Um dos ambientes marinhos mais produtivos e generosos da Terra, os manguezais são capazes de oferecer serviços ecossistêmicos valiosos e gerar ao Brasil benefícios socioeconômicos estimados em US$ 5 bilhões, relacionados especialmente à pesca e ao turismo, conforme demonstra a publicação Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais, organizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Apesar de estarem presentes em 338 municípios brasileiros, onde vivem 44 milhões de pessoas, o que representa 20% da população, e terem sua importância cada vez mais reconhecida pelos cientistas, esses ecossistemas ainda não são tão conhecidos e valorizados pela população.
Outra pesquisa realizada pela Fundação Grupo Boticário, em parceria com a Unesco e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que 58% dos brasileiros nunca visitaram um manguezal, frente a 90% das pessoas que já estiveram na praia ao menos uma vez.
“Em algumas localidades, os manguezais contribuem com até 50% da pesca artesanal, alimentando o ciclo de vida de espécies marinhas de grande valor comercial, como robalos, tainhas, siris, ostras e caranguejos. Por suas paisagens únicas, o turismo é outra atividade que se beneficia desses ecossistemas”, explica Emerson Oliveira, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
A pesquisa “Oceano sem mistérios – A relação do Brasileiro com o mar” mostra que o número de brasileiros que já visitaram manguezais é um pouco maior no Nordeste, onde chega a 61%, e também revela que 83% da população conhecem os manguezais, ao menos de ouvir falar. O estudo aponta que ambientes marinhos como costões rochosos, dunas, falésias, restingas, recifes de corais e manguezais são bem menos conhecidos e visitados pela população em comparação às praias.
O professor Ronaldo Christofoletti, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), lembra que, assim como todos os ambientes florestais, os manguezais são alvo de desmatamento. “Por estarem em zonas costeiras, esses ambientes sofrem muitas pressões econômicas. A expansão imobiliária é uma das principais ameaças atuais”, afirma.
O pesquisador explica que os manguezais também sofrem com resíduos e poluentes que vem dos rios e das praias. “Tudo o que vem pelos rios vai parando no manguezal. Ele funciona como um filtro, que acumula esses resíduos, poluentes químicos e todo o tipo de lixo descartado de forma incorreta. Por causa de suas raízes aéreas, os manguezais concentram muitos sedimentos e resíduos, fato que, inclusive, é usado pelos mal intencionados para justificar sua remoção”, salienta Christofoletti. Outras atividades de impacto negativo são mineração, sobrepesca, agricultura e a carcinicultura, a criação de camarão em cativeiro.
Estudos indicam que 25% de toda a extensão de áreas de manguezais já tenham sido perdidas no Brasil – sendo 36 mil hectares convertidos em tanques para criar camarões somente entre 2013 e 2016, conforme alertam os dados apresentados na publicação “Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais”, organizada pela Fundação Grupo Boticário.
O Brasil possui uma extensão de 6.786 quilômetros de manguezais ao longo de 16 estados costeiros – do Amapá até Santa Catarina. “Esses ambientes contribuem significativamente para a manutenção da vida marinha, sendo o espaço apropriado para a reprodução e desenvolvimento de inúmeras espécies. Também são importantes para a proteção costeira, oferecendo segurança diante do aumento do nível do mar provocado pelas mudanças climáticas. O manguezal é capaz de prevenir a erosão da costa, preservando a infraestrutura urbana, e proteger as regiões costeiras contra a força das marés e dos ventos fortes vindos do mar, além do elevado potencial para a retenção de carbono em suas raízes”, explica o gerente da Fundação Grupo Boticário.
Estudos demonstram que 100 metros de manguezal reduzem a força das ondas em cerca de 60%. No tsunami que devastou Sumatra, na Indonésia, em 2004, nas comunidades onde havia manguezal a fúria das ondas foi reduzida e houve um impacto muito menor em comparação aos locais que substituíram os manguezais por resorts. Sem manguezais, há redução da qualidade da água, perda do carbono acumulado e redução dos estoques pesqueiros. Essas áreas sequestram 57% mais carbono do que outros tipos de vegetação tropical, inclusive a floresta amazônica. “Em tempos de mudanças climáticas, esse é mais um fator que nos obriga a proteger os nossos manguezais”, frisa o professor da USP. Christofoletti enfatiza que o esforço para a conservação não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, social, cultural e ética. “Difundir o conhecimento a respeito do valor dos manguezais e dos estuários, mostrando a importância dessas zonas de transição entre a terra e o mar, especialmente para a vida das comunidades tradicionais, é também um dos desafios da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU)”, comenta o professor, que é membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da UNESCO. “Precisamos chamar a atenção de toda a sociedade para a importância de proteger efetivamente esses berçários marinhos para que tenhamos um desenvolvimento sustentável dos ambientes costeiros e, consequentemente, possamos preservar a saúde do oceano e a vida em nosso planeta”, conclui.