Â
Márcio Fernandes Peixoto
Entomologista e professor do Instituto Federal Goiano de Rio Verde
A cultura da soja tem passado por intensas transformações na última década, tanto por aporte de tecnologia como por variação no manejo fitossanitário. A prática intensiva do uso do solo por um longo período do ano torna o ambiente mais rico e com maior disponibilidade de alimento no sistema agrícola.
Outro fator é a mudança no modelo de distribuição de chuvas em intervalos, favorecendo o aumento das populações de insetos. Menciona-se, ainda, a antecipação e maior frequência da aplicação de fungicidas, de maneira a estimular a resistência das pragas. Tudo isso impõe ao sistema produtivo alterações intensas na biocenose, de maneira que favoreça um ou outro organismo do sistema. Nesse sistema está a cultura da soja, base do agronegócio brasileiro.
Lagartas ” presença maciça no campo
Uma das alterações mais observada no campo é a incidência de diversas populações de lagartas da família Noctuidae, a exemplo do gênero Helicoverpa e Chrysodeixis.
No início da década de 90 começou a primeira grande transformação do sistema agrícola no estabelecimento do Sistema de Plantio Direto, de maneira a tornar o ambiente mais propÃcio ao estabelecimento de populações de lagartas. Nessa década começou a mudança de populações quando, a partir de 94, em monitoramento de pragas, ocorreu a dominância das populações de lagartas mede-palmo (Chrysodeixis) em detrimento das lagartas tradicionalmente ocorridas na soja na região do Planalto Verde, principalmente a Anticarsia gemmatalis.
A partir dali começou a seleção das espécies mais adaptadas ao novo sistema agrícola, embora não se desse muita importância a essa predominância das plusias, provavelmente por desconhecimento do potencial da praga. A Chrysodeixis novamente mudou de hábito alimentar, buscando alternativas à cultura da soja. Nas áreas de feijão irrigado, tem sido elevada a infestação nos meses de maio e junho, e no milho atacando tanto na fase inicial como na fase reprodutiva.
Recentemente surgiu, de maneira muito rápida, a praga considerada por muitos a de maior potencial de danos para a cultura da soja – a Helicoverpa armigera.
Na região de Rio Verde (GO) a primeira ocorrência de lagarta Helicoverpa sp foi em 2008, provocando perdas na ordem de uma saca por hectare em um talhão na fazenda Planalto, situada em uma microrregião de lavouras de soja, café, algodão e feijão em sistema de safra e safrinha em sucessão.
Perdas significativas
No Brasil as perdas por lagartas tornaram-se muito significativas a partir da safra 2010/11, nas regiões mais representativas da cultura, como na Bahia e Mato Grosso, locais caracterizados por temperaturas altas e sistema intensivo de uso da terra ao longo do ano.
Desde a ocorrência intensa da Helicoverpa sp as perdas para o país foram significativas, na ordem de R$ 10 bilhões nessas duas últimas safras. Essas cifras obrigaram a sociedade organizada a tomar atitudes rápidas para conter o rombo na economia brasileira.
Nas regiões onde a presença da praga foi mais significativa, o custo para o manejo de lagartas alcançou valores entre R$ 100,00 e R$ 200,00 por hectare, algo impensado na década passada. Portanto, torna-se imperativo a adoção do Manejo Integrado de Pragas como nunca se fez no país.
A evolução dos insetos obriga a agricultura a evoluir na mesma proporção a partir de conceitos básicos como a biologia das pragas, tendo como base o comportamento local, flutuação populacional, preferências alimentares e métodos alternativos complementando os inseticidas sintéticos.
Insetos do gênero Helicoverpa são pragas do sistema agrícola (cosmopolita e polÃfaga), atacando mais de 200 espécies vegetais, não obedecendo fronteiras, destacando-se a Helicoverpa armigera. No Brasil se destaca nas culturas soja, milho e algodão, abrangendo todas as regiões.
Impacto nacional
O impacto dessa praga se torna significativo pela sua abundância, frequência, difícil redução populacional, capacidade de se adaptar a vários tipos de alimentos, ciclo curto, elevada capacidade reprodutiva e de dispersão.
As lagartas de H. armigera podem se alimentar dos órgãos vegetativos, embora tenha preferência por estruturas reprodutivas de várias espécies de plantas de importância econômica, como soja (vagem), algodão (maçã), milho (espiga), feijão (vagem), tomate (fruto), sorgo (panÃcula), etc.
A ocorrência dessa praga em plantas daninhas tem aumentado em condição semelhante à de outras culturas, no aspecto de potencial biológico em razão da qualidade alimentar da invasora em solos férteis e úmidos na entressafra.
Nos últimos anos, em vários locais se fez monitoramento de adultos da Helicoverpa nas regiões produtoras de soja no Brasil para verificar os períodos de maior ocorrência da praga na fase de mariposa para tentar relacionar com a presença da lagarta na soja.
Como o nível de controle para a praga tem valores muito baixos quando comparado com outras lagartas na cultura da soja, o monitoramento torna-se importante para antecipar as ações ante ao estabelecimento da praga.
Como a ocorrência da Helicoverpa tem acontecido na fase inicial da cultura, a identificação dos sintomas é importante no manejo para evitar que a infestação aumente ao longo do ciclo da cultura, evitando mais gastos.