Não é novidade que o Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. Segundo dados levantados pelo BTG Pactual e divulgados pela CNN Brasil, somos “o maior exportador mundial de soja (56% das exportações totais), milho (31%), café (27%), açúcar (44%), suco de laranja (76%), carne bovina (24%) e carne de frango (33%). Além disso, é vice-líder nas vendas de outras duas commodities: etanol e algodão.
Portanto, exportar é algo que está na rotina do produtor rural brasileiro, e entender um pouco mais sobre os aspectos jurídicos desse tipo de operação pode facilitar os negócios e prevenir perdas. A exportação nada mais é do que uma relação de compra e venda a nível internacional. No caso do Brasil, o vendedor (exportador) vende ao comprador (importador estrangeiro) as commodities em larga escala. É justamente com o intuito de regulamentar essas relações privadas que existem os contratos de exportação, colocando “no papel” as intenções, direitos e obrigações de ambas as partes, assegurando que o negócio seja bem-sucedido.
E como fazer um contrato de exportação seguro, então? Cada caso possui suas particularidades, mas algumas cláusulas devem constar em todos os contratos a fim de se obter o mínimo de segurança. Vejamos:
O primeiro ponto a ser observado é a qualificação das partes. Significa dizer que os dados de identificação do comprador e do vendedor devem estar claros e completos, com endereço válido; telefone para contato; endereço eletrônico, considerando que a maioria das empresas estrangeiras priorizam a comunicação via e-mail e números de registro/inscrição das empresas nos países respectivos. A qualidade desses dados facilitará a citação e ou intimação dos envolvidos na hipótese de alguma divergência ou descumprimento de alguma cláusula em que se necessite de envolvimento judicial ou arbitral.
Em seguida, recomenda-se que o objeto, isto é, aquilo que será comercializado entre as partes esteja muito bem definido. Por exemplo: “sacas de café tipo A, em grãos, qualidade xxx, contendo cada saca 50 kg, livres de qualquer gravame ou reivindicação de terceiros.” Não raras vezes, após a chegada da mercadoria ao ponto de destino, surgem divergências sobre as especificações do que fora negociado, principalmente se o comprador não esteve presencialmente no local de venda inspecionando e escolhendo a mercadoria. Dessa forma, a melhor maneira de evitar desentendimentos é deixar o objeto de venda muito bem especificado.
O preço também precisa estar bem delineado. O ordenamento brasileiro impõe o uso do real nas obrigações exequíveis no território nacional, mas em se tratando de exportação/importação, o art. 13, inciso I, da Lei 14.286/2021 excepciona essa regra, permitindo a estipulação de pagamento em moeda estrangeira para as obrigações previstas em contratos e títulos de comércio exterior. Portanto, é imperioso indicar a moeda que será utilizada na transação de forma específica incluindo o país de sua sujeição.
Além disso, a forma de pagamento também precisa estar bem detalhada, indicando se será por transferência bancária; remessa direta de documentos; cobrança documentária ou carta de crédito. Nessa cláusula também é importante indicar quais documentos serão utilizados para comprovar o embarque da mercadoria. Por exemplo: o pagamento de U$$ 100.000,00 (cem mil dólares), após o envio, pelo exportador, do commercial invoice. Especificar o momento do pagamento e do faturamento e envio da mercadoria garante que a operação ocorra com menos dissabores.
Para as hipóteses de pagamento antecipado, sugere-se que conste expressamente no contrato o prazo específico para o envio da mercadoria, pelo exportador, após confirmação do pagamento, sob pena de cancelamento da operação ou reembolso. Isso porque, estando o importador em desvantagem, visto que pagará o preço da mercadoria antes mesmo do envio, a estipulação de um prazo cujo descumprimento acarrete penalidades demonstra segurança e seriedade na operação.
A mesma atenção deve ser dada ao pagamento por remessa sem saque, ocasião em que o exportador exerce o papel mais vulnerável da negociação, pois envia a mercadoria e os documentos diretamente ao importador que, apenas após o recebimento, realizará o pagamento. Além de uma relação mútua de confiança para esse tipo de operação, prever cláusulas contratuais com prazos claros para pagamento após o envio da mercadoria e penalidades para as hipóteses de descumprimento são indispensáveis para mitigar os riscos e demonstrar segurança.
Já a cobrança documentária e a carta de crédito envolvem a participação de uma instituição bancária como intermediadora do pagamento. A primeira possui riscos relevantes, pois o banco não garante o resultado da cobrança. Já a carta de crédito, por sua vez, é a modalidade que envolve menos riscos nas operações de comércio exterior, já que a instituição financeira opera como garantidora/avalizadora e apenas realiza o pagamento após conferência da documentação de embarque.
Por fim, a eleição do foro é uma das cláusulas mais importantes do contrato. Nela, será decidido em qual país o contrato poderá ser discutido e executado nas hipóteses de desavenças entre as partes envolvidas. Há, também, a possibilidade de se estabelecer cláusulas de arbitragem, em que se estabelece a resolução de eventuais conflitos contratuais por árbitros, sem ter que recorrer ao judiciário dos países envolvidos. Contar com o conselho de um jurista capacitado é indispensável para o estabelecimento dessa cláusula, visto que vários pontos devem ser analisados a fim de conferir maior eficiência, celeridade, menores custos ao exportador.
E, como o mundo é dinâmico, não se pode olvidar que acontecimentos não esperados ocorram e afetem a operação. Desde desastres naturais como a fatalidade das enchentes que observamos no Rio Grande do Sul esse ano a outros acontecimentos imprevisíveis envolvendo a mão humana, como guerras, greves e crises políticas, podem influenciar nas operações programadas e, por vezes, impedir que as commodities que já estavam vendidas ao comprador internacional sejam entregues.
É com o intuito de mitigar tais prejuízos que existem cláusulas como as Hardships e as Force Majeure que, com particularidades distintas, preveem a redução ou ausência de responsabilidade nos casos em que casos fortuitos ou eventos de força maior impedem a concretização da operação pactuada entre as partes.
Obviamente, o presente artigo trouxe, de maneira sucinta, algumas dicas práticas básicas para garantir maior segurança nos contratos internacionais de exportação. Não se pode esquecer que cada caso possui particularidades, a exemplo dos países envolvidos, moeda, entidade bancária etc., exigindo a atenção e cuidados especiais de um especialista na área jurídica para garantir melhores resultados e reduzir riscos.
Biografia:
Andréa Rocha, Advogada em Brasília/DF, com experiência jurídica há mais de 12 anos. Sócia-fundadora e Head de Negócios Internacionais e Recurso Especial do Rocha & Brandão advogados. Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura do Distrito Federal. Mestranda em Direito Americano e Transnacional pela Universidade de Dayton, Ohio. Co-Presidente e Coordenadora de Dir. Internacional do Instituto Brasileiro de Recursos e Processos nos Tribunais Superiores (IRTS).