
André Luís Teixeira Fernandes
Doutor, professor, pró-reitor da Uniube e sócio proprietário – C3 Consultoria e Pesquisa
andre.fernandes@uniube.br
No Brasil, mais de 500 mil hectares, equivalentes a 25% da área plantada de café, são irrigados por diferentes sistemas, como aspersão, pivô central, gotejamento, etc.
Em Minas Gerais, onde a área plantada já supera um milhão de hectares, em cada oito hectares, um é irrigado. A técnica tem sido utilizada mesmo em regiões consideradas tradicionais para o cafeeiro, como o sul de Minas Gerais, Zona da Mata mineira, Mogiana Paulista e Espírito Santo, com resultados excepcionais de produtividade.
Quais as vantagens?
Em projetos bem estruturados, com uso de práticas adequadas, como irrigação, é viável e econômico produzir na faixa de 60 a 70 sacas/ha, na média bienal, para lavouras de arábica e de 80 a 100 sacas/ha, para o robusta.
Tem sido possível, em áreas com estresse hídrico, na faixa de 100 a 200 mm anuais, obter ganhos de mais de 40% de produtividade com a irrigação. Nas áreas normais, como no sul de Minas, na média de seis safras, incluindo anos bons e maus de chuva, tem-se obtido ganhos de 30%.
Na Mogiana, nesses últimos quatro anos, a irrigação aumentou mais de 60% a produtividade e no Triângulo Mineiro foram constatados ganhos de produtividade de mais de 100%.
Como escolher o melhor sistema?
Existem diferentes sistemas de irrigação capazes de irrigar o cafezal e a escolha de um ou outro depende do tipo de solo, da topografia, do tamanho da área, dos fatores climáticos, dos fatores relacionados ao manejo da cultura, do déficit hídrico, do custo do sistema de irrigação e da capacidade de investimento do produtor.
O custo de implantação varia conforme a escolha, variando de R$ 7.000,00 (sistemas com maior demanda de mão de obra), até R$ 15.000,00/ha (sistemas automáticos, com alta uniformidade de aplicação de água, como o gotejamento e o pivô central com emissores localizados).
Demanda
Ao longo dos últimos 25 anos, observamos que a irrigação em café cresceu bastante. Na Figura 1, visualizamos que um déficit hídrico, analisado isoladamente, causa problemas no desenvolvimento da planta, por se configurar numa condição de estresse da mesma.
Em condições de déficit hídrico, a planta desenvolve mecanismos de defesa, como redução na área foliar, queda de folhas, aprofundamento do sistema radicular e fechamento estomático, que levam à paralisação no crescimento.

Figura 1 – Consequências do déficit hídrico numa planta.
Hoje, além da produtividade, os pesquisadores estão preocupados também com a qualidade da bebida e os impactos ambientais decorrentes da utilização incorreta dos recursos naturais.
Por isso, estudos mais detalhados envolvendo irrigação e florada do cafeeiro têm sido agora mais frequentes, iniciando com a pesquisa da Embrapa Cerrados. O grande problema em conduzir a irrigação do cafeeiro em condições de irrigação total (sem déficit) é a ocorrência de várias floradas que, em algumas regiões cafeeiras, tornam a maturação do café desuniforme (Figura 2).
Por isso, em praticamente todas as regiões cafeeiras têm sido desenvolvidos trabalhos de interrupção da irrigação após a colheita, com o objetivo de sincronização das floradas.

Figura 2 – Produção do cafeeiro com irrigação total (sem estresse)
Florada do cafeeiro
O café se constitui numa espécie na qual todas as plantas individuais de certa extensão geográfica florescem simultaneamente. Todavia, acontecem várias floradas, desde algumas poucas nas regiões cafeeiras das latitudes médias, com época seca e fria bem definida, até várias ao longo do ano, nas regiões equatoriais chuvosas.
Na região cafeeira do sudeste do Brasil, podem ocorrer de três a quatro floradas, ou mais, de intensidade e temporalidade variáveis. Esse hábito reprodutivo conduz a uma série de dificuldades práticas, algumas relacionadas com colheitas parciais prolongadas, outras com os controles efetivos de doenças e pragas dos frutos, podendo causar redução de produtividade e qualidade dos grãos.
De acordo com o pesquisador Gopal, “A floração do cafeeiro – Figura 3 (indução, evocação, diferenciação e antese) é um processo muito complexo e parece ser uma resposta de efeitos cumulativos de fatores fisioecológicos e sobre a qual muitos aspectos estão ainda por ser revelados”.
O fenômeno da floração é ainda um dos maiores mistérios da tecnologia cafeeira. Seu conhecimento é fundamental para o agronegócio café. Não há no momento qualquer estudo verdadeiramente científico sendo realizado sobre a floração do cafeeiro no Brasil, e talvez no mundo.

Figura 3 – Exemplos de florada do cafeeiro
Fases da floração
De modo geral, são reconhecidas quatro fases distintas na floração do café:
1) Iniciação floral: é precedido das reações fisiológicas da indução do estado florífero, que resultam na produção do “estímulo floral” e da “evocação” do meristema, resultando na formação da inflorescência. Estas gemas florais só são visíveis quando no estádio E2 (Figura 4), ou seja, numa fase mais adiantada do desenvolvimento floral.
2) Diferenciação floral e dormência do botão floral: os primórdios florais recém-diferenciados crescem de modo contínuo por um período de cerca de dois meses, até atingirem o tamanho máximo de 4,0 a 6,0 mm no Estádio 4 (Figura 4), com uma pausa de semanas ou meses (dormência), dependendo das condições externas, principalmente chuvas ou irrigação.
Este botão E4 é o único sensível aos fatores ambientais, especialmente hidratação ou frio, que conduzem à recuperação do crescimento e, eventualmente, à abertura da flor. Em condições de campo, a pausa de crescimento dos botões no estádio 4 coincide com a estação seca e com a redução do crescimento vegetativo.
Porém, ainda são contraditórios trabalhos que comprovem a importância de um déficit de água na cessação do crescimento dos botões florais. Em cafeeiros com irrigação constante, verifica-se que os botões florais se mantêm em dormência permanente, sendo necessário um período de seca para que haja a florada, quando os cafeeiros são novamente irrigados.
Contudo, déficits de água podem se desenvolver mesmo em cafeeiros irrigados continuamente, estando o tempo ensolarado, como acontece em algumas regiões do Brasil, com solos arenosos e clima quente, como a região oeste do estado da Bahia. A adoção ou não de um período de déficit hídrico para uniformizar a florada do cafeeiro talvez seja um dos maiores gargalos da cafeicultura irrigada do Brasil.
3) Abertura da flor, ou florada: em condições normais, os botões florais que entraram em dormência durante um período de seca, tão logo ocorra uma chuva de valor mínimo (chuva de florada), reiniciam imediatamente o seu crescimento, levando à abertura das flores.
As floradas, na maioria das regiões cafeeiras, coincidem com o início do rápido crescimento vegetativo (agosto/setembro) e têm continuação durante a estação de crescimento máximo (novembro/dezembro).
Chuvas e queda acentuada de temperatura estão geralmente associadas ao desencadeamento da abertura floral, porém, são necessários mais trabalhos de pesquisa que possam elucidar os efeitos de cada um destes fatores.

Figura 4 – Estádios da floração do cafeeiro (Fonte: Prof. Alemar Braga Rena, UFV).
Liberação dos botões florais
Um período de déficit hídrico é aparentemente essencial para liberar os botões florais da dormência, mas nem a presença da folha do nó nem um gradiente de potencial hídrico da folha para o botão afetam o fenômeno de forma clara.
De acordo com Crisosto et al. (1992):
• O botão no estádio 4 entra em dormência verdadeira;
• Não tem xilema desenvolvido.
• Após o déficit hídrico, seguido da adição de água (hidratação), em três dias o xilema diferencia-se.
• Ocorrem variações hormonais no interior do botão floral.
• O crescimento é retomado e a flor se abre de 8,0 – 14 dias, dependendo da temperatura e do grau de hidratação.
• Somente gemas “maduras para a floração” (estádio 4) são sensíveis ao déficit hídrico.
• Somente botões no estádio 4 desenvolvem o xilema.
Mas, e na prática?
Na prática, no período pós-colheita, na maior parte das regiões cafeeiras, o café passa por um período de repouso vegetativo (Figura 5), quando as irrigações podem ser diminuídas, para que a maior quantidade possível de gemas atinja o estádio 4.
Com estímulo ambiental, como uma chuva, por exemplo, ou com aplicação de uma lâmina maior de irrigação, estimula-se a florada, que pode ser feita de forma escalonada, num sistema de irrigação por gotejamento ou pivô, por exemplo.
Com as flores abertas, recomenda-se continuar a irrigar para o vingamento das flores. É preciso muito cuidado no retorno da irrigação, já que a hidratação insuficiente do cafeeiro é muito prejudicial ao desenvolvimento.
Talvez seja este um dos motivos da resistência dos cafeicultores em adotar um período de estresse hídrico para o cafeeiro.

Figura 5 – Períodos críticos de demanda por água do cafeeiro
Em campo
Alguns experimentos realizados pela Embrapa Cerrados foram muito importantes para viabilizar a utilização da sincronização da florada com déficit hídrico. No início, foi proposto déficit fixo, de 70 dias, para todas as regiões, tanto frias como médias e quentes.
Porém, esta prática já não é mais utilizada, pelo fato de as características climáticas de cada uma das regiões cafeeiras brasileiras serem muito diferentes. Hoje, a paralisação da irrigação é feita em meados de junho, mas o retorno das irrigações depende da região, da situação da lavoura e das condições climáticas.
Estes experimentos mudaram bastante o conceito inicial de que o déficit hídrico controlado poderia comprometer a produtividade ao visar a qualidade. Se realizada adequadamente, é possível, com a paralisação da irrigação, no período adequado e no momento oportuno, conseguir altas produtividades com qualidade.
Dicas infalíveis
Especificamente na irrigação por gotejamento, ao invés de interromper totalmente a irrigação, tem sido utilizado com sucesso a irrigação com déficit, que tem por princípio reduzir a lâmina de água aplicada ao cafeeiro durante um período (entre junho e agosto), com monitoramento da umidade do solo até 60 cm.
Este procedimento tem permitido um ganho de qualidade, sem comprometer a produtividade do cafeeiro. Geralmente, o controle da umidade do solo neste manejo é feito com tensiômetros.
Nesta tecnologia, mantém-se o cafeeiro irrigado com ½ ou 1/3 da lâmina diária (dependendo da região), por um período a partir da colheita, sendo o controle da umidade do solo feito com as leituras dos tensiômetros.
Na pesquisa, o controle pode ser ainda mais preciso, com a medição do potencial da água na folha do cafeeiro, que é um indicativo do estresse da planta quando submetida ao déficit hídrico.
Comprovação dos resultados
A equipe do professor Cláudio Pagotto, da Universidade Federal de Viçosa, campus Rio Paranaíba (MG), realizou uma pesquisa com o objetivo de avaliar os efeitos de diferentes níveis e/ou épocas de aplicação de déficit hídrico na uniformização de maturação dos frutos em dois genótipos de café arábica, Catuaí Vermelho e Bourbon Amarelo, sob as condições edafoclimáticas do Alto Paranaíba.
Foram avaliados vários tratamentos, relacionados a períodos de déficit hídrico, desde 49 até 90 dias, comparando-se com a irrigação contínua. Não houve diferença estatística na produtividade para Catuaí e Bourbon entre os tratamentos 1 (irrigação contínua) e 2 (déficit de 09/06 a 07/09 – 90 dias sem irrigação). Porém, houve maturação mais uniforme no tratamento submetido ao déficit (Figuras 6 e 7). É importante notar que, durante todo o experimento, foi medido o potencial de água na folha, o qual não atingiu, no período do déficit no tratamento 2, níveis acima de (–) 1Mpa, indicando que a planta não ficou estressada, mesmo estando com o sistema de irrigação desligado.
