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Enxertia – Quais as vantagens para o pimentão?

Autores

Daiane Andreia Trento
Engenheira agrônoma – Universidade do Estado de Mato Grosso (UFMT)
Mônica Bartira da Silva
Engenheira agrônoma e doutora em Horticultura – Unesp
monica.bartira@gmail.com
Santino Seabra Junior
Doutor em Agronomia e professor Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)

A enxertia em hortaliças é uma técnica cultural utilizada desde meados de 1920 no Japão e na Coreia, com o objetivo de contornar os problemas de patógenos de solo em melancia. No Brasil, especificamente no Estado de São Paulo, essa técnica foi introduzida em 1980 para solucionar problemas de patógenos de solo e aumentar a produtividade em pepino. Com o sucesso dessa atividade, ela se expandiu, sendo usada em outras hortaliças de interesse comercial e regiões brasileiras.

Estima-se que cerca de um milhão de mudas de pimentão são enxertadas por ano no Estado de São Paulo. Além disso, tem-se verificado que algumas combinações de enxerto e porta-enxerto têm a produtividade aumentada, mesmo em áreas sem a presença de patógenos de solo.

Como funciona

A enxertia é definida como um método de obtenção de mudas a partir da união de duas plantas da mesma espécie, gênero ou família, como por exemplo, unir uma planta que tenha resistência à Phytophthora capsici, que pode ser uma pimenta ou pimentão, em uma planta de pimentão com alta capacidade produtiva e qualidade de fruto.

O interessante dessa técnica é que é feita de forma assexuada a partir da intervenção humana e consiste em unir uma muda, que será chamada de cavaleiro ou enxerto, em outra planta, denominada cavalo ou porta-enxerto.

Essas plantas se mantêm sadias mesmo em ambiente contaminado e assumem a função de absorver água e nutrientes do solo, ao mesmo tempo em que isolam a cultivar sensível do patógeno.

Desta forma, a enxertia é uma alternativa a outros métodos de controle de doenças, como o uso de fungicidas, ganhando importância ainda maior por reduzir a utilização desses produtos.

Vantagens

A vantagem de utilizar mudas oriundas de enxertia é que essas resultarão em plantas mais vigorosas, apresentando desempenho superior a plantas de pé-franco em condições de estresse, tanto bióticos como abióticos. Isso ocorre porque suas raízes são mais desenvolvidas e favorecem processos fisiológicos, como absorção e translocação de nutrientes e água, o que beneficia a produção de fotoassimilados, resultando em maior produtividade.

Plantas enxertadas de pimentão, por exemplo, promovem acréscimo de produtividade de frutos, que podem variar de 25 a 40%. Além disso, esses frutos podem apresentar maiores teores de compostos funcionais, como vitamina C, licopeno, caroteno, antioxidantes e sólidos solúveis totais, além das características físicas, como cor, textura firmeza, formato e tamanho de fruto.

Também podem trazer desvantagem, como a transferência de alguma característica indesejada do enxerto ao porta-enxerto, por exemplo, a utilização de porta-enxerto de uma cultivar de pimenta dedo-de-moça que, devido à produção de capsaicina, aumenta a pungência dos frutos.

É importante ressaltar que nem todas as espécies apresentam características morfofisiológicas que possibilitam a enxertia. Assim sendo, entre as hortaliças, somente as das famílias solanáceaes (tomate, pimentão e berinjela) e cucurbitáceas (melancia, melão, pepino e abóbora) são comumente enxertadas.

O pimentão

Dentre as solanáceas, o pimentão (Capsicum annuum Group) é de grande importância econômica no mercado brasileiro de hortaliças, com uma produção em torno de 253.000 toneladas por ano e produtividade média de 37 toneladas por hectare. Mas um dos fatores limitantes para o aumento da produtividade é a incidência de patógenos de solo que afetam a cultura e oneram os custos.

Entre os principais patógenos de solo que afetam a cultura do pimentão estão os fitonematoides, com destaque para o gênero Meloidogyne, os fungos como a Phytophthora capsici e bacterianas, como a Ralstonia solanacearum.

O ataque dos fitonematoides do gênero Meloidogyne induz à formação abundante de galhas nas raízes, o que causa nas plantas os sintomas de crescimento reduzido, murcha de folhas nas horas mais quentes e clorose, deixando as plantas com aparência de deficiência nutricional. O gênero Meloidogyne engloba os nematoides de maior importância, os quais possuem ampla gama de hospedeiros, incluindo a maioria das espécies de interesse econômico.

A murcha do pimentão, ou podridão da raiz, causada pelo fungo Phytophthora capsici, quando ataca a planta adulta causa podridão de raízes e do colo, provocando murcha repentina. Também causa lesões necróticas encharcadas, de crescimento rápido, com frutificações brancas nos bordos, localizadas no caule, folhas e nos frutos.

A murcha bacteriana (Ralstonia solanacearum) é uma das doenças que causa maior dano econômico em muitas regiões brasileiras, por afetar o sistema vascular da planta. Ao infectar a planta, a bactéria fica alojada no xilema, onde produz grande quantidade de células e exsudatos viscosos, os quais obstruem os vasos, ocasionando a murcha da planta, principalmente nas horas mais quentes do dia, causando sua morte.

Benefícios para o pimentão

O uso da enxertia soma diversos benefícios, entre eles: a possibilidade de cultivo de variedades e híbridos de alto padrão produtivo, melhor qualidade dos frutos, maior vigor à planta, aumento da precocidade e longevidade das plantas no campo, tolerância a condições desfavoráveis de solo e controle de adversidades climáticas e desordens fisiológicas.

Contudo, o produtor deve ficar atento, porque para alcançar todas essas vantagens é necessário usar variedades de porta-enxerto com resistência múltipla a doenças e alta compatibilidade com as variedades em uso comercial atualmente.

É comum obter excelentes porcentagens de sobrevivência de mudas de hortaliças enxertadas, contudo, resultados desfavoráveis também podem ocorrer, exigindo do produtor atenção a vários detalhes. Existem disponível no mercado diversas cultivares de pimentas e pimentões utilizados para porta-enxerto de pimentão.

Em conjunto

A combinação de enxertos e porta-enxertos pode proporcionar uma muda de alta performance. A procura por mudas enxertadas é devido à produtividade mais elevada se comparada às mudas de pé-franco, além da longevidade da planta, em que a colheita perdura por até um ano. Isso representa um acréscimo de quatro a cinco meses de longevidade e a produção varia de 1,5 a 1,8 caixas por planta em estufas, ficando 25 a 40% superior à plantas não enxertadas de mesma cultivar.

As mudas enxertadas ficam prontas de 62 a 68 dias após semeadura e o método de enxertia mais empregado é em bisel. O preço das mudas enxertadas varia de acordo com o valor das sementes, ficando entre R$ 1,85 e R$ 2,15 por muda pronta.

Outro método de enxertia é por encostia lateral com corte em formato de bisel, em que as partes da cultivar e do porta-enxerto são fixadas por um clipe plástico que permanece durante todo o processo de cicatrização.

Os produtores que recorrem a essa técnica de enxertia justificam que é devido à alta incidência das doenças no solo, além de proporcionar um aumento de produtividade pelo incremento de vigor. Um exemplo é o caso de sucesso de um produtor em Anápolis (GO), que com 1.916 mudas enxertadas colheu 2.170 caixas durante 9 meses.

Uma questão importante ao produzir mudas enxertadas é a relação entre enxerto e porta-enxerto, o que pode alterar a viabilidade de pegamento das mudas, podendo ter sucesso de pegamento acima de 90%.

Cuidados

A combinação entre as plantas que irão compor o enxerto determina o sucesso ou o fracasso da enxertia. Quando ocorre a incompatibilidade entre enxerto e porta-enxerto há manifestação dos seguintes sintomas: morte imediata da planta, ruptura do ponto de enxertia, baixo índice de sobrevivência do enxerto, falta de crescimento da muda, amarelecimento e queda das folhas, diferenças marcantes na velocidade de crescimento entre a cultivar produtiva e o porta-enxerto e crescimento excessivo do ponto de enxertia ou tecido próximo a este.

Dentre os erros mais comuns que ocorrem na execução da enxertia encontra-se o manejo dos fatores externos, como temperatura e umidade. Aqui ainda é necessário destacar que esse manejo deve ocorrer tanto durante quanto após a enxertia. A temperatura entre 26 a 28ºC favorece a produção do tecido do calo, que é essencial para a cicatrização da união das plantas.

Temperaturas inferiores a 15ºC ou superiores a 32ºC são prejudiciais, pois reduzem a formação do calo, tornando-a lenta. Já em temperaturas elevadas ocorre atraso na sua formação, chegando à morte quando a temperatura fica em torno de 40ºC.

Cabe ressaltar, ainda, que após a enxertia o ideal é manter as mudas entre 20 e 25ºC, principalmente nos três primeiros dias. Outro ponto importantíssimo é a umidade relativa do ar, para evitar a desidratação dos tecidos. Isso ocorre porque as células do parênquima que formam o tecido do calo são de parede fina e delicada, sem resistência à dessecação.

Outro fator que influencia o pegamento das mudas é a sanidade da superfície de contato, que pode prejudicar o processo de cicatrização. Quando ocorre pouca área de união entre os tecidos, o movimento de água e nutriente é prejudicado, mesmo que a região da enxertia tenha apresentado boa cicatrização no início do crescimento. O enxerto e o porta-enxerto devem apresentar diâmetro de caule e vasos condutores semelhantes para garantir o pegamento da muda.

Qualidade das mudas

A idade das mudas é outro fator que pode influenciar a compatibilidade, sendo importante programar as semeaduras de maneira que o enxerto e o porta-enxerto atinjam conjuntamente o estádio vegetativo adequado. A idade das plantas no momento da enxertia varia de acordo com a espécie e método de enxerto empregado, variando de uma a três folhas definitivas.

O método de enxertia de hortaliças pode influenciar na qualidade das mudas, percentagem de pegamento do enxerto e produtividade. A escolha do método depende da prática do enxertador. Existem diversos tipos de técnicas como: bisel ou fenda, garfagem dupla, encostia lateral com corte em bisel e por estaca terminal.

Especificamente para o pimentão, destacam-se o método tipo estaca terminal, bisel ou fenda e por encostia lateral. Para a enxertia tipo estaca terminal, une-se a porção apical do enxerto (estaca) à planta porta-enxerto, sendo eliminado o sistema radicular do primeiro e a parte apical do segundo. As superfícies do enxerto e do porta-enxerto devem permanecer em contato firme.

O método de enxertia tipo bisel ou fenda consiste no corte transversal do caule do porta-enxerto, seguido da abertura de uma fenda e corte em bisel dos enxertos, abaixo das folhas cotiledonares, com posterior encaixe na fenda do porta-enxerto. Importante observar que as ferramentas utilizadas durante o processo precisam ser desinfetadas periodicamente com álcool 70%, e até a união e cicatrização dos tecidos são colocados grampos de fixação para assegurar a retenção do enxerto.

A enxertia por encostia lateral com corte em bisel, como o nome já diz, consiste em abrir um corte em bisel de baixo para cima  na haste do enxerto, e no porta-enxerto é realizado um corte na mesma altura, mas em sentido contrário, de cima para baixo. Em seguida as plantas são encaixadas lateralmente pelo corte e fixadas por um clipe plástico.

O processo de união do enxerto com o porta-enxerto pode ser visível um dia após a enxertia, e depois de três a sete dias é possível observar a formação do calo. A formação da união do enxerto termina quando o ferimento se cicatriza e se estabelece a circulação de água e de nutrientes da raiz para a parte aérea e de fotoassimilados da parte aérea para a raiz. Isso ocorre entre uma e três semanas após a enxertia. 

Em alguns países, na produção comercial de mudas as plantas são colocadas em câmaras de crescimento com ambiente completamente controlado durante o período de pós-enxertia.

Viabilidade

A enxertia em hortaliças, embora seja uma técnica exigente em mão de obra qualificada, porém de fácil execução, é adequada a culturas e materiais genéticos de grande valor de mercado, ao cultivo em ambiente protegido de híbridos, sensíveis a determinadas condições edafoclimáticas adversas, entre outros aspectos mencionados neste texto.

A utilização de mudas enxertadas é uma tecnologia prontamente disponível ao produtor, que pode adquiri-las de viveiros comerciais e se beneficiar do aumento de produção, vigor, precocidade e longevidade das plantas no campo, além de obter frutos de melhor qualidade.

Contudo, devem ser levadas em consideração as condições climáticas locais e resultados de pesquisa e experiência de outros produtores da região, visando obter a melhor combinação entre enxerto e porta-enxerto.

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