Quando o assunto é agricultura familiar, Minas Gerais desponta entre todos os Estados brasileiros. O setor tem chamado a atenção nas produções de frutas, hortaliças, mandioca, agroindústrias, apicultura e artesanato rural, entre outras práticas realizadas no campo. Porém, escoar a venda é um dos principais entraves enfrentados pelos pequenos e microprodutores rurais. Mesmo com a pujança dessa importante parcela econômica, nem todos os profissionais do campo conseguem êxito na venda direta ao consumidor, o que poderia gerar um melhor lucro da produção, aumentar e gerar novos negócios e empregos.
De acordo o último Censo Agropecuário divulgado em 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agricultura familiar, responde pela maioria da população que vive e trabalha no meio rural. Segundo o instituto, dos 607.557 estabelecimentos rurais de Minas Gerais, 72,72% ou 441.829 são da agricultura familiar. E das 1.836.353 pessoas ocupadas na agropecuária, 59,02% ou 1.083.824 pertencem ao setor. Números consideráveis que podem crescer ainda mais com a adoção de políticas e ações sustentáveis que beneficiem o segmento.
De olho neste filão, o Grupo Uai e a Fundação Doimo implantarão em Belo Horizonte e Região Metropolitana cerca de cinco mercados onde os pequenos agricultores poderão comercializar a produção sem atravessadores, que, via de regra, ficam com a maior parte do lucro. A ideia é fazer com que a mercadoria saia das mãos de quem produz e chegue às mãos de quem consome, empoderando o pequeno produtor rural. Quem garante é o presidente da Fundação Doimo, Elias Tergilene, idealizador do Mercado de Origem que terá um aporte de R$115 milhões. O projeto contará com unidades na zona sul de BH, nos bairros Padre Eustáquio, Santa Tereza e Venda Nova, além de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana.
A ideia do Mercado de Origem vem sendo comemorada por vários produtores rurais como Joel Urias Leite, da Queijaria Senzala. Seu laticínio de queijos vem de família. Seus avós, o casal Abelardo Leite e Bárbara Cândida de Mendonça, se mudaram da Serra da Canastra para a Fazenda Caxambu, em Sacramento, região queijeira de Araxá, no Triângulo Mineiro, e levaram a receita do queijo. Ao longo de cinco gerações, a família Leite vem aprimorando a produção do Queijo Araxá. E deu tão certo que, em 2017, os produtos de Joel ganharam as medalhas de Ouro e Super Ouro no concurso Mondial du Fromage, no Salão do Queijo de Tours, na França, competindo entre 700 produtos de 20 países diferentes.
Apesar de o queijo artesanal, de leite cru, ser muito conhecido e valorizado, Joel afirma que os produtores sofrem muitos entraves como a grande burocracia do governo, a legislação e, principalmente, a falta de apoio ao pequeno produtor que, às vezes, se sente incapacitado de atender às normas sanitárias. “Fabricamos um alimento natural e muito nutritivo que precisa chegar à mesa de todos. E o Mercado de Origem vai nos proporcionar a melhoria na comercialização e na venda direta ao consumidor. O produtor rural merece um apoio de um projeto que reúna, em conjunto, os pequenos negócios que não possuem condições e estrutura de mostrarem sozinhos seus produtos nos grandes centros urbanos. O Mercado de Origem é sinal de um futuro promissor para todos nós. A expectativa é de crescimento e de melhoria na comercialização dos nossos produtos. E assim, mais e mais pequenos produtores da agricultura familiar vão poder acompanhar o projeto e mostrar seu valor”, aponta o queijeiro premiado.
A produção artesanal da Queijaria Senzala sempre envolveu uma equipe familiar, formada por cinco integrantes. Mas, após a participação no concurso francês, o reconhecimento e a fama impulsionou as vendas. A empresa precisou ampliar a produção e comercialização, contratando 12 novos funcionários.
Com a pandemia provocada pelo novo coronavírus, Joel garante que a comercialização na zona rural não foi muito afetada. O impacto foi sentido apenas nos comércios que revendem os produtos e que tiveram que fechar suas portas após os decretos de várias prefeituras, como aconteceu na capital mineira. “Comercializamos os produtos pela internet, mas uma quantidade mínima. Portanto não foi uma queda substancial na produção”, afirma.
Os números expressivos da agricultura familiar também aparecem no processamento de produtos lácteos (queijos artesanais, queijo minas frescal, muçarela, ricota, manteiga, doce de leite e requeijão). Minas Gerais possui 8.084 agroindústrias familiares individuais e 31 agroindústrias familiares coletivas, cuja produção totaliza 35 mil toneladas de derivados de leite produzidas por ano. A atividade, segundo o Sistema Safra Agrícola da Emater-MG, está a cargo de 215.348 agricultores familiares, representando 83,98 % do contingente de 256.438 produtores, envolvidos com a atividade leiteira em Minas.
Projeto garantirá emprego e renda
Em Minas Gerais, o potencial desse segmento pode ser medido pela expressiva quantidade de estabelecimentos rurais existentes: 77% estão ocupados por agricultores familiares, o que representa 383 mil propriedades rurais, de acordo com dados da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. E implantar o sistema de distribuição direta da produção garantirá uma melhor margem de lucro para o pequeno produtor que poderá receber pelo menos 50% do valor da sua mercadoria. “Hoje, de cada R$ 100,00 vendidos nos supermercados, os pequenos produtores ficam apenas com R$ 14,00 do valor total bruto comercializado. Mudar essa política de preços na cadeia produtiva faz parte do projeto do Mercado de Origem que já conseguiu resolver a questão de logística e da armazenagem da produção. E essa nova política também beneficiará o consumidor final que contará com preços mais baixos”, ressalta Elias Tergilene.
Nos Mercados de Origem serão instalados quatro mil pontos de vendas, sendo mil no Mercado de Origem da zona sul, que vem sendo construído no bairro Olhos D’Água e será inaugurado no segundo semestre de 2021; 800 em Santa Tereza e 400 no bairro Padre Eustáquio, nos mercados já existentes e revitalizados pela Fundação; 500 em Venda Nova no Shopping O Ponto que terá uma área de oito mil metros quadrados e cerca de 1.500 na unidade de Ribeirão das Neves, no espaço que será construído na entrada da cidade. “Se cada empreendedor contratar uma pessoa, serão gerados diretamente quatro mil empregos nos cinco mercados. No campo este número poderá ser multiplicado por 10”, comemora Tergilene.
Para os empreendedores rurais que possuem uma produção sazonal, o Mercado de Origem oferecerá um andar só de feiras. Ele pagará apenas 10% da renda arrecada. Mas, caso não venda, não pagará nada. O espaço poderá ser alugado temporariamente ou não. “Será o Ceasa do pequeno empreendedor. Geralmente os pequenos não têm lugar para vender seus produtos como ovos, biscoitos, geleias, e acabam caindo nas mãos de intermediários que ficam com a maior parte do lucro. Vamos valorizar o pequeno e microempreendedor rural, o homem do campo, já que todas as ações sempre valorizaram o empreendedor urbano, da cidade. Será uma loja conectada com o campo”, diz.
Além disso, o espaço de feiras dos Mercado de Origem contemplam artesãos mineiros de várias localidades de Minas Gerais, inclusive do Vale do Jequitinhonha. “É a capital gerando muito emprego e renda no campo”.
Mercado de Origem aposta em projeto social para a geração de emprego e renda
Em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de BH, o Mercado de Origem contará com o plantio de hortaliças pelos detentos que cumprem pena privativa de liberdade nos presídios da cidade. O projeto de geração de renda e emprego da Fundação Doimo e Grupo Uai contempla a inclusão social e tem como objetivo valorizar o trabalho da população carcerária. Para incrementar ainda mais a inciativa foram adquiridas duas fazendas. Todo o trabalho seguirá a estratégia da agricultura sustentável e servirão de modelo para os próximos negócios.
Além da fazenda em Neves, a outra unidade, em Moeda, está localizada bem próxima ao Mercado de Origem da zona sul. Lá, a fazenda abrirá espaço de plantio, produção e renda para as famílias da comunidade quilombola.
Mercado moderno
Quem visitar o Mercado de Origem, encontrará, além de gêneros alimentícios de qualidade e diversificados, artesanato, boa comida e bebidas. Tudo preparado para valorizar a tradição e os costumes de Minas Gerais. Paralelo a este comércio, o mercado oferecerá aos visitantes setores para embelezamento pessoal e entretenimento para a criançada. “A família que for fazer compras, poderá cuidar da beleza, se divertir, tomar uma cerveja, comer um bom tira-gosto e ainda deixar as crianças brincando”, garante Elias Tergilene.
E as novidades no circuito dos Mercados não param. O projeto prevê ainda a criação de um setor exclusivo para a cervejaria artesanal produzida no Estado, com pontos de vendas fixos. A intenção é transformar Minas Gerais na Bélgica brasileira, onde a cultura cervejeira será um grande atrativo turístico.
O Mercado de Origem terá também espaço exclusivo para o público assistir leilões de cavalos online com venda de artigos equestres, bebidas, comidas típicas e muito mais.