Josias Reis Flausino Gaudencio
Engenheiro agrônomo e doutorando em Fitotecnia – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
josiasflausinogaudencio@gmail.com
Silvino Moreira
Doutor em Solos e Nutrição de Plantas e professor do Departamento de Agricultura – UFLA
silvinomoreira@ufla.br
A avaliação da fertilidade do solo visa determinar de forma quanti e qualitativa a capacidade do solo em suprir adequadamente os nutrientes exigidos pelas plantas para seu pleno desenvolvimento e produção.
O solo é um reservatório de nutrientes. Contudo, apenas uma fração do teor total está disponível às plantas em momento e quantidades suficientes. Portanto, entender a disponibilidade, dinâmica e transformações desses elementos no solo é um aspecto necessário para garantir altas produtividades.
Variação nutricional
Devido a fatores pedogenéticos e antrópicos, os solos apresentam variação em concentração e disponibilidade de nutrientes. Essa variabilidade ocorre tanto horizontalmente (manchas de fertilidade em um talhão, transição de classes de solos, diferenças em função do relevo), quanto verticalmente (gradiente de fertilidade em diferentes profundidades do solo).
O diagnóstico correto é fundamental para que possam ser tomadas medidas assertivas no manejo da fertilidade, com o direcionamento de práticas a serem adotadas no sistema visando a correção e manutenção de teores adequados de nutrientes, a fim de tornar a atividade agrícola altamente produtiva e economicamente sustentável.
Como fazer?
Existem diversos indicadores que podem ser utilizados para fazer inferências sobre a fertilidade e aptidão agrícola dos solos. Aspectos como classe de solo, cor, textura, profundidade, drenagem, aeração, rocha de origem, vegetação nativa e histórico de manejo podem estar de alguma forma associados à fertilidade do solo.
No entanto, a forma mais segura e comprovada para o diagnóstico é a análise química, pois permite a discriminação e a quantificação dos teores de nutrientes presentes na amostra.
Posteriormente, para interpretação da condição da fertilidade, os valores obtidos nas análises de solos são comparados com as classes de interpretação, elaboradas pela pesquisa (boletins técnicos de cada estado do país).
Por onde começar
O sucesso no manejo da fertilidade do solo começa com um planejamento bem feito desde a amostragem do solo, interpretação dos resultados, recomendação das doses corretas e aplicação no momento correto, de modo mais adequado e na época de maior exigência pelas plantas.
Inicialmente, apresentaremos alguns conceitos importantes e cuidados necessários durante amostragem de solo:
Ü Definição de glebas homogêneas: são áreas que compartilham características semelhantes, como mesma classe do solo, textura e cor de solo, relevo, cobertura vegetal e histórico de manejo, como culturas implantadas e adubação.
Assim, considera-se uma gleba homogênea como um talhão em que sempre se fez o mesmo manejo de solo, ou seja, onde sempre foram utilizadas as mesmas culturas e aplicadas as mesmas doses de calcário, gesso e fertilizantes.
Se, por exemplo, o produtor possuir uma gleba de 40 ha com milho e resolver, durante a colheita, colher parte para grão e parte para silagem, ele terá transformada a gleba de milho em duas glebas homogêneas, uma vez que o milho para silagem deve ter retirado da área uma grande quantidade de nutrientes, especialmente o potássio.
A recomendação teórica é que essas glebas homogêneas tenham de 10 a 20 ha, contudo, por questões econômicas e de logística, têm sido adotados talhões maiores. Para complementar, o talhão deve possuir o mesmo tipo de solo, com cor, teor de argila e profundidade semelhantes, dentre outros (Figura 1).
Figura 1. Divisão de glebas homogêneas e distribuição dos pontos de coleta de solo.
Crédito: Josias Gaudencio.
Número de pontos para compor uma amostra
A recomendação geral é que se faça a coleta de 15 a 20 pontos em cada uma gleba homogênea. No entanto, esse número pode variar, principalmente quando se objetiva mapear a variabilidade para fins de agricultura de precisão (AP).
Nesse caso, tanto o número de pontos quanto o tamanho dos “grides” serão variáveis. Cada ponto constitui uma subamostra, que formará a amostra composta, posteriormente enviada para a análise.
As subamostras coletadas em cada ponto devem ser misturadas e homogeneizadas para formar uma amostra composta de 300 a 500 g de solo. Após a coleta e identificação, as amostras são enviadas ao laboratório para que sejam procedidas as análises.
Questão de confiança
A escolha do laboratório também deve prezar pela qualidade dos laudos. Dê preferência a laboratórios certificados e de sua confiança!
É importante ressaltar que mais de 80% dos erros associados ao processo de diagnóstico da fertilidade do solo ocorrem ainda no campo. Seja por falta de homogeneidade na gleba, contaminação entre as amostras de diferentes profundidades, erros na identificação das amostras ou por uma combinação de erros, a representatividade da amostra poderá ser comprometida antes mesmo da chegada no laboratório.
Para se ter uma dimensão disso, seguem os números: considerando a profundidade de 20 cm, assumindo que o solo apresenta densidade de 1 g cm³, o volume de solo em 1,0 hectare é de 2.000.000 dm³, ou seja, 2.000.000 kg de solo.
Da quantidade de solo enviada ao laboratório (500 g), apenas 5,0 a 10 g serão utilizadas para a análise, conforme o atributo avaliado. Portanto, se a amostra for de um talhão de 10 – 20 hectares, a quantidade analisada equivale a 1,0 ou 2,0 partes por bilhão do volume de solo que se pretende representar.
Esses números reforçam a importância dos cuidados com essa etapa crucial. Afinal de contas, a partir daqui os erros no campo não poderão mais ser reparados.
Profundidade de amostragem
A estratificação das profundidades de amostragem depende dos objetivos de cada avaliação. Por exemplo, em áreas de abertura, em que se pretende estabelecer um sistema de produção, o ideal é que se conheça a variabilidade nos níveis de fertilidade ao longo do perfil, a fim de proceder com práticas corretivas profundas, se necessário.
Nessa situação, a estratificação em 0 – 20, 20 – 40 e 40 – 60 cm seria uma boa recomendação para avaliar potenciais fatores limitantes ao crescimento de raízes em profundidade.
Já em sistemas estabelecidos, ou seja, áreas cultivadas há 10 anos ou mais tempo, a identificação de gradientes de fertilidade nos primeiros centímetros de solo é necessária para que não haja interpretações equivocadas.
Nessas áreas, como o manejo de correção e algumas aplicações de fertilizantes são realizadas a lanço, ocorre com o passar dos anos um acúmulo de nutrientes em superfície, uma estreita camada com fertilidade muito alta, que muitas vezes se difere das demais profundidades do solo.
Assim, ao invés de coletar toda a camada de 0 – 20 cm, o ideal seria a subdivisão em 0 – 10 e 10 – 20 cm. Abaixo dessa profundidade, amostra-se a camada de 20 – 40 cm normalmente.
Também nesses sistemas, a avaliação em maiores profundidades (40 – 60, 60 – 80 e 80 – 100 cm) pode ser realizada com o objetivo de monitorar a fertilidade em subsuperfície e as condições químicas para que as raízes possam se desenvolver em profundidade e, futuramente, acessar água e nutrientes no subsolo, especialmente quando estão sob condição de falta de água na subsuperfície (veranicos).
Qualidade da operação
Para amostrar solo em maiores profundidade, são necessários equipamentos adaptados que garantam a qualidade na amostragem (Figura 2).
Figura 2 – Amostragem de solo a 100 cm de profundidade com trado holandês em diferentes tamanhos e baldes separados e identificados para cada profundidade.
Fonte: Josias Gaudencio e Paulo H. Batista.
Época e frequência de amostragem
a amostragem deve ser realizada preferencialmente ao final da colheita da cultura principal, isto é, ao final da safra de verão. Dessa forma, haveria tempo suficiente para intervenções, quando necessário.
Além do mais, o rendimento operacional e a qualidade da amostragem serão maiores, se comparados aos meses mais secos do ano. A análise deve ser feita anualmente, com a avaliação até no mínimo 40 cm de profundidade. Para maiores profundidades (abaixo de 40 cm), a frequência pode ser menor, ocorrendo a cada dois a três anos.
Quando os produtores coletam as amostras de solo apenas após a colheita da segunda safra (prática comum em 90% dos casos), na maioria das regiões brasileiras não há mais umidade suficiente para incorporação do calcário, em áreas em que a prática for necessária.
Além disso, quando a amostragem é realizada mais cedo, o produtor tem tempo para planejar a compra de corretivos e fertilizantes de acordo com a análise do solo, além de ter maior probabilidade de pagar menores valores para compra de fertilizantes e corretivos, bem como no custo do frete, que historicamente é mais baixo nesta época.