Por Rafael Gonzaga, Especialista Agronômico da Netafim Brasil
O Brasil possui 1,811 milhões de hectares de café arábica, com produção estimada para safra agrícola 2022/2023 de 37,9 milhões de sacas de 60 kg de C. arabica (Conab, 2023). Sendo assim, segundo a Embrapa, 39,3% do total de Coffea arábica colhido em nível mundial é produzido por lavouras brasileiras, fazendo do país o maior produtor deste produto.
A florada é a fase fenológica mais vulnerável ao stress climático, podendo ocorrer perdas expressivas em produtividade a depender das condições climáticas. Essas perdas são causadas principalmente por déficit hídrico acentuado e/ou precipitação insuficiente no período da florada do cafeeiro.
Segundo o pesquisador Matiello, onde cita no Manual de Recomendações, focado na cultura do café, o crescimento e a abertura dos botões do cafeeiro (floração) estão relacionados com a umidade ocasionada pelas chuvas ou irrigação. Após a diferenciação, os botões permanecem dormentes até que haja um período seco, seguido de chuva, para então continuarem rapidamente o crescimento, até a sua abertura em flores normais, o que ocorre em cerca de 10 dias.
Ainda com base no manual de recomendações para o café, uma situação anormal pode acontecer quando uma chuva de baixa intensidade (5 a 15 mm) ocorrer após um período onde o solo e clima se apresentam muito secos. Nessa condição, com pouca água, ocorrem os botões chamados de “grão de arroz” (figuras 1 e 2). Eles são estimulados a crescer pelo diferencial hídrico ocorrido, porém a pouca água não é suficiente para o seu desenvolvimento completo e abertura. Então esses botões ficam amarelecidos e caem, sem abrir em flores
Esse fenômeno de abortamento do botão floral, a depender da intensidade, causa elevado dano ao potencial produtivo da lavoura cafeeira, o que pode comprometer por completo a safra esperada.

Fonte: Matiello, et, all. Cultura de Café no Brasil – Manual de recomendações, ed. 2020, p. 45.

Fonte: Matiello, et, all. Cultura de Café no Brasil – Manual de recomendações, ed. 2020, p. 46.
Com o uso da irrigação, existem algumas estratégias a serem adotadas para evitar os danos decorrentes da condição fisiológica descrita acima. Elas podem ser adotadas desde que o projeto seja corretamente dimensionado e apresente boa uniformidade de aplicação. Além disso, é fundamental que o manejo da irrigação seja orientado por um profissional agronômico experiente em irrigação, que conheça o solo e demais aspectos técnicos da lavoura.
Veremos duas estratégias a seguir:
Estratégia 1 – No período da seca, conduzindo com uma lâmina reduzida (50% da evapotranspiração – perdas de água por evaporação do solo para atmosfera e pela transpiração da planta), caso ocorra uma baixa precipitação, é possível completar a lâmina (umidade do solo) ideal para abrir a florada do cafeeiro de forma segura. Para tal, é necessário ter uma vazão suficiente ou um reservatório corretamente dimensionado. Dessa forma, abrirá uma florada exuberante, não ocorrendo a formação dos botões “grãos de arroz”. A florada utilizando esse manejo pode ser observada na figura 3.

Estratégia 2 – Com o uso de sensores como tensiômetros e/ou sonda volumétrica (Netacap) e dados climáticos, é possível manter a umidade do solo em capacidade de campo durante o período de reduzida precipitação (que historicamente ocorre de maio a agosto nas principais regiões de C. arábica), para assim assegurar que a lavoura permaneça hidratada, ou seja, sem stress hídrico. Dessa forma, mesmo com precipitação reduzida, a mudança de temperatura e umidade relativa do ar ocasionadas pela chuva serão suficientes para abrir a florada. Esse manejo é mais econômico em água, sendo muito indicado para propriedades com pouca disponibilidade desse recurso. A florada utilizando essa estratégia pode ser observada na figura 4.

Foram citadas duas estratégias, porém outras podem ser adotadas, desde que orientadas por um profissional experiente.
Com relação à deficiência hídrica, as regiões brasileiras são classificadas segundo a tabela 1:
Aptidão | Deficiência hídrica (mm) |
Áreas aptas | Menor que 100 |
Áreas marginais – necessitando de irrigação eventual | 100 – 200 |
Áreas inaptas – necessitando frequentemente de irrigação | Maior que 200 |
Apesar da imensa maioria das lavouras estarem localizadas em regiões classificadas como aptas, é observado que, mesmo nesses locais, há incremento expressivo em produtividade com o uso da irrigação.
Em trabalho de pesquisa realizado pelo Fundação Procafé em Varginha – MG (região apta), foi constatado aumento médio de 17,7 sacas (Tabela 2).
Anos | Períodos críticos | Níveis finais de déficits (mm) | Produtividade (scs/ha) | Acréscimos (%) | |
Sem Irrigação | Irrigado | ||||
2000 | 10/maio – 10/nov | 217 | – | ||
2001 | 30/maio – 30/set | 226 | 10 | 31 | 201 |
2002 | 30/maio – 10/nov | 252 | 68 | 88 | 29 |
2003 | 30/jun – 5/out | 180 | 19 | 54 | 184 |
2004 | 25/ago – 30/set | 95 | 84 | 88 | 5 |
2005 | 30/ago – 15/out | 25 | 42 | 54 | 28 |
2006 | 15/maio – 15/set | 291 | 82 | 82 | – |
2007 | 25/mar – out | 370 | 29 | 61 | 110 |
Média | 47,7 | 65,4 | 37 |
No experimento realizado pela mesma instituição, no município de Franca – SP (região apta), nas safras de 2021 e 2022, foi constatado aumento médio de 34,3 sacas por hectare para cultivar de porte alto (Mundo Novo 379/19) e 38,6 sacas por hectare para porte baixo (Catuaí IAC 62) conforme tabela 3. Ou seja, a irrigação possibilitou a expressão do potencial produtivo de ambas cultivares. É importante destacar que o local de realização desse trabalho é um solo que apresenta uma baixa retenção de água, algo muito comum para essa região.
Tratamentos | Produtividade média (sacas/hectare) | |||||
Mundo Novo 379/19 | Catuaí IAC 62 | |||||
2021 | 2022 | Média | 2021 | 2022 | Média | |
Testemunha, sem irrigação | 7,1 | 0 | 3,6 | 1,4 | 0 | 0,7 |
Lâmina com 100% da reposição da evapotranspiração | 14,3 | 61,4 | 37,9 | 5,7 | 72,9 | 39,3 |
Ressalta-se que a irrigação localizada por gotejamento é a maneira mais eficaz para o cafeicultor irrigar suas lavouras, obtendo economia de água e energia. Por meio desse sistema, ainda é possível fertirrigar, fornecendo água e nutrientes diretamente às raízes de seu cafezal, reduzindo desperdícios e potencializando os ganhos.
Conclui-se que, mesmo em regiões aptas, a irrigação corretamente manejada reduz risco climático decorrente da seca, garantindo o bom pegamento da florada do cafeeiro, resultando em segurança ao produtor.