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Simbiose do futuro

Ricardo Bemfica Steffen Engenheiro agrônomo, doutor em Ciência do Solo e pós-doutor em Organismos do Solo e Insumos Biológicos para Agriculturaagronomors@gmail.com

Gerusa Pauli Kist Steffen Engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA/SEAPDR/RS)

No decorrer da última década, houve significativas alterações sobre a forma de olhar para o solo e compreender as interações que ocorrem neste sistema tão complexo e dinâmico, as quais resultam na produção mais eficiente de grãos, fibras e energia.

“O solo é um organismo vivo correspondente à camada mais superficial da crosta terrestre, constituído por materiais minerais e orgânicos resultantes das interações dos fatores de formação (clima, organismos vivos, material de origem e relevo) ao longo do tempo, contendo matéria viva e em parte modificado pela ação humana, capaz de sustentar plantas, armazenar água, transformar resíduos e suportar edificações”.

O solo é um corpo organomineral formado por três fases, sendo uma fração sólida (que corresponde a 50%), uma fração líquida (25%) e uma fração gasosa (os outros 25%).

E, embora a maior parte da fração sólida do solo seja constituída por minerais, 3-5% corresponde à fração da matéria orgânica. E é justamente esta pequena fração da matéria orgânica que representa a fração viva do solo, fundamental para a produção de plantas, pois é a responsável pelas interações que ocorrem entre as plantas, o clima e o solo.

Fração biológica x qualidade do solo e biofertilidade

A fração biológica do solo é fundamental para a produção agrícola. As altas produtividades dependem de solos quimicamente equilibrados, fisicamente estruturados e biologicamente ativos. Estes são os três pilares que sustentam a produtividade agrícola: 1) a química ou fertilidade do solo; 2) a física ou estrutura do solo; 3) a biologia e microbiologia do solo.

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Todos os parâmetros precisam ser considerados. Por exemplo: não basta nutrir bem as plantas se o solo estiver compactado e não possibilitar o crescimento das raízes. Não basta descompactar o solo se não estiverem disponíveis os 17 nutrientes essenciais para as plantas.

Não basta fornecer os 17 elementos essenciais para as plantas e descompactar o solo se não estiverem presentes os microrganismos que fornecerão os compostos orgânicos estruturais também essenciais para o crescimento vegetal.

Quais são estes compostos fornecidos pelos microrganismos? Aminoácidos, fitohormônios, ácidos orgânicos, fitoalexinas, ou seja, cadeias carbônicas essenciais para o desenvolvimento vegetal. Se formos analisar a constituição de uma planta, 96% correspondem aos elementos C, N e O, os quais provêm da atmosfera e das interações microbianas.

Os microrganismos atuam como agentes reguladores dos principais processos que envolvem a nutrição vegetal, tais como a ciclagem de nutrientes, a decomposição da matéria orgânica, a produção de metabólitos que estimulam o crescimento vegetal (fitohormônios), que atuam na defesa da planta contra o ataque de pragas, a absorção de nutrientes, a fixação de nitrogênio do ar e a degradação de compostos tóxicos. Enfim, um solo sem vida não é capaz de suportar elevada produção vegetal.

O que é e como construir a biofertilidade do solo

O termo biofertilidade ou fertilidade biológica do solo se refere às interações que ocorrem entre microrganismos e a nutrição vegetal. E manter a atividade microbiana dos solos é essencial para garantir a qualidade dos sistemas produtivos.

Podemos citar alguns exemplos de microrganismos essenciais para as culturas agrícolas e bem conhecidos dos produtores: bactérias fixadoras de nitrogênio, microrganismos solubilizadores de fosfatos, agentes de controle biológico, fungos micorrízicos arbusculares e fungos benéficos, como os do gênero Trichoderma.

Não por coincidência, os atuais recordes de produtividade de grãos observados no Brasil estão associados a manejos que adotam rotações de culturas eficientes, utilizando diversidade de plantas de cobertura com ação não somente na descompactação do solo, mas na produção de compostos que estimulem os microrganismos, atuam na redução da pressão de pragas e o sinergismo entre plantas de cobertura e culturas de grãos.

O solo deve ser visto como uma unidade de produção o ano inteiro. Não apenas no período de safra. Por isso é tão importante o planejamento e a compreensão dos processos que ocorrem no solo e a interação com as diferentes formas de vida que habitam o mesmo sistema.

Conhecendo estas interações, é possível melhorar a qualidade e a produtividade das culturas, garantindo a longevidade e a sustentabilidade do solo.

Fungos micorrízicos

 O termo vem do grego, em que “mico” significa fungo e “riza” raízes. Embora os estudos com fungos micorrízicos sejam antigos e consolidados, o conhecimento e o interesse em estabelecer simbioses com estes fungos no campo são recentes.

Dependendo de algumas características relacionadas à morfologia e anatomia dos fungos micorrízicos, eles podem ser divididos em ectomicorrizas ou endomicorrizas, também conhecidas por micorrizas arbusculares.

Essa divisão é importante porque as associações entre os fungos com as plantas são específicas, ou seja, as espécies de fungos não se associam com qualquer espécie de planta. Espécies micorrízicas que se associam com espécies florestais, por exemplo, não são as mesmas que irão se associar com culturas anuais.

As micorrizas arbusculares estão presentes em diversos cultivos agrícolas ao redor do mundo. Mais especificamente em culturas de grãos, as micorrizas arbusculares possuem um sistema de troca de assimilados presentes no interior das raízes. Os chamados arbúsculos e vesículas são estruturas formadas no córtex radicular e regulam a troca de açúcares e nutrientes entre a planta e o fungo.

Atualmente, os grupos de consultores e agricultores que estão obtendo patamares elevados de produtividade de grãos, em especial na cultura da soja, estão trabalhando com manejos e tecnologias que preservam a biologia do solo, assegurando a manutenção das interações biológicas no sistema.

Muitos destes manejos visam a manutenção e o incremento da atividade micorrízica no solo. Estes efeitos podem ser comprovados por análises laboratoriais, por meio da comparação da qualidade biológica dos solos em sistema de manejo integrado, visando incrementos da atividade biológica.

Aproximadamente 150 espécies de fungos micorrizicos arbusculares estão presentes em solos agrícolas e a simbiose destes fungos com as plantas depende de uma complexa sequência de interações, cuja relação simbiótica resulta em uma perfeita integração morfológica, fisiológica e funcional.

Benefícios da micorrização

No campo, observam-se maior produtividade e qualidade sanitária das plantas que formam associações micorrízicas. Estes efeitos estão relacionados ao fato de que plantas micorrizadas são capazes de explorar um volume de solo muito maior em busca de água e nutrientes (especialmente o fósforo).

Em situações de presença de elementos tóxicos no solo, as hifas atuam na imobilização destes elementos, impedindo que eles sejam absorvidos pelas raízes.

Até mesmo a fixação biológica de nitrogênio na soja possui interação com a micorrização. Trabalhos de pesquisa demonstram interações positivas entre estirpes de rizóbios e algumas micorrizas arbusculares. Estas interações resultam em maior eficiência quanto à nodulação e fixação efetiva de N.

Além destes efeitos nutricionais, resultados de pesquisa têm comprovado efeitos adicionais relacionados com a maior absorção e aproveitamento de água, produção de fitohormônios estimulantes de crescimento, proteção do sistema radicular devido às hifas atuarem como uma barreira natural de impedimento à penetração de patógenos e maior eficiência no sistema de fixação de nitrogênio por leguminosas.

Uma diversidade de compostos e moléculas, como auxinas, citocininas, giberelinas, vitaminas e compostos orgânicos bioativos se acumulam em maior quantidade em plantas micorrizadas. 

Micorrização e o potencial genético

A maioria das plantas vasculares é dependente de associações micorrízicas. No geral, são consideradas plantas dependentes de associações micorrízicas as que apresentam raízes grossas ou bastante lignificadas.

A dependência micorrízica é calculada pela diferença entre a produtividade de determinada cultura que esteja micorrizada e de plantas não micorrizadas. O conhecimento desta relação é muito interessante para entender a importância da manutenção do inóculo micorrízico nos solos agrícolas.

Exemplos reais

O exemplo máximo de dependência micorrízica é a mandioca (Manihot esculenta). A pesquisa aponta que 98% do potencial produtivo da mandioca está diretamente relacionado com a qualidade das associações micorrízicas estabelecidas. Em outras palavras, em solos sem a presença de inóculo micorrízico, a produção de mandioca é improvável.

Então, podemos classificar o grau de dependência das espécies de plantas em muito alto, médio, baixo ou até mesmo nulo. Dentre as culturas de interesse agrícola, o arroz, por exemplo, possui dependência muito baixa a associações micorrízicas. Tanto em condições de sequeiro como no cultivo em lâmina de água, o arroz não depende diretamente desta associação.

Já a soja, o feijão, o milho e o sorgo possuem uma dependência alta às associações com fungos arbusculares. Estas culturas irão expressar seu potencial genético se, dentre todos os fatores de produtividade que devem ser atendidos, a associação micorrízica também tiver sido contemplada.

Resultados

Estudos demonstram que incrementos de 25 a 40% na porcentagem de micorrização das plantas podem resultar em incrementos de 12 e 35% na produtividade de soja e milho, respectivamente.

Então, se sabemos que culturas de grande interesse agrícola como soja, feijão e milho são dependentes de associações micorrízicas, é fácil compreendermos que devemos priorizar manejos que estimulem o equilíbrio biológico nos solos.

Estes manejos devem, fundamentalmente, utilizar ferramentas como: rotação de culturas, plantas de cobertura eficientes (do ponto de vista de presença de compostos bioativos), programas adequados e precisos de fertilização e controle fitossanitário (evitando o uso desnecessário de moléculas químicas que possam influenciar de forma negativa a população microbiana dos solos) e priorizar tecnologias que visem preservar e regenerar as simbioses biológicas e as comunidades microbianas no solo.

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