Décio Luiz Gazzoni
Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Agro Sustentável
Falou abelha, pensou mel. Essa é a associação mais comum que fazemos. Mas, existem muito mais produtos das abelhas, sejam eles tangíveis (cera) ou intangíveis (polinização), além dos medicinais (própolis). Estudos recentes mostraram que as abelhas também desenvolveram a capacidade de controlar parasitas que as infestam, através de um sofisticado processo, que inicia com a obtenção de determinadas substâncias presentes no néctar de plantas específicas. Posteriormente, elas são processadas no aparelho digestivo ou com o auxílio do microbioma intestinal das abelhas, para produzir substâncias bioativas e úteis.
A razão de estudar o tema é que, entre as ameaças enfrentadas pelos polinizadores – que se encontram em franco declínio no mundo – estão os problemas sanitários, como predadores, parasitas ou doenças. Esses agentes deletérios à saúde das abelhas podem ser introduzidos e disseminados pelas rotas comerciais globais e se espalhar de colônias de abelhas manejadas para polinizadores selvagens. Seus efeitos sobre as abelhas são agravados por outros fatores de estresse aos quais as colônias são submetidas.
Sabe-se que os animais – inclusos os polinizadores – têm diversos microbiomas em seus intestinos, ou que são encontrados no ambiente em que nidificam. Essas comunidades de microrganismos podem ser importantes para a saúde dos polinizadores, por exemplo defendendo-os contra doenças ou produzindo nutrientes importantes. A compreensão de sua importância funcional, além das contribuições e interações de espécies do microbioma, podem fornecer informações importantes para a preservação dos polinizadores. Colônias de abelhas podem ser mantidas por meio de novos probióticos, ou microbiomas saudáveis podem ser favorecidos com o forrageamento em plantas com néctar ou pólen contendo substâncias que estimulam a melhoria dos microbiomas.
Compostos bioativos
Em artigo publicado em maio de 2022, a equipe de pesquisadores liderada pelo Dr. Hauke Koch (Universidade de Kew), em parceria com o professor Mark Brown (Universidade de Londres), iniciou seus estudos coletando amostras de néctar e pólen de tílias e medronheiros no Jardim Botânico Kew Gardens. O principal objetivo era descobrir quais substâncias químicas estavam envolvidas com atividades antiparasitárias, protegendo as abelhas do parasita Crithidia bombi, uma espécie de tripanosoma que diminui a fertilidade da rainha e afeta a sobrevivência das colônias de abelhas. Os pesquisadores descobriram que dois compostos, encontrados naturalmente nos néctares dessas espécies, são ativados isoladamente pelo sistema digestivo das abelhas, pelo seu microbioma intestinal ou por uma ação conjunta de ambos (http://bitly.ws/qDet).
O primeiro composto analisado pela equipe, denominado unedona, foi encontrado no néctar de Arbutus unedo, uma árvore que habita parte da região mediterrânea e do Reino Unido, sendo conhecida em Portugal como medronheiro. Suas flores, ricas em néctar e pólen, constituem uma fonte de alimento importante para as abelhas no outono. A partir desse néctar, as abelhas produzem um mel de sabor amargo, que é apreciado na Europa.
A unedona foi testada em indivíduos de C. bombi criados em laboratório, bem como em abelhas. Os pesquisadores alimentaram as abelhas com uma mistura de xarope de açúcar e pólen por duas semanas. Findo o prazo, foram efetuadas análises de laboratório para verificar a presença de parasitas. Devido à baixa incidência de parasitismo nas abelhas, novo teste foi efetuado, com um grupo de abelhas recebendo apenas xarope de açúcar e outro o xarope adicionado de unedona. Veio, então, uma descoberta muito interessante: a unidona inibe infecções por C. bombi somente após interagir com o microbioma, pois os processos metabólicos iniciais no intestino médio das abelhas inativam seu efeito antiparasitário.
O segundo composto estudado pelos pesquisadores foi a tiliasida, extraída do néctar da tília (Tilia sp.). No entanto, contrariamente ao que ocorre com a unedona, a tiliasida é ativada pelos processos digestivos das abelhas. Ambos os compostos foram apresentados como evidência dos benefícios que alimentos e microbiomas possuem para proteger e fortalecer a saúde dos polinizadores, tanto para os indivíduos quanto para suas comunidades e para as comunidades vizinhas.
Essas descobertas significam um avanço no conhecimento científico, permitindo aprimorar as técnicas de manejo de abelhas, ou propiciar condições para abelhas silvestres, permitindo manter sob controle infecções de origem parasitária, melhorando a capacidade de sobrevivência dos polinizadores.
Abelhas separam números pares de ímpares
Para demonstrar que as abelhas entendem a diferença entre par e ímpar, os pesquisadores colocaram cartões com diferentes quantidades de formas geométricas (triângulos, quadrados, círculos) ao lado de alimentadores de abelhas. Um conjunto de abelhas foi treinado para associar 2, 4, 6 e 8 formas com água açucarada (que as abelhas adoram!) e 1, 3, 5 e 7 com quinino, que as abelhas odeiam. Para um segundo grupo foi ensinado o contrário, ímpares com água açucarada e pares com quinino. Veja detalhes em http://bitly.ws/qDhw.
Uma vez que as abelhas demonstraram sua capacidade de escolher o número adequado, associado ao comedor com água açucarada, elas foram confrontadas com a escolha entre comedouros marcados com 11 e 12 formas. Acontece que as abelhas nunca tinham sido expostas a cartões com nenhum desses dois números de formas, pois, no treinamento, as quantidades chegavam, no máximo, a 7 ou 8. No entanto, aquelas que foram ensinadas a associar números pares com recompensa (água açucarada) voaram, predominantemente, para o alimentador de 12 formas, enquanto aquelas treinadas a preferir números ímpares escolheram o alimentador que continha 11 formas. A taxa de sucesso das escolhas foi superior a 70%, o que conferiu segurança para afirmar que a diferença era real e não devida ao acaso, de acordo com o devido tratamento estatístico.
Mais do que mera curiosidade, aparentemente inútil, essa descoberta levanta questões interessantes: será que as abelhas usam a matemática na sua faina diária? Diferenciando flores pelo número de pétalas ou estames? Aprimorando a forma hexagonal perfeita das células dos favos? Orientando-se para buscar alimentos e retornar à colmeia (ou ninho? Traçando rotas de coleta que gastem menos energia? Novas pesquisas responderão a essas perguntas.
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