Márcio Só e Silva – Engenheiro agrônomo e pesquisador – Semevinea Genética Avançada de Sementes
A fronteira agrícola para as culturas de safrinha no Cerrado tem o tamanho, no mínimo, da área semeada com soja no Brasil, ou seja, quase 40 milhões de hectares. Nota-se que há espaço para todas as culturas que se candidatem a um lugar neste sistema produtivo extremamente dinâmico do Cerrado.
A região disponibiliza áreas para semeadura a partir do mês de março, se estendendo até junho, eventualmente. Se somos capazes de produzir nesta área a maior safra de soja do planeta, imaginem se chegarmos a explorar a mesma área para as culturas de safrinha? Entram nesta lista milho, sorgo e trigo, além de outras opções.
Estratégia
O trigo se torna estratégico, pois é o único deficitário na balança comercial brasileira. Portanto, o Cerrado é a grande fronteira agrícola para a triticultura brasileira. A área e a produção veem crescendo anualmente, em Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal, além de entrar com força no Cerrado Baiano.
A produção de trigo no Cerrado já beira a casa de meio milhão de toneladas, cultivada em uma área de quase 120 mil hectares, segundo as estatísticas oficiais. Com a tropicalização desse cereal tipicamente invernal, certamente deverá entrar em regiões com aptidão para agricultura extensiva nos Estados de Tocantins, Maranhão e Piauí.
Testes já são realidade no Nordeste, no Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas. Ou seja, no curto prazo teremos a genética de trigo “pendurada no varal” da latitude próxima à linha do Equador.
Neste cenário, o Brasil poderá quebrar um paradigma histórico na triticultura nacional, nunca imaginado. Abastecer o Norte/Nordeste com trigo local, e quem sabe se tornar um exportador de trigo produzido no Cerrado. Quem diria!
Fundamentos do trigo de safrinha
O trigo possui uma plataforma adaptativa complexa do ponto de vista genético. São três avenidas no seu DNA que necessitam entrar em convergência, estabelecendo uma “rodovia” que permita uma cultivar do Cerrado “transitar” numa velocidade compatível com o consumo de combustível e entregar uma produtividade ao motorista (o produtor) satisfatória com o sistema produtivo da região.
São metáforas importantes para o entendimento do cultivo de trigo em regime de sequeiro, o “trigo de safrinha”. A cultivar de trigo que sai da “linha de produção” (programas de melhoramento genético/pesquisa) para ser cultivada em clima e solo do Cerrado, ou seja, ambiente tropical, necessita completar seu ciclo de cultivo e entregar produtividade compatível com esse sistema. Resumindo, o trigo no Cerrado se tornou técnica e economicamente viável.
Entre os fundamentos básicos da produção de trigo no Cerrado, consiste em semear a cultura no período das chuvas ainda no mês de março e colher nos meses de junho/julho, época de entressafra da comercialização no Brasil e nos países do Mercosul, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Portanto, o trigo do Cerrado é o primeiro a ser colhido no calendário nacional da triticultura, quando a curva média de preços está no seu ápice. Essa vantagem na cotação de preços torna o trigo do Cerrado mais competitivo, quando comparado com as regiões tradicionais do Sul e Centro-Sul do País.
É diferente?
A lógica do cultivo de trigo na safrinha não difere dos demais cereais na safrinha, milho e sorgo. A estratégia é o aproveitamento do balanço hídrico positivo no estabelecimento da cultura e a segurança alimentar na colheita durante a estação seca, com frequência baixa de possibilidade de chuvas.
Essa dinâmica climática possibilita maximizar a qualidade industrial do produto colhido, beneficiando a indústria moageira, que se abastece de trigo de alto padrão de qualidade, equivalente a trigos premium de exportação produzidos no hemisfério norte.
Existe uma conexão entre os fatores de produção para se obter sucesso nos resultados de trigo de safrinha. Há sempre uma interação forte entre cultivar, época de semeadura, densidade de semeadura (gasto de semente), “caixa do solo” (balanço hídrico/chuva acumulada na cultura anterior), altitude, tipo de solo e manejo da adubação e manejo de doenças (brusone).
São peças de um jogo de dominó que, conforme a situação do ano/safra, exigem estabelecer-se uma estratégia adequada para obter o melhor resultado em produtividade mitigando-se riscos.
Abertura x fechamento de plantio
No início do mês de março abre-se a janela de semeadura de trigo safrinha no Cerrado, estendendo-se até o mês de maio/junho. A cada chuva neste período deve-se contabilizar os volumes de precipitação acumulada e abre-se nova janela para seguir-se com a semeadura de trigo.
Portanto, essa dinâmica determina a extensão do período de semeadura e o nível de produtividade que o trigo de safrinha pode atingir. O fechamento de plantio não tem uma data previamente estabelecida para acontecer, mas o corte das chuvas leva o balanço hídrico para o nível negativo e o “stop” acontece.
Esse jogo de perde-ganha traz o risco que acompanha o produtor nas tomadas de decisão. Quem aposta no cedo, necessita de prioridade máxima quanto a uma cultivar tolerante à brusone, pois em média teremos mais água no solo (caixa), potencial de produtividade maior, agregando maior densidade de semeadura, maior nível de adubação e calendário intensivo no controle de doenças.
Em síntese, um maior nível de investimento na lavoura de safrinha. Já na janela de fechamento troca-se a atenção para a tolerância à seca e a precocidade das cultivares, reduzindo-se o nível de investimento em função da entrega de rendimento de grãos potencialmente menores.
Altitude e potencial de rendimento de grãos
As regiões de maior altitude possuem maior potencial de produtividade, em função das temperaturas médias diárias serem menores que as regiões mais baixas. O grande diferencial são as temperaturas noturnas, que em regiões de altitude entre 800 e 1.200 m proporcionam um acúmulo de energia na planta de trigo positivo, que é potencializado com alta quantidade de luz durante o dia.
A sinergia desses dois fatores, associada a solos de alta fertilidade, garante um potencial de produtividade do trigo digno de ganhar qualquer campeonato. A escolha de cultivares de alto potencial de rendimento será importante e o efeito nas doenças será bastante reduzido.
Nas regiões abaixo de 800 m até 500 m haverá uma redução no potencial de rendimento de grãos, porém, o tipo de solo será determinante na compensação dessa redução. O posicionamento da cultivar passa a ser mais importante no que se refere à tolerância à brusone e ao calor e seca. A pressão de doenças será potencialmente aumentada. Alerta máximo quanto à caixa do solo (balanço hídrico).
Não vamos nominar cultivares. Se vamos entrar nesse detalhe, necessitaríamos de uma edição da revista. O importante é a classificação de risco entre as cultivares quanto à brusone. A partir do posicionamento das cultivares para doenças, seca e calor, elencamos o nível de risco que vamos correr quando escolhemos uma cultivar para determinada região, época de semeadura, etc. Essa será a lógica do planejamento.
Manejo da adubação
Como sugestão de estratégia para tomada de decisão da adubação, seja NPK ou micronutrientes (boro), a pesquisa tem entregado muitos resultados durante os últimos 20 anos. Esses resultados são importantes, pois nos fornecem a base, o ponto de partida. Mas, o sistema de cultivo de trigo em regime de sequeiro, safrinha, é dinâmico e pode ser ajustado, dependendo do ano, regime de chuvas, caixa do solo, época de semeadura e outros.
A estratégia é se basear na retirada de nutrientes pelo trigo por tonelada de grãos a serem produzidos. O importante é ter bom senso para alterar a receita de bolo da pesquisa para se conseguir algo mais em resultados de produtividade, ajustando-se alguns fatores de acordo com o decorrer das condições climáticas no ciclo da cultura de trigo de safrinha.
Controle de doenças e suas estratégias
O foco principal é a brusone neste tipo de cultivo, mas também temos outras doenças de difícil controle, se olharmos para o histórico de frustrações que ocorreram na última década. Manchas foliares e bacterioses têm sido doenças de difícil controle, além da brusone. Exigem uma atenção destacada nas estratégias de controle.
Em anos de maior frequência de chuvas, o número de aplicações tem sido elevado, bem acima da média. A brusone, por sua característica imprevisível e potencial destrutivo, quando tem a balança do clima a seu favor, obriga o produtor a calendarizar suas aplicações de fungicida.
Cada previsão de chuva após o estádio de espigamento exige da lavoura o velho ditado de estratégia de guerra: “chuva significa ataque de arqueiros de flechas ao castelo da lavoura. A defesa são soldados de escudo, ou seja, espiga protegida!”. A frequência de tratamentos fungicidas pode variar de sete a 21 dias, dependendo do clima e da intensidade da chuva.
Conclusão
A “receita de bolo”, na verdade, é o conhecimento gerado sobre o cultivo de trigo safrinha pela pesquisa. A dificuldade do produtor sempre será associar o que vai acontecer em cada ano com os fundamentos e os dados da pesquisa. A tomada de decisão correta para cada situação é que determina o sucesso da lavoura de safrinha.