Pedro Guilherme Lemes
Engenheiro florestal, doutor em Entomologia e professor de Apicultura – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
pedroglemes@ufmg.br
Luiz Fernando Chaves Mendes
Zootecnista e coordenador técnico de Projetos, EMATER-MG
luiz.fernando@emater.mg.gov.br
A apicultura cresceu muito nos últimos 15 anos na região norte de Minas Gerais. Isso ocorreu em função, principalmente, do déficit hídrico acumulado durante esse tempo, que dificultou o desenvolvimento da pecuária e da agricultura. A apicultura, por ser uma atividade sustentável, não requer um uso excessivo de água, dependendo mais do manejo, das próprias abelhas e da florada para garantir uma boa produtividade e salvar os produtores rurais da região em tempos de seca.
A atividade tornou-se uma fonte de renda importante, principalmente para agricultores familiares da região, que correspondem hoje a 92% dos apicultores, com média de 20 colmeias cada.
Evolução do setor
Investimentos foram feitos pelo governo federal e, por meio de parcerias com instituições governamentais e privadas, a cadeia produtiva apícola da região se desenvolveu e hoje envolve em torno de 25 associações de apicultores, totalizando, aproximadamente, 1.500 apicultores, com 32.000 colmeias, incluindo uma grande participação de jovens e mulheres.
A região também conta com extensas plantações florestais, e muitas empresas do setor realizam parcerias com esses apicultores para utilizarem a florada do eucalipto na produção de mel. O Norte de Minas Gerais produz cerca de 800 toneladas de mel por ano, do qual a maioria é orgânico e exportado. Mas o que realmente tem chamado a atenção na região não é apenas os méis convencionais, mas sim um mel de uma florada específica, o mel de aroeira.
Mel de aroeira
A aroeira-do-sertão, ou aroeira, Myracrodruon urundeuva (Anacardiaceae), ocorre em grande parte do território brasileiro, mas principalmente em regiões de Cerrado e Caatinga.
Essas árvores têm uma rápida floração, que dura no máximo 90 dias, entre abril e agosto, garantindo pasto apícola na época mais seca do ano e fonte de renda para o agricultor familiar do Norte de Minas Gerais. Mas o verdadeiro diferencial do mel de aroeira do Norte de Minas Gerais é a maneira como ele é obtido pelas abelhas.
Condições específicas
Nessa região se encontra um ecossistema muito especial, conhecido como Mata Seca, já que as árvores de aroeira e da maioria das espécies vegetais perdem suas folhas durante a época seca do ano. A aroeira, para se proteger da insolação, depende de insetos sugadores, que ao sugarem a árvore induzem a produção de compostos fenólicos, que serão expelidos pela planta e atuam como um filtro solar para a árvore.
Esses insetos, por sua vez, se alimentam da seiva da planta e liberam uma substância açucarada, conhecida por honeydew. As abelhas, então, podem coletar essa substância açucarada dos insetos presentes nas árvores de aroeira para produção de mel.
O mel de origem animal, como esse caso, é conhecido como melato. Portanto, o mel de aroeira do Norte de Minas Gerais é composto da florada da aroeira e de melato, a partir do honeydew desses insetos. O mel de aroeira, com essas características peculiares, é exclusividade dessa região.
Características
O mel de aroeira do norte mineiro tem coloração âmbar bastante escura, tem sabor menos adocicado, contém altos índices de invertase (enzima responsável pela transformação do néctar em mel), baixa acidez e dificilmente se cristaliza.
Mas as propriedades medicinais, descobertas recentemente por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias, em Belo Horizonte, liderados pela Dra. Esther Bastos, é o que mais surpreende nesse mel.
Segundo os pesquisadores, esse mel tem atividade antibiótica contra a bactéria Helicobacter pylori, responsável por problemas estomacais como gastrite, úlceras e câncer de estômago, e por isso tem potencial para ser usado no desenvolvimento de medicamentos e no tratamento dessas doenças.
Estudos continuam sendo conduzidos e não se descarta encontrar novas propriedades medicinais.
Realidade atual
A coloração escura fazia com o que o mel de aroeira fosse rejeitado em relação a méis mais claros no passado, mas após as descobertas e ampla divulgação das suas propriedades, o cenário mudou.
Alguns apicultores já conseguem comercializar o mel de aroeira por um valor até 30% maior que o mel convencional. A expectativa dos apicultores da região é poder produzir até 500 toneladas desse mel especial nos próximos anos.
A ideia é vender um produto diferenciado, com selo orgânico e maior valor agregado. Visando isso, foi iniciado o processo de indicação geográfica do mel de aroeira do norte de Minas Gerais.
O processo de indicação geográfica garante a qualidade e a procedência de um produto tradicional de uma certa região, como por exemplo o queijo canastra, da região da Serra da Canastra.
Um total de 50 municípios fazem parte do processo de indicação geográfica desse mel, agregando valor e gerando renda a pequenos agricultores familiares. O Ministério da Integração Nacional, ao observar o potencial desse mel, incluiu o norte de Minas Gerais como um polo apícola dentro do seu programa Rota do Mel.
Pelo Brasil afora
A divulgação das propriedades únicas do mel de aroeira do norte mineiro garantirá uma maior projeção a nível nacional e internacional desse produto, agregando valor. O Norte de Minas Gerais está vivendo um grande crescimento na produção de mel, com grande potencial a ser explorado. A infraestrutura tem melhorado e entrepostos e casas de méis têm sido construídos para se adequar a legislação.
O mel de aroeira é um alimento natural e diferenciado, produzido sem que seja necessário degradar a natureza, muito pelo contrário. A apicultura e o mel de aroeira parecem o casamento perfeito entre sustentabilidade e equilíbrio no semiárido mineiro.
Da aroeira para o mundo
Daniel dos Santos Fernandes, é apicultor e tem uma área produzida de 40 mil hectares de aroeira, esses estão divididas nas fazendas, Vallourec, em Bocaiúva, Gerdal, em Olhos d’água, e na fazenda Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha.
A aroeira é produzida em época especifica, são só dois meses no ano (outubro e novembro), e durante os outros períodos são produzidas outras espécies. Daniel exporta, por ano, 10 toneladas de aroeira, tendo a produtividade de seu mel chegado a 1.000 kg.
“ O mel de aroeira era pouco valorizado, porém com os estudos feitos pela Funed, descobriu-se uma função terapêutica, que é a diminuição de uma bactéria que causa dores no estômago, a Helicobacter pylori, o que já está publicado cientificamente. Assim, esse mel passou a ter um valor imenso no mercado, fazendo a demanda crescer mais que a oferta. Algumas pessoas têm o costume de guardá-lo na época da safra para vender na entressafra a um valor mais alto. Assim, esse mel que custava, na exportação, entre R$ 7,00 e R$ 8,00, foi para R$ 40,00 a R$ 50,00/kg nos supermercados. Quem dita as regras é o mercado externo, mas hoje tem um valor muito grande”, diz Daniel.
Registro
O mel de aroeira está em processo de oficializar o registro (IG), que é uma identificação geográfica do produto, agregando valor a ele. É um processo que já está em andamento e em finalização junto ao INPI.
Segundo o produtor, a grande dificuldade para os apicultores é que, para ter o registro de identificação do mel, é preciso ter um maciço de aroeira e a grande composição de eucalipto nos arredores de algumas cidades atrapalham, pois sempre acontece a incidência de ter eucalipto no meio das plantações de aroeira. Ainda segundo Daniel, a região de Janaúba (MG), Montes Claros (MG), e Bocaiúva (MG) já é confirmado que a produção é pura de aroeira, enquanto as outras regiões ainda estão trabalhando para conseguir esse registro.