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A persistência das velhas práticas em um novo cenário

Antônio Carlos de Oliveira/Reprodução

Coluna Pensando Estrategicamente por Antônio Carlos de Oliveira. Texto publicado originalmente no Diário de Uberlândia.

A fábula do Escorpião e o Sapo narra a história de um escorpião que pede ajuda a um sapo para atravessar um rio. O sapo, inicialmente relutante, aceita com a garantia de que o escorpião não o picará, pois isso resultaria na morte de ambos. No entanto, no meio do caminho, o escorpião pica o sapo, justificando sua ação com a afirmação de que essa é sua natureza. Esta fábula reflete de maneira impressionante a dinâmica política recente no Brasil.

Traição e fisiologismo sempre foram parte integrante do jogo político. O cenário atual, com a ebulição nas presidências da Câmara, Senado Federal, o poder Executivo e Judiciário e as movimentações para as eleições de 2024 e 2026, reafirma que a anunciada nova política não conseguiu mudar a velha prática de alianças e traições. Apesar das promessas de uma política mais ética e transparente, a traição permanece uma constante, assim como o escorpião que não consegue escapar de sua natureza.

A frustração popular diante das promessas não cumpridas e das traições políticas é palpável. Belchior, em suas canções, capturou essa sensação de desilusão e o anseio por mudança. Em “Divina Comédia Urbana”, ele fala sobre a expectativa e a decepção com alguém que deveria ser um salvador, mas que falha em corresponder. Da mesma forma, os eleitores se sentem traídos por aqueles em quem depositaram suas esperanças.

A Constituição de 1988, ao obrigar uma relação simbiótica entre Executivo e Legislativo, perpetua um sistema onde o fisiologismo é quase inevitável. A política de troca de favores e negociações por apoio transforma o ideal democrático em um teatro de interesses pessoais. O eleitor, muitas vezes, compactua com esse sistema ao buscar soluções imediatas para seus problemas pessoais, reforçando a prática fisiológica que tanto critica nos políticos.

Belchior, em “Velha Roupa Colorida”, clamava por uma mudança: “o passado nunca mais”. Esse grito ecoou nas eleições de 2018, onde o povo ansiava por uma nova política, livre de fisiologismo e traições. No entanto, como na fábula, a natureza traiçoeira persiste, e a nova política revelou-se uma continuação das velhas práticas.

Em “Como Nossos Pais”, Belchior lamenta: “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo diferente, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. A resistência popular à velha política mostrou-se insuficiente para romper com os padrões estabelecidos. O verdadeiro desafio está em mudar não só os representantes, mas também a forma como escolhemos e participamos do processo político.

A canção “Coração Selvagem” sugere que precisamos seguir os desejos da alma para evoluir. Talvez a mudança verdadeira venha quando votarmos com a alma, deixando de lado o pragmatismo que alimenta o fisiologismo e a traição. Assim como o escorpião, nossos políticos são produtos de um sistema que precisa ser reformulado. A transformação requer uma nova mentalidade tanto dos eleitores quanto dos eleitos, onde os sonhos e a vontade de mudar superem a natureza traiçoeira que atualmente impera.

Ao conquistar o voto dos eleitores, esses políticos prometeram transparência, ética e comprometimento com as necessidades do povo. Mas, uma vez eleitos, muitos mostraram sua verdadeira face. As alianças espúrias, o uso do poder para ganho pessoal e a falta de compromisso com as promessas de campanha são traições que corroem a confiança do eleitorado.

Um exemplo notório foi a recente eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Candidatos que se apresentaram como renovadores acabaram por se aliar a figuras da velha política, traindo seus eleitores ao perpetuar o mesmo sistema de barganhas e benefícios pessoais. A promessa de renovação foi abandonada em favor de acordos que garantiam poder e recursos para seus próprios projetos.

Os eleitores, ao verem suas esperanças traídas, enfrentam uma frustração profunda. A expectativa de mudança, a crença em um novo começo, é desfeita pela constatação de que os políticos continuam a agir em benefício próprio. Esse ciclo de traição não só desilude, mas também desincentiva a participação ativa da população na política, perpetuando um sistema viciado.

A solução para essa traição não é simples, mas começa com a conscientização e a responsabilização. É imperativo que os eleitores mantenham a vigilância sobre os políticos eleitos, exigindo transparência e prestação de contas. Além disso, é necessário um compromisso pessoal com a mudança, onde o voto não seja negociado por benefícios imediatos, mas sim orientado pelo desejo de um futuro melhor e mais justo.

A natureza traiçoeira dos políticos pode ser comparada ao escorpião da fábula, mas cabe aos eleitores o papel de mudar essa narrativa. Ao exigir integridade e rejeitar práticas corruptas, é possível transformar a política brasileira, rompendo o ciclo de traição e construindo um cenário onde os eleitores não sejam mais vítimas da natureza traiçoeira de seus representantes.

Traição na política não é uma roupa que nos sirva mais. A mudança, tão cantada por Belchior, deve começar em cada um de nós, exigindo integridade e coerência tanto dos políticos quanto de nós mesmos como cidadãos. A natureza pode ser difícil de mudar, mas não impossível. E é nessa esperança que devemos nos apoiar para construir um futuro melhor.

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