Daniel Cassetari Neto
Engenheiro agrônomo, doutor em Fitopatologia e professor da UFMT/FAMEV
Luciana de Sousa Cassetari
Doutora em Fitotecnia – UFLA/DAG
Doenças já conhecidas há bastante tempo e aquelas consideradas emergentes têm acompanhado a expansão da cultura da soja, tornando o aspecto fitossanitário o fator mais limitante na obtenção de altos Ãndices de produtividade.
Patógenos de introdução recente no Brasil (considerados recentes os últimos 15 anos), a exemplo do nematoide do cisto (Heterodera glycines, em 1992) e do fungo causador da ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi, na safra 2001/02), além do aumento da distribuição e da agressividade de microrganismos até então localizados e secundários à cultura nas condições do cerrado (o nematoide das lesões radiculares, Pratylenchus brachyurus e os fungos Corynespora cassiicola, causador da mancha alvo, Colletotrichum truncatum, causador da antracnose, Sclerotinia sclerotiorum, causador da podridão branca da haste, Phytophthora sojae, causador de podridão radicular e Rhizoctonia solani, causador de tombamento, podridão radicular e mela), refletem as condições de desequilíbrio nos sistemas de cultivo da soja encontradas principalmente nas extensas áreas do cerrado do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil.
Em condições favoráveis, as perdas ocasionadas por estas doenças podem ser elevadas, superando 50% da produtividade esperada. Perdas de 10 a 20% em produtividade são comuns, considerando-se que essas doenças ocorrem em conjunto nas lavouras de soja.
Este fato tem direcionado as pesquisas em fitopatologia para a obtenção de variedades geneticamente resistentes (considerando-se os diferentes níveis de manifestação genética da resistência), para o manejo do ambiente de cultivo (manutenção de níveis adequados de adubação, população de plantas menos adensada, escolha de variedades mais precoces e cultivadas no início do período de safra, plantio de variedades adaptadas às condições de cada região) e para a redução no potencial infectivo e de severidade dos organismos fitopatogênicos (controle químico e biológico).
Soma de fatores
Para vários autores, os fatores monocultivo da soja, predominância do sistema de plantio direto, população elevada de plantas, desequilíbrio nutricional, variações bruscas nas condições climáticas, baixa resistência das variedades ao complexo de doenças que incidem sobre a cultura e uso inadequado de fungicidas, são, combinados, a causa do aumento da intensidade das doenças já conhecidas e do surgimento de outras, novas.
Genética a favor da soja
O melhoramento genético de plantas tem como objetivo principal a obtenção de cultivares com características desejáveis. Em soja, o melhoramento envolve, resumidamente, três etapas básicas: escolha dos progenitores e realização de cruzamentos; avanços de gerações e seleções e avaliação das linhagens mais promissoras, visando à solução das limitações dos fatores bióticos e abióticos que interferem na produção de soja.
Neste caso, busca-se o desenvolvimento de novos genótipos com maiores produtividades, com resistência às principais doenças, que sejam estáveis e melhor adaptados às condições edafoclimáticas e ao sistema de cultivo utilizado.
Em tese, o uso de genótipos resistentes, especialmente nos casos de resistência duradoura e estável, é uma tecnologia de baixo custo (contabilizado na aquisição do lote de sementes), proporciona aumento geral da produtividade, é compatível com outras técnicas de controle (permite a plena adoção do Manejo Integrado de Doenças ” MID) e pode reduzir sensivelmente o uso de defensivos agrícolas.
Resistência x tolerância
Dependendo do processo patogênico considerado (cancro da haste, mancha olho-de-rã), a resistência torna-se a principal medida de controle disponível, enquanto em outros processos (ferrugem asiática, mancha alvo) ela deve ser utilizada em conjunto com medidas químicas, biológicas ou culturais.
Vale a pena mencionar, neste momento, a diferença conceitual entre resistência e tolerância de uma planta a determinado patógeno. O termo resistência, seja ela vertical ou horizontal, refere-se à característica genética da planta em tornar o processo patogênico incompatível e, consequentemente, reduzir o inóculo do agente patogênico.
O segundo termo, tolerância, vem sendo trabalhado e empregado com frequência por pesquisadores da área de melhoramento, indicando o mecanismo resultante de características quantitativas específicas e herdáveis da planta. Embora a tolerância possibilite a ocorrência de processo infeccioso com manifestação de sintomas e multiplicação do patógeno, a planta tolerante “suporta“ a doença sem perdas acentuadas em produtividade ou qualidade.
Portanto, a tolerância peca contra a epidemiologia por permitir a manutenção e disseminação de inóculo elevado, dificultando a adoção de medidas de MID. Plantas consideradas tolerantes à ferrugem asiática permitirão a multiplicação e disseminação de Phakopsora pachyrhizi para áreas vizinhas, enquanto plantas tolerantes a nematoides irão proporcionar a manutenção e incremento do inóculo no solo. Em ambos os casos, o MID será comprometido.