Edson Hirose
Mestre em Entomologia e pesquisador – Embrapa Soja
edson.hirose@embrapa.br
Apesar do termo comum ser “mosca-branca”, a praga conhecida pelo nome científico Bemisia tabaci não pertence à ordem Diptera. Na realidade, essa praga está classificada na ordem Hemiptera, compartilhando uma proximidade maior com as cigarrinhas e os percevejos.
Os principais danos causados por essa praga na cultura da soja resultam da sucção do floema, especialmente por suas ninfas, e da formação de fumagina sobre as folhas. Esta última se desenvolve a partir dos açúcares excretados durante a alimentação da mosca-branca.
A fumagina, por sua vez, compromete a capacidade fotossintética da soja, afetando o desenvolvimento da planta e o enchimento dos grãos.
Temperaturas mais elevadas tendem a acelerar o crescimento populacional dessa praga, e quando associadas a períodos de estresse hídrico, podem resultar em prejuízos significativos para a cultura.
Portanto, é essencial compreender a biologia e o ciclo de vida da mosca-branca, bem como implementar estratégias de controle eficazes, especialmente em condições climáticas propícias ao seu desenvolvimento.
O fenômeno El Niño
Caracterizado pelo aumento atípico da temperatura no Oceano Pacífico, o fenômeno El Niño desencadea alterações climáticas globais. No Brasil, ele se traduz em um aumento das chuvas na região Sul, enquanto nas regiões norte e centro-oeste ocorre uma redução no volume e irregularidade na distribuição das precipitações, além do aumento da frequência de eventos extremos.
Dado que as regiões norte e centro-oeste são normalmente as mais afetadas pela mosca-branca, devido às temperaturas médias mais elevadas que propiciam o desenvolvimento da praga, a irregularidade nas chuvas adiciona uma camada extra à intensificação do problema.
Na safra 2023/24, observamos um período de semeadura mais prolongado, proporcionando a formação de extensas pontes verdes. Isto permite que a praga se desloque entre lavouras em diferentes estágios de desenvolvimento, o que, por sua vez, propicia uma explosão populacional, especialmente nas lavouras semeadas tardiamente.
Esse cenário destaca a importância de compreender as interações complexas entre fatores climáticos e a agricultura para implementar estratégias de manejo eficazes e mitigar os impactos negativos da mosca-branca durante eventos como o El Niño.
Regiões afetadas
As regiões mais impactadas no Brasil são aquelas que já enfrentam tradicionalmente o desafio da mosca-branca, notadamente o norte e o centro-oeste. É plausível que áreas que geralmente não são afetadas pela praga, devido às condições climáticas promovidas pelo fenômeno El Niño, possam agora ser mais afetadas, de modo geral.
Mas, é preciso lembrar que, mesmo entre lavouras próximas, a intensidade do problema com a mosca-branca pode variar, influenciada por uma série de condições predisponentes.
Lavouras semeadas no período ideal, que receberam chuvas adequadas para o desenvolvimento, apresentam menor suscetibilidade aos problemas com a praga. Em contrapartida, lavouras semeadas tardiamente e que enfrentaram desafios no início de seu desenvolvimento demandam cuidados adicionais.
Nesse contexto, é crucial que os produtores realizem o monitoramento das lavouras, observando a presença de ninfas nas folhas. A infestação da mosca-branca geralmente se inicia nas bordas da plantação, com a população tendendo a diminuir no interior do talhão.
Portanto, é fundamental verificar se o problema está localizado apenas nas bordas, permitindo um controle mais direcionado, ou se uma abordagem mais extensiva é necessária.
Além disso, a escolha de produtos apropriados para o controle da mosca-branca é essencial. Inseticidas pertencentes aos grupos dos neonicotinoides, juvenoides e diamidas são os mais recomendados, mas é imprescindível que o produtor consulte seu engenheiro agrônomo para determinar a melhor estratégia para as suas condições específicas, e a adoção de medidas de rotação de moléculas é crucial para evitar o desenvolvimento de resistência da praga aos produtos utilizados.
Inovações
A orientação é a adoção contínua de boas práticas agrícolas, para promover o rápido e vigoroso desenvolvimento da lavoura, proporcionando, assim, uma resiliência da cultura às condições climáticas adversas.
Em relação às pragas, é importante seguir os princípios do Manejo Integrado de Pragas, realizando monitoramento constante da presença da praga e sua distribuição no talhão. Além disso, ao utilizar inseticidas, é essencial garantir a aplicação na dose e no momento adequados, evitando prejudicar a ação dos inimigos naturais.
Quando se trata da mosca-branca, a extensão e a localização no talhão desempenham papel crucial nas estratégias de controle. Em determinadas situações, pode ser viável optar por aplicações localizadas, fazendo uso de veículos aéreos não tripulados, os drones.
Essa tecnologia já está disponível e permite aplicações direcionadas. No entanto, é fundamental realizar uma avaliação cuidadosa do custo-benefício, levando em consideração a extensão total da área de pulverização.
Dessa forma, a integração de práticas sustentáveis aliada a tecnologias inovadoras pode ser uma abordagem eficaz para otimizar o manejo de pragas na agricultura.
Impactos
A redução no desenvolvimento da soja, devido ao ataque da praga sobre a soja, acontece pela sucção do floema e a diminuição da área fotossintética é reflexo da formação de fumagina. Esses impactos potenciais têm o poder de comprometer o rendimento produtivo da lavoura.
Devido as características da praga, os inseticidas mais eficazes são aqueles com propriedades sistêmicas e/ou ação translaminar nas folhas. No entanto, é essencial considerar as condições climáticas desfavoráveis, que podem reduzir a eficácia do inseticida e comprometer o alcance do alvo desejado.
Diante desse cenário, é crucial adotar medidas que melhorem a eficácia do controle que levem em conta não apenas a eficiência do produto, mas também que favoreçam a pulverização considerando as condições ambientais específicas, garantindo um manejo sustentável da mosca-branca na cultura da soja.
Estratégias preventivas
Entre as estratégias preventivas está a eliminação de hospedeiros alternativos durante o período pré-semeadura da soja. Apesar de a Bemisia tabaci ser uma praga polífaga, ou seja, com diversos hospedeiros, é importante ressaltar que essa espécie é incapaz de se reproduzir em Poaceas (gramíneas).
Assim, a cobertura com gramíneas durante o período de entressafra é como uma medida eficaz para reduzir a presença da praga no início do desenvolvimento da soja.
Outra alternativa consiste no tratamento das sementes com inseticidas específicos, proporcionando proteção à planta durante a fase plântula. Essa abordagem visa postergar uma possível explosão populacional da praga na lavoura.
A combinação dessas práticas preventivas contribui para um manejo mais eficiente e sustentável da mosca-branca, minimizando os riscos de danos significativos à cultura da soja.
O que há de novo
No âmbito do controle biológico aplicado, que envolve a aplicação/distribuição de agentes biológicos na lavoura, já estão disponíveis no mercado diversos produtos para o controle da mosca-branca, e há outros em fase de desenvolvimento.
Esses produtos têm como base, principalmente, fungos entomopatogênicos dos gêneros Beauveria ou Isaria. Mas, é importante que os produtores estejam cientes de que esses fungos atuam de forma similar aos inseticidas de contato, que dependem de uma pulverização altamente eficiente para garantir que os esporos entrem em contato com as ninfas e causem a sua mortalidade.
Outro ponto de consideração é a necessidade de umidade para a germinação dos esporos. Portanto, condições de baixa umidade são desfavoráveis para o desenvolvimento do fungo e, consequentemente, para o controle efetivo da praga.
Além disso, também e preciso destacar que os fungicidas comumente utilizados para o controle de doenças na soja são incompatíveis com esses agentes de controle biológico, exigindo um planejamento cuidadoso de sua aplicação, para evitar a sobreposição de pulverizações.
Controle biológico
Um aspecto frequentemente subestimado pelos produtores é o controle biológico natural, que envolve as doenças, predadores e parasitoides que ocorrem naturalmente nas lavouras.
Esses agentes desempenham um papel significativo na supressão das pragas agrícolas. Recomenda-se, portanto, o uso de inseticidas seletivos, na dose e nos momentos adequados, para permitir que esses agentes de controle exerçam sua função de reduzir a população da praga nas lavouras.
Isso destaca a importância de uma abordagem integrada do manejo de pragas, promovendo práticas mais sustentáveis na agricultura.
Condições climáticas
As alterações climáticas provocadas pelo fenômeno El Niño, especialmente nas regiões norte e centro-oeste do país, propiciam condições favoráveis para uma intensificação na pressão de pragas.
Fatores como temperaturas elevadas, escassez de chuvas e a presença ampliada de lavouras em diversos estágios de desenvolvimento contribuem para esse cenário. O aumento da frequência de eventos climáticos adversos em um futuro próximo reforça a necessidade de os produtores adotarem medidas que aumentem a resiliência de suas lavouras.
Nesse contexto, é crucial que os agricultores implementem estratégias como o manejo integrado de pragas. Essa abordagem não apenas visa reduzir os custos econômicos associados ao controle de pragas, mas também busca aprimorar a sustentabilidade ambiental das práticas agrícolas.
Ao adotar medidas sustentáveis, os produtores podem mitigar os impactos negativos das mudanças climáticas na agricultura, promovendo sistemas agrícolas mais resilientes e adaptáveis.
Monitoramento é fundamental
Por ser um inseto minúsculo, o adulto da mosca-branca possui aproximadamente 2,0 mm de comprimento, e os ovos e o instar inicial só podem ser observados com o auxílio de uma lupa. O monitoramento das lavouras e difícil, mas necessário.
O esforço de amostragem deve ser concentrado nas bordaduras, por onde a praga geralmente ingressa. A presença de fumagina já indica um atraso na detecção da praga, destacando a importância de um manejo antes da manifestação desse sintoma.
Para uma resposta rápida e eficaz no controle da mosca-branca, é crucial o uso de inseticidas apropriados, aplicados sob condições ideais para evitar perdas do produto antes que atinja o alvo desejado.
O manejo eficiente demanda não apenas a escolha adequada dos inseticidas, mas também a consideração cuidadosa das condições climáticas e do estágio de desenvolvimento da praga.
Esse monitoramento proativo, aliado a práticas de controle assertivas, contribui para a preservação da saúde das lavouras e para a mitigação dos impactos potenciais desta importante praga.