Medicamentos à base de Cannabis: realidade em vários países

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Créditos Pixabay

Cícero Alexandre Leite
Engenheiro agrônomo, doutor e diretor – All Bright Agro Engenharia

Existe um mercado mundial de medicamentos fitoterápicos superior a US$ 230 bilhões. Existe um mercado brasileiro desse mesmo segmento estimado em US$ 2,3 bilhões, ou seja, apenas 1% do mercado mundial.

Agora, lhes pergunto: por que o País com a maior riqueza em biodiversidade de plantas do planeta apresenta um mercado inferior a 1% do mercado mundial em fitoterápicos?

De onde vêm os insumos para a indústria de fitoterápicos? Vem do cultivo de plantas medicinais. Quem são e onde estão estes produtores dessas plantas? Em pesquisa de mercado realizada pela All Bright Agromarketing, constatou-se que 78% desses produtores são de porte pequeno e que 22% são cultivos pertencentes às próprias empresas que dominam desde a produção, fabricação do medicamento, até a comercialização e distribuição.

Por aqui

Os medicamentos de Cannabis não estão ai contabilizados pois o Brasil está atrasado em relação a países como Canadá, Estados Unidos e vários membros da União Europeia, no que se refere a homologar uma legislação que permita o cultivo dessa planta em território nacional, o que desenvolveria a indústria brasileira, gerando assim competitividade que faria os preços mais acessíveis para os mais de 13,5 milhões de brasileiros que se beneficiariam com esse medicamento.

Sim, este é o tamanho do mercado brasileiro que atenderia pacientes que sofrem de diversos males tratáveis com os canabinóides, ou seja, substâncias ativas extraídas das variedades de plantas do gênero Cannabis.

Resumindo, os medicamentos fitoterápicos à base de Cannabis podem desenvolver um mercado cujo tamanho é da mesma ordem de grandeza do comércio já existente de todos os outros fitoterápicos juntos.

Vamos falar de enfermidades

São várias as doenças onde os produtos à base de canabinóides atuam com eficiência: epilepsia, mal de alzheimer, mal de parkinson, autismo, efeitos do câncer, fibromialgia, esclerose múltipla, etc.

A cada semana, mais e mais pesquisas são publicadas por médicos de institutos renomados em todo o mundo comprovando sua eficácia nestas e em novas enfermidades.

O corpo humano produz canabinóides

Por que a Cannabis é aplicável a tantos tratamentos, muito mais que qualquer outra planta? O professor Rephael Mechoulan, do Centro de Pesquisas de Dor da Faculdade de Medicina da Universidade Hebraica de Jerusalém, isolou os ativos da Cannabis e descobriu o seguinte: Nosso corpo produz substâncias neuroreguladoras, assim como seus receptores, ou seja, o corpo humano sintetiza as mesmas moléculas químicas que a planta de Cannabis e possui os receptores para estas substâncias específicas, logo, quando aplicadas de uma fonte externa, no caso, extraído da planta de Cannabis, o bioefeito é imediato e efetivo.

O que falta para que, no Brasil, surja o negócio de produção de plantas de Cannabis e de medicamentos a partir dessas plantas? Necessitamos de uma legislação que regulamente o plantio e a fabricação de medicamentos a partir da planta de Cannabis.

Esta legislação deverá contemplar premissas como:

  • Segurança física: a unidade de produção agrícola de plantas, assim como a extração e a fabricação de remédios, deve adotar uma série de medidas auditáveis de segurança como: cercamento específico à prova de invasão por túneis; controle e registro total de acesso às áreas; cobrimento de área interna total por câmaras de vigilância e externa nas adjacências; assim como segurança 24 horas. As premissas de segurança são necessárias para tranquilizar a sociedade com respeito à possibilidade de desvio do material para o mercado paralelo e criminalizado.
  • Segurança biológica: as variedades cultivadas devem ser conhecidas em seus teores de CBD e THC e devem ser registradas nos órgãos competentes. A quantidade de plantas cultivadas deve ser declarada previamente e o cultivo deve ser auditado pelos órgãos competentes até a colheita. Os restos culturais e resíduos de fabricação devem ter destinação adequada para se evitar desvios.

O projeto de lei 399/15 e a RDC 327/19 estão pendentes e pelo menos em parte contemplam estas premissas específicas para este cultivo e para a comercialização dos seus produtos fitoterápicos

Como é este negócio?

Como todo negócio, aqui temos a produção e comercialização, sendo que na produção são três fases:

  1. O cultivo da planta, ou fase agronômica;
  2. Extração do óleo com ou sem isolamento dos princípios ativos;
  3. A fabricação e embalagem do medicamento propriamente dito.

A fase 2, que contempla a extração do óleo, pode fornecê-lo diretamente para a fabricação de medicamentos, chamados de full espectro. Outra alternativa é proceder ao isolamento químico dos ativos para fabricar medicamentos com CBD puro, por exemplo.

Comercialização

Para se comercializar o medicamento, a ANVISA já tem vigente toda uma regulamentação que deve ser cumprida e que atualmente contempla a venda de medicamentos registrados mediante prescrição e laudo médico. 

O cultivo

Há quatro tipos de empresas possíveis nesse negócio:

1- A empresa que vai dominar toda a cadeia;

2- A empresa que vai somente produzir a planta e extrair o óleo;

3- A empresa que vai fabricar e vender o medicamento;

4- A empresa que vai distribuir e comercializar.

Como iniciar o cultivo e a produção

Existe a necessidade do emprego de engenharia multidisciplinar para que este projeto de cultivo venha atender uma legislação coerente com a atividade, a exemplo do que já existente em outros países mais adiantados nessa atividade.

Mesmo para aquela empresa que só se dedicará à produção agrícola e de extração, ela deverá estar consciente que terá que cumprir as regulamentações GMP, ou seja, Good Manufacturing Pratices, e para tanto requererá projetos em separado, mas integrados de infraestrutura de energia, internet e água; segurança, projeto das instalações civis e planos de processos e operações, planejamento, gestão agronômica e rastreabilidade.

Todos estes projetos, juntos, devem custar por volta de 5,0 a 10% do valor do investimento. O investimento total em agricultura e instalações varia de acordo com a quantidade de óleo que se quer extrair, de acordo com o tipo de extração e tecnologia de isolamento dos princípios ativos da Cannabis, assim como a tecnologia de fabricação dos medicamentos.

Via de regra, na fase de projeto conceitual/básico se estima este custo com 70 a 80% de acurácia e na fase de projeto detalhado com 95%. Além do plano de investimentos, é feito concomitantemente o plano de custeio, envolvendo os custos fixos e variáveis, compreendendo salários, insumos, consumíveis, gestão ambiental, pessoal, administrativa, etc.

O gestor de projeto e/ou a integradora entre as empresas que vão fornecer os equipamentos assume o papel principal aqui, até que a unidade de produção funcione. Antes que isso ocorra, já será necessário ter os ‘cabeças’, que é o chefe de cultivo, chamado de grower, o chefe de extração e o responsável pela fabricação dos medicamentos.

Até aqui, falamos do setor de produção ou Back Office, mas não menos importante é o setor comercial e de marketing. Mas isto é assunto para a próxima coluna.

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