Ellen Rayssa Oliveira
Engenheira agrônoma e doutoranda em Fisiologia e Bioquímica de Plantas – ESALQ-USP
ellen.rayssa@usp.br
Ana Paula Preczenhak
Pós-doutoranda em Fisiologia e Bioquímica de Plantas – ESALQ-USP e professora – Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara (FAESB)
prof.anapaula@faesb.edu.br
Ricardo Alfredo Kluge
Doutor e professor – ESALQ-USP, Departamento de Ciências Biológicas – Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Pós-Colheita
rakluge@usp.br
As frutas são produtos altamente perecíveis, pois mesmo após a colheita permanecem metabolicamente ativos e, como perderam sua fonte, a planta-mãe, acabam drenando os recursos disponíveis em suas próprias células, acelerando a perda de qualidade durante a maturação e senescência fora da planta.
Além disso, estão sujeitas à infecção por microrganismos patogênicos e deteriorantes, bem como a desordens fisiológicas, estas relacionadas a uma má logística de armazenamento.
O Brasil se destaca como grande produtor de frutas, no entanto, aproximadamente 20 a 40% da produção é perdida entre a colheita e a chegada ao consumidor. As principais causas das perdas pós-colheita estão relacionadas com a ocorrência de danos mecânicos e manuseio inadequado dos frutos, como colheita mal realizada, transporte inadequado, ausência da cadeia de frio, instalações e embalagens inadequadas para o armazenamento, e contaminação microbiológica.
Além disso, ainda há limitado conhecimento das transformações fisiológicas e bioquímicas que ocorrem neste período, o que também auxiliaria em melhor planejamento para a aplicação de tecnologias desde a pré-colheita até a comercialização.
Tecnologias pós-colheita
Tradicionalmente, as tecnologias utilizadas para a conservação pós-colheita dos frutos se baseiam em produtos químicos, como fungicidas e reguladores vegetais, ou métodos físicos, por exemplo, o tratamento térmico e utilização ambientes refrigerados.
Embora existam diversos tratamentos pós-colheita, ainda ocorrem significativas perdas, demandando abordagens adicionais eficazes para a conservação dos frutos.
Os princípios básicos das tecnologias emergentes são retardar o amadurecimento, diminuir os níveis populacionais de microrganismos contaminantes, preservar a qualidade sensorial e nutricional dos frutos, reduzir a perda de massa e ocorrência de distúrbios fisiológicos. Contudo, sem ocasionar riscos à saúde e ao meio ambiente.
Dependendo das necessidades bioquímicas e fisiológicas de cada espécie, uma tecnologia se aplica e apresenta melhores resultados que a outra.
Procedimentos
A realização do pré-resfriamento auxilia na conservação das frutas para reduzir a respiração, a perda de água e, indiretamente, a carga microbiana. Este procedimento consiste na rápida remoção do calor de campo, realizado imediatamente após a colheita, evitando o choque térmico das frutas na temperatura definitiva do armazenamento.
As técnicas de pré-resfriamento utilizadas na pós-colheita são o hidroresfriamento, pré-resfriamento por ar forçado (em câmaras de armazenamento), com gelo e à vácuo. As principais diferenças entre os métodos estão relacionadas ao custo de implementação e à eficácia na remoção de calor, com impacto direto na manutenção da qualidade de cada fruto.
Vale ressaltar que cada técnica é mais adequada e eficaz dependendo da estrutura da fruta; por exemplo, naquelas que são muito sensíveis à umidade, o hidroresfriamento não é o mais recomendado, pois acelera o desenvolvimento de podridões.
Nestes casos, o resfriamento por ar forçado pode ser mais vantajoso. Ainda, para esta classe de frutas a lavagem deve ser reduzida ao mínimo de vezes possível durante a cadeia de beneficiamento.
Proteção
Muitas frutas necessitam de proteção física para comercialização. Nestes casos, as embalagens são amplamente utilizadas para o acondicionamento das frutas. O uso de embalagens tem o objetivo de preservar a qualidade por meio da manutenção da aparência, textura, sabor, valor nutritivo, microbiológico, minimizando as perdas qualitativas e quantitativas, desde a colheita até o consumo.
No entanto, é evidente uma crescente preocupação a respeito do impacto ambiental causado pela utilização de materiais à base de polímeros não biodegradáveis. Assim, tem-se optado por embalagens sustentáveis, à base de biopolímeros, como celulose, quitosana e alginato de sódio, pectina, hidroxipropilmetilcelulose, celuloses bacterianas, goma xantana e pululano, que possuem propriedades antimicrobianas e antifúngicas.
Além disso, muitos biopolímeros são constituídos de materiais funcionalmente ativos, possuindo atividade antibacteriana, antioxidante, corante e aromatizante que, ao serem adicionados na embalagem, acabam por agregar valor nutricional, manter a qualidade e prolongar a vida útil do produto. Estas embalagens são as mais modernas e tecnológicas do mercado.
Inovações
Existem, também, embalagens capazes de monitorar as alterações que acontecem nos frutos durante o armazenamento, como por exemplo, mudanças no pH, composição gasosa e temperatura.
Assim, para detectar e indicar a presença dessas modificações são adicionados aos biopolímeros algumas substâncias com sensibilidade a determinada classe de composto ou condição do ambiente da embalagem.
É comum o uso de antocianinas, curcumina, extratos vegetais, azul de bromotimol e vermelho de metila como compostos inteligentes, pois, geralmente, apresentam mudança de coloração em resposta às alterações de concentrações de oxigênio, dióxido de carbono, pH, tempo e temperatura.
No entanto, muitos dos problemas de conservação das frutas estão relacionados com a contaminação ou desenvolvimento de doenças pós-colheita. Os cuidados com o ambiente de beneficiamento das frutas são indispensáveis.
Estratégias úteis
Como estratégia básica para minimizar a ocorrência de doenças em pós-colheita, é recomendada a higienização para a remoção da carga microbiana: no ambiente de armazenamento, embalagens, equipamentos e das superfícies de trabalho.
Para a desinfecção de utensílios e instalações são sugeridos produtos tendo o cloro como princípio ativo. Já quando falamos da desinfecção das frutas, temos alternativas ao cloro. É importante ressaltar que, além de possuir atividade antimicrobiana eficaz, é fundamental que o sanitizante seja seguro ao consumidor, do ponto de vista toxicológico.
Assim, uma alternativa segura e com alta eficácia nos processos de desinfecção é a utilização de ozônio em baixas concentrações. Ainda, tem a vantagem de facilidade de acesso ao equipamento.
A tecnologia é conhecida por não afetar os tecidos, o valor nutricional ou sensorial das frutas. É uma excelente alternativa para frutas que apresentam sensibilidade a pH alcalino, uma vez que produtos à base de cloro deixam a solução alcalina. No Brasil, a utilização do ozônio como sanitizante é regulamentada pela portaria da ANVISA nº 25/76.
Importante lembrar que a higienização da maioria das frutas pode ser realizada antes de chegar no local de armazenagem. Assim, garantimos que microrganismos e esporos do campo não sejam transferidos para o local de estocagem/beneficiamento. Estas medidas ajudam a reduzir a passagem de doenças entre locais e entre frutas contaminadas e saudáveis, o que mantém a sua qualidade sensorial e microbiológica.
Alerta fitossanitário
As doenças pós-colheita podem iniciar no campo, permanecendo latentes até a maturação dos frutos, com os sintomas se manifestando somente após a colheita, o que provoca danos em aspectos visuais e em seu valor nutritivo.
Diversos fatores podem influenciar o desenvolvimento de doenças neste período, principalmente a ocorrência de injúrias e danos mecânicos durante os procedimentos de colheita e manuseio dos frutos; além de temperatura e umidade relativa altas, as quais promovem condições favoráveis para a disseminação de microrganismos patogênicos.
Assim, o manejo ideal consiste em manter as frutas expostas a temperaturas amenas, em que cada espécie tem sua temperatura ideal que pode variar, por exemplo, entre 0 e 5,0°C para maçãs até 15°C para bananas.
A técnica deve ser combinada coma uma adequada umidade relativa do ambiente, em torno de 85%, para minimizar o desenvolvimento de podridões; e se em ambiente controlado ou embalagens plásticas, escolher as que propiciam atmosfera com redução da porcentagem de oxigênio e aumento da porcentagem de dióxido de carbono.
Todos estes aspectos influenciam tanto para retardar o amadurecimento e a senescência do fruto quanto para limitar o crescimento dos microrganismos.
Fisiologia e bioquímica das frutas
Logo, o controle de doenças pós-colheita deve ser iniciado ainda no campo para evitar a contaminação e posterior progressão da doença. Como muitas vezes os frutos, durante o armazenamento, são afetados por mais de um patógeno, é necessário associar agentes físicos, biológicos e químicos para o controle ou prevenção das doenças.
Dessa forma, prioriza-se a adoção de agentes biológicos e biotecnológicos com menor impacto ambiental e a utilização de produtos químicos somente quando extremamente necessário, optando por produtos fitossanitários permitidos pela legislação, registrados pelo MAPA para a espécie e com baixo nível residual nos frutos.
Dessa forma, para a conservação pós-colheita é necessário a utilização de tecnologias que abordem desde a fisiologia e bioquímica das frutas até as necessidades para manutenção de sua integridade física, promovendo, assim, a maximização da conservação das características de qualidade peculiares a cada produto.