativa de colher 141,5 mil toneladas na safra 2021/22. Os municípios de Caçador e Lebon Régis são os principais produtores catarinenses. A cultura tem forte participação da agricultura familiar no Estado, respondendo por 87% dos estabelecimentos agropecuários produtores. Neste cenário, a Epagri viu a importância de disponibilizar a este público tecnologias que permitam a produção sustentável do alimento.

Alerta no celular

Uma delas é o sistema de avisos de alerta para o controle de doenças do tomateiro, disponível na plataforma Agroconnect. Trata-se de um site desenvolvido pela Epagri que emite gratuitamente alertas de doenças para diversas culturas agrícolas no Estado. O diferencial do tomate é que os agricultores não precisam ir até o site para ver se há alertas, eles recebem essa informação diariamente em seus celulares por mensagens de WhatsApp.

Esse trabalho é realizado por Guilherme Mallmann, pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Caçador. Durante o período da safra do tomate na região, que vai de outubro a abril, ele vai todos os dias até o Agroconnect, recolhe as informações e as repassa para um grupo de 150 produtores rurais do Alto Vale do Rio do Peixe. “Envio os alertas diariamente, inclusive aos finais de semana e feriados”, explica Guilherme. Com este trabalho, ele consegue reduzir em até 60% a aplicação de fungicidas nas propriedades atendidas, em anos de La Niña, quando chove menos em Santa Catarina.

O sistema de alerta indica a favorabilidade climática para ocorrência das doenças requeima, pinta preta, septoriose e mancha bacteriana, que são as com maior potencial de causar perdas nas lavouras de tomate em Santa Catarina. O pesquisador explica que para surgir uma doença, são necessários três fatores: um hospedeiro suscetível, a presença de patógeno no ambiente (fungo, vírus ou bactéria) e a condição climática favorável.

O modelo matemático pressupõe que as duas condições iniciais existam e emite o alerta quando temperatura e umidade do ar, molhamento foliar e precipitação se combinam de modo a formar o cenário ideal para surgimento das doenças. As variáveis ambientais são monitoradas por cerca de 200 estações agrometeorológicas da Epagri/Ciram instaladas na região produtora, que registram e enviam estes dados a cada hora para o banco digital da instituição, em Florianópolis. Na capital, os dados são inseridos no modelo para dar origem ao alerta. Todo o processo é feito de forma automática, ou seja, sem intervenção humana. 

“Ao receber o alerta, o agricultor vai saber se é realmente necessário fazer a pulverização com fungicida e qual o químico aplicar para se precaver contra a doença que ameaça naquele momento”, esclarece Guilherme. Ele explica que os agricultores que não usam o sistema fazem aplicações calendarizadas, ou seja, fixas, uma ou duas vezes por semana, e muitas vezes sem necessidade.

Os produtores catarinenses que recebem o alerta no celular adotam o Sistema de Produção Integrada de Tomate (Sispit), um modelo que combina tecnologias avançadas e boas práticas agrícolas para produzir alimentos seguros e de qualidade. Segundo o Balanço Social da Epagri, em 2018 esses agricultores registraram uma economia de R$213.258 com defensivos. O documento mostra também que a renda líquida dos que utilizam as duas tecnologias é cerca de 50% superior à dos pequenos produtores de tomate que empregam cultivo convencional.

Alexander Scolaro é um dos produtores de tomate de Caçador que recebe diariamente os alertas, “logo pela manhã ou até um dia antes, sempre a tempo de aplicar os produtos necessários para controle”, relata. Ele afirma que viu seus custos com fungicidas e inseticidas caírem em pelo menos 20% depois de adotar a tecnologia há três anos, “mas (a queda) pode chegar a mais”, declara. “É uma ferramenta muito útil”, elogia o agricultor, satisfeito com os resultados alcançados.

Orgânico no prato

Por ser uma planta tão vulnerável à doenças, o tomate é um dos alimentos mais difíceis de serem produzidos no sistema orgânico, atesta Rafael Morales. Mas nada que intimide quem quer ajudar a produzir alimentos limpos e saudáveis para a população.

Para dar uma “mãozinha” aos agricultores catarinenses que aceitaram o desafio de produzir tomates orgânicos, os pesquisadores da Estação Experimental da Epagri em Itajaí desenvolveram o Sistema Orgânico de Produção de Tomates em Santa Catarina (Tomatorg), que reúne as tecnologias recomendadas para plantio de tomates sem agrotóxicos, mas que também podem ser aplicadas em outras culturas agrícolas e no sistema convencional de cultivo. As recomendações valem ainda para produções em outros estados.

As tecnologias apresentadas possibilitam que alguns produtores obtenham produtividades superiores a 80 toneladas por hectare, o que é o dobro do observado comumente por produtores orgânicos do Estado. O trabalho reúne os conhecimentos gerados por 16 anos de pesquisa, com resultados de experimentação agrícola desenvolvidos na Estação Experimental da Epagri em Itajaí, pesquisas participativas com produtores tradicionais de tomate orgânico e pela experiência de técnicos da Epagri envolvidos com a cadeia produtiva.

Para produzir tomates orgânicos, as propriedades rurais precisam de uma boa dose de tecnologia, revela Rafael. A construção de estufas é essencial para alcançar sucesso no cultivo, mas é preciso muito mais. Está tudo detalhado no Tomatorg, que aborda desde a produção de mudas, até a colheita, armazenagem e comercialização, passando por diversos tópicos, como legislação, irrigação, adubação, descrição dos principais insetos-praga e doenças do tomateiro, entre outros temas.

A tecnologia foi uma das vencedoras da 28ª edição do Prêmio Expressão de Ecologia, a mais longeva e importante premiação ambiental do Brasil, reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente. O Tomatorg ganhou a disputa entre 198 cases ambientais inscritos, provenientes dos estados do Sul do Brasil, além de São Paulo, que pela primeira vez participou da disputa.

Mas a principal recompensa são os resultados alcançados pelos agricultores que adotam o sistema. Carlos Alberto Noronha do Amaral, agricultor de Joinville mais conhecido como Beto Amaral, foi um deles. “O Tomatorg foi fundamental para eu entrar no cultivo orgânico, porque, quando me deparei com a publicação, vi que era possível”, conta ele, que é engenheiro-agrônomo e conhecia bem as dificuldades de produzir a hortaliça sem agrotóxicos.

Beto foi apresentado ao sistema em 2018, num evento da Epagri. Investiu R$ 20 mil na construção de estufas cobertas com plástico e cercadas por tela antiafídea, para evitar a entrada de insetos. Também precisou instalar no alto das estufas um sistema de exaustão, com ventoinhas movidas a energia solar para controlar a temperatura no ambiente, já que a região é muito quente.

Na primeira semana de junho o agricultor vai plantar 250 mudas enxertadas e, se tudo correr conforme o planejado, deve colher mil toneladas de tomates orgânicos na safra 2022. Ao final do ciclo, terá pago o investimento para construção das estufas. 

A comercialização não tem sido um problema para Beto. A safra 2021 ele conseguiu vender para comerciantes da própria cidade e da vizinha Jaraguá do Sul. “Se tivesse mais, venderia mais”, relata ele, na esperança de ter o mesmo sucesso neste ano.

Sucesso que ele deseja compartilhar. Ele já recomendou a publicação para outros agricultores que participam da associação de produtores orgânicos da qual faz parte. “Ela é completa e simples, utiliza uma linguagem que qualquer um pode entender”, atesta Beto, que hoje tem o Tomatorg como um livro de cabeceira, “todo dia abro e leio alguma coisa”.

Tomate Kaiçara

O lançamento do cultivar SCS375 Kaiçara foi um dos resultados mais significativos do projeto  Tomatorg. O processo de seleção para desenvolvimento da planta começou em 2003 e finalizou em 2016, quando foi lançado oficialmente pela Epagri. Por ser mais tolerante às pragas e doenças, o cultivar facilita o manejo do produtor orgânico e reduz a necessidade de agrotóxicos em lavouras comerciais.

O Kaiçara é um tomateiro que apresenta um ótimo desenvolvimento em abrigos de cultivo e nos sistemas de produção orgânica. Ele sofre menor incidência de doenças foliares, como a requeima e a mancha-de-cladiosporium, quando comparado com outros cultivares e híbridos comerciais. Tem folhas mais eretas e curtas, que facilitam a pulverização de caldas fitossanitárias no interior dos abrigos e possibilitam melhor aeração do cultivo, reduzindo a presença de orvalho sobre as folhas e levando a uma menor incidência de doenças foliares.

Esse tomateiro produz frutos de elevada qualidade, com formato “caqui”, de tamanho médio, coloração vermelha e intensa, excelente sabor e prolongado tempo de prateleira. Outro destaque é a boa produtividade, uma média 5kg de tomates por planta, que associado ao maior adensamento, decorrente do tamanho menor da planta, possibilita elevadas produções por área.

Em junho de 2021 os agricultores da região do Vale do Itajaí testemunharam a qualidade do Kaiçara. Em uma área demonstrativa instalada na propriedade do agricultor Imor Bohmann, em Apiúna, os participantes verificaram que o cultivar da Epagri pode render até 7kg de frutos por planta. A produtividade média de uma planta de tomate é de cerca de 5kg de frutos, dependendo do sistema de cultivo.

Com tais resultados, não é de espantar que ele tenha rapidamente alcançado sucesso no mercado. A Isla Sementes, empresa vencedora da chamada pública para colocar o Kaiçara no mercado, vendeu no ano passado 112 mil envelopes de sementes do cultivar da Epagri. Mais uma prova de que as tecnologias disponibilizadas pela Epagri para produção sustentável de tomates são eficientes e agradam aos agricultores. Enquanto isso, a saúde dos consumidores agradece!

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