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Trigo – Avanço do cultivo no calor do Cerrado

Autora

Antonia Mirian Nogueira de Moura Guerra
Professora de Cultivos Agrícolas – Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB – campus Barra)
mirianagronoma@hotmail.com

No Brasil, o cultivo do trigo sempre foi uma atividade dos Estados de climas mais frios do País, mas aos poucos esse cenário vem sendo modificado, com o avanço dos trigais pelo Cerrado brasileiro. Hoje já tem trigo sendo produzido até no Nordeste.

A produção de trigo no Cerrado em 2018 foi de 600.000 t, aumento de 70% em relação a 2010. Além da Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás também apostaram na produção de trigo. Na safra 2018, os levantamentos da CONAB apontaram para uma área estimada em 200 mil hectares (ha) nos Estados de Minas Gerais (85 mil ha), Goiás (11 mil ha), Distrito Federal (01 mil ha), Mato Grosso do Sul (20 mil ha), São Paulo (80 mil ha) e Bahia (5 mil ha).

Condições favoráveis

Em Cristalina (GO) foi onde iniciou-se o cultivo do trigo no Cerrado. Valendo-se das condições climáticas favoráveis de dias quentes e noites mais frias, em torno de 11ºC, que é garantida pela altitude do Cerrado, superior a 600 m, ideal ao desenvolvimento da cultura, favorecendo o perfilhamento das plantas e a sanidade dos grãos, foi fator decisivo ao investimento na cultura.

O semeio é realizado no final de maio, época das últimas chuvas do Cerrado, e para suportar a secura da região e chegar até setembro, época da colheita, a irrigação é fundamental, pois as culturas desenvolvidas nas condições da região dependem da irrigação.

Pesquisas a todo vapor

A produção e a qualidade dos grãos colhidos na região devem-se, em parte, ao trabalho desenvolvido pelo Embrapa Cerrados, que vem pesquisando e desenvolvendo, ao longo de 40 anos, cultivares melhoradas, resultando em 50 cultivares adequadas às condições do Cerrado.

As pesquisas com melhoramento genético visam alta produtividade e qualidade industrial para panificação, grãos que apresentem alta força de glúten e estabilidade, os quais proporcionam farinhas com elevada qualidade para panificação.

Além das características industriais, buscam-se selecionar materiais com palha resistente contra o acamamento causado por ventos fortes da região, precocidade, sendo disponíveis pela Embrapa materiais que são colhidos até 10 dias antes do período convencional, que permitem ao produtor economia com a irrigação, água, energia e aplicações de defensivos, que são algumas das características desejadas.

Desafios

O mais recente desafio da Embrapa Cerrados é o desenvolvimento de cultivares para o cultivo em sequeiro e adaptadas à região e que alcancem produtividades superiores a 2,0 t/ha, contando apenas com a água da chuva.

A aposta para que o futuro da cultura do trigo na região do Cerrado não dependa da irrigação é semear esse trigo na safrinha, fevereiro/março, pois na região as chuvas se estendem até o meado do mês de abril, havendo favorecimento de água à cultura nos primeiros 50 dias. Assim, o material apresentando uma boa tolerância à seca permitirá o bom desenvolvimento até o final do ciclo, assegurando uma boa produtividade.

Na região do Distrito Federal já temos produtores apostando no cultivo do trigo nas condições de safrinha. O trigo de sequeiro no Cerrado precisa de temperaturas ainda mais baixas que o trigo irrigado e de altitude acima de 800 m para assegurar o perfilhamento das plantas, tornando-se um cultivo arriscado.

O grão é menor em relação ao trigo irrigado, porém, apresenta todas as características exigidas para uma boa farinha. A palhada gerada ainda é utilizada como uma excelente cobertura morta, em torno de 8,0 t/ha de matéria seca, fonte de matéria orgânica e nutrientes para o solo, favorecendo os cultivos sucessores, como por exemplo, o feijão.

Rentabilidade

Quem apostou no trigo como safrinha nessa última safra alcançou 2,8 t/ha, com receita em torno de R$ 2.000,00/ha e despesa em torno de R$ 800,00 a R$ 1.000,00/ha, assegurando retorno financeiro.

A produção desses agricultores tem destino certo na COOPA – DF, Cooperativa dos Produtores do Distrito Federal, que conta com 30 cooperados produzindo trigo de sequeiro ou irrigado, e o preço pago é definido em reunião com os produtores, que são bonificados pela qualidade do grão produzido. O mercado tem pagado em torno de R$ 850 a R$ 880,00/t.

A Cooperativa conta com um moinho próprio, que tem a capacidade máxima de produção de 45 t de farinha/dia, facilitando o processo de comercialização da produção da região. A qualidade dos grãos do Cerrado tem assegurado um excelente rendimento, sendo possível a obtenção de até 800 g de farinha por quilo de grão.

O trigo produzido na região é do tipo melhorador, gerando uma farinha de ótima qualidade para o processo de panificação, não deixando a desejar em relação ao trigo produzido em outros locais.

Produção de trigo na Bahia

Em 2013 foi iniciado o cultivo de 100 ha de trigo na Bahia, com algumas variedades que tinham por finalidade a realização de testes para se conhecer o desempenho produtivo nas condições baianas.

Na safra 2017/18 o Oeste da Bahia alcançou a maior produtividade média nacional, com 6,0 t/ha, mais que o dobro da média nacional, que não alcança 3,0 t/ha. Esses resultados só animam os produtores – o produtor Fábio Ricardi saltou de uma área de 100 para 900 ha.

O trigo foi inserido inicialmente como alternativa de rotação de culturas, para incorporar matéria orgânica ao solo e controlar doenças. Em Luís Eduardo Magalhães (BA), são pelo menos cinco produtores apostando no cultivo de trigo, que em cinco anos já somam mais de 3.000 ha de lavoura.

O cereal, cultivado na entressafra da soja, ocupa fazendas nos municípios de Riachão das Neves, São Desidério e Barreiras, além de Luís Eduardo Magalhães. O plantio acontece quando a temperatura na região gira em torno de 14 a 16ºC, final de abril a maio, época ideal para o plantio, pois as temperaturas favorecem o perfilhamento das plantas. A colheita se dá a partir de agosto, livre de chuvas.

O plantio conta com a irrigação via pivô central, sendo possível o fornecimento adequado de água nos momentos mais exigidos pela planta e na fase de formação dos grãos, com suspensão na disponibilidade no momento de maturação dos grãos, sendo possível obter grãos secos e com qualidade, permitindo o armazenamento por mais tempo, sem prejuízos à sua qualidade, além de permitir ao produtor comercializar seu produto no momento que venha a alcançar melhores preços, com ganhos de 15 a 20% no momento da comercialização.

O investimento em selecionar gradativamente cultivares produtivas e adaptadas às condições da região permitirá alcançar a meta de expansão para 6.000 a 7.000 ha nos próximos três a quatro anos, atendendo aos objetivos dos produtores da região em praticar uma agricultura sustentável de longo prazo, e o trigo passa a ser uma dessas culturas que atendem esse fim.

Outras regiões da Bahia oferecem condições promissoras de cultivo do trigo. Nos anos 2000, plantações experimentais do cereal chegaram a ser testadas em fazendas da Chapada Diamantina. A região tem condições climáticas ideais de altitude e temperatura. Mas as lavouras não obtiveram sucesso, devido a problemas no fornecimento de água para irrigar as plantações.

Pioneirismo e produção crescente no Oeste da Bahia

Na safra de 2010 a produtividade média de 125 sacas/ha obtida numa lavoura irrigada de 100 ha correspondia, naquele momento, a um recorde nacional, considerando que a média brasileira fica em 35 sacas/ha.

Além disso, os grãos produzidos foram de excelente qualidade (tipos Melhorador e Pão), comercializados em Brasília (DF) com total aceitação do moinho e comparados aos melhores produzidos nas Américas, provenientes das lavouras canadenses.

Apesar disso, nas safras subsequentes de 2011 a 2014 as lavouras do novo cereal da região permaneceram dentro de apenas uma propriedade, e as produtividades nesta etapa oscilaram entre 45 a 70 sc/ha, redução justificada por semeaduras tardias, realizadas nos meses de junho e julho, fora da janela de plantio considerada ideal para a região, entre 10 e 31 de maio.

Já em 2015, o trigo foi cultivado em 500 ha irrigados, e rendeu 100 sc/ha e mais uma vez grãos de alta qualidade. Foram avaliados e incorporados novos cultivares para 2016, quando houve adesão de mais produtores, totalizando seis, em uma área plantada próxima a 2 mil ha.

Em 2016, a produtividade média ficou entre 60 e 70 sacas/ha, influenciada por eventos climáticos, como nebulosidade e chuvas atípicas, o que favoreceu a brusone em parte das lavouras, mas revelou cultivares com melhor sanidade, além de alto rendimento e qualidade.

A safra de 2017 apresentou maior afluência ao cultivo, mais do que dobrando a área, que chegou a quase 3,5% da área irrigada do Oeste. Influíram, para tanto, os preços baixos do milho e do feijão. As lavouras não tiveram perdas por brusone, porém, houve incidência do mal-do-pé e da podridão comum. As produtividades registradas foram de aproximadamente 130 sc/ha, mantendo o elevado padrão qualitativo.

Bom para o pão e para o solo

A inserção de trigo nas lavouras do Oeste da Bahia, desde 2010, tiveram como objetivo ampliar a diversificação de culturas e promover a cobertura permanente do solo, O trigo produzido na região mostra bons resultados e crescimento em área, indicando a possibilidade de se firmar como mais uma opção produtiva.

Em 2017, foram plantados 4.200 ha em cinco propriedades distribuídas entre os municípios de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves, São Desidério e Formosa do Rio Preto, de acordo com informações levantadas no Conselho Técnico da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba).

A introdução do trigo, que se constitui numa das principais alternativas econômicas de inverno para compor modelos de produção de soja, feijão e algodão, ocorreu em áreas irrigadas por pivô central. Além da diversificação e da cobertura do solo, a motivação dos pioneiros esteve ligada aos benefícios derivados, como redução da incidência de doenças como fusariose e esclerotínia, por não ser o trigo seu hospedeiro, além de reduzir nematoides e plantas daninhas.

A cultura ainda favorece o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas e promove a biodiversidade da biota do solo. Com essa constância de boa qualidade industrial dos grãos produzidos no Oeste da Bahia, os produtores têm diante de si a oportunidade de substituir, a curto prazo, parte das importações de trigo demandadas pelos moinhos de Salvador e de Brasília, além de Cristalina, Anápolis e Goiânia, em Goiás.

A médio e longo prazos, se os planejamentos agrícolas das propriedades irrigadas incorporarem essas lavouras de forma permanente, a ocupação de menos de 10% de todos os pivôs em operação na região, equivalente a 12 mil hectares, viabilizará a instalação de um moinho.

Panorama

O aumento na produção de trigo na Bahia não deve influenciar, imediatamente, nos preços dos alimentos que contêm o cereal. É que, apesar do crescimento na oferta interna, a Bahia, assim como todo o Brasil, não é autossuficiente na produção do grão.

O Brasil consome 11.000.000 t de trigo/ano e mais da metade é importada. Assim, o trigo do Cerrado desponta como uma alternativa para suprir a demanda nacional, podendo, num futuro próximo, o pão nosso de cada dia ser 100% nacional, e o Cerrado tem uma importância muito grande na autossuficiência do trigo nacional.

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