Crisopídeos no controle biológico em café

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Alessandra Marieli Vacari
Doutora em Entomologia, professora e pesquisadora – Universidade de Franca (Unifran)
alessandra.vacari@unifran.edu.br

Divulgação

Nesta matéria é abordada a interação da lavoura cafeeira com artrópodes-pragas e os predadores conhecidos como crisopídeos. Esses predadores consomem pragas-chave, como o lepidóptero bicho-mineiro (Leucoptera coffeella), o ácaro-vermelho (Oligonychus ilicis) e o ácaro-da-leprose (Brevipalpus phoenicis).
Por meio da utilização do controle biológico utilizando crisopídeos, as lavouras de café passam a ser mais equilibradas, favorecendo a ocorrência de outros insetos benéficos, como abelhas e vespas predadoras e parasitoides, sendo esses últimos também inimigos naturais do bicho-mineiro.

Como reconhecê-los

Os adultos de Chrysoperla spp. se alimentam apenas de néctar, pólen e honeydew de insetos sugadores, mas suas larvas são predadoras ativas. Os adultos voam ativamente, principalmente durante a tarde e a noite, e têm um voo característico.
O comportamento de oviposição das fêmeas é noturno e os ovos são colocados isolados ou em grupos pequenos. O pedicelo é a principal defesa dos ovos contra canibalismo e/ou contra outros predadores, como as formigas. O tempo de desenvolvimento embrionário dos crisopídeos varia de três a 12 dias, dependendo da espécie, condições ambientais e alimentação das fêmeas.
As larvas passam por três instares, cuja duração varia de nove a 15 dias e depende da espécie, de fatores ambientais e tipo de alimento. As larvas de crisopídeos podem escolher lugares diversos para formar as pupas, mas geralmente são encontradas em folhas ou partes de plantas onde são observadas suas presas, como pulgões, mosca-branca, cochonilhas, tripes, ácaros, ovos de lepidópteros, lagartas pequenas e outras presas potenciais.
Para proteger a pupa, as larvas de crisopídeos constroem em seu último instar, um casulo ovoide formado pela união de duas camadas de fios de seda. A duração da fase da pupa depende das condições ambientais e das características intrínsecas de cada espécie.

Predadores naturais

Chrysoperla spp. há muito tempo é considerado importante predador natural em muitos sistemas de cultivos agrícolas, incluindo hortaliças, frutíferas, nozes, forrageiras, plantas ornamentais, além de cultivos em estufas e florestas.
Em alguns países, eles estão entre os inimigos naturais mais comumente usados e comercialmente disponíveis. Atualmente, duas espécies de Chrysoperla (C. carnea e C. rufilabris) são criadas e comercializadas na América do Norte e na Europa. Outras duas espécies, C. externa e C. nipponensis são comercializadas na América Latina e na Ásia.

Opções no Brasil

No Brasil, a espécie Chrysoperla externa foi registrada no MAPA para comercialização. Existem três empresas brasileiras que já conseguiram a liberação do registro, sendo o primeiro obtido em novembro de 2021.
Atualmente, os predadores crisopídeos são liberados no Brasil em grandes culturas, como em cafeeiro, em aproximadamente 60.000 hectares por ano.
Entretanto, outras empresas já solicitaram o registro no MAPA e os predadores poderão ser comercializados abrangendo outras culturas, sendo que a maior parte das liberações atualmente ocorrem em cafeeiro, o que proporcionará o aumento da área tratada. O valor de mercado é próximo de R$ 150,00 o hectare, com liberação de 1.000 ovos por hectare, incluindo os predadores e a liberação com drone.

Em estudo

Pesquisas recentes conduzidas na Universidade de Franca pela equipe coordenada pela doutora e professora Alessandra Marieli Vacari indicaram resultados positivos no controle de bicho-mineiro, Leucoptera coffeella (Lepidoptera: Lyionetiidae), utilizando predadores da família Chrysopidae (Neuroptera), tanto em laboratório como em campo.
Em pesquisas de laboratório foi observado que larvas de terceiro instar de Chrysoperla externa podem consumir sete a oito larvas ou pupas de bicho-mineiro. Além disso, em pesquisas utilizando um equipamento chamado olfatômetro, quando os predadores tiveram escolha entre plantas infestadas com lagartas ou pupas de L. coffeella, as larvas do predador C. externa não apresentaram preferência pela fase de desenvolvimento da praga.
É importante destacar que esses resultados foram obtidos utilizando larvas no interior das minas e pupas no interior do casulo, simulando as reais condições de campo. Em estudos focados na biologia dos predadores, observou-se que C. externa completou o seu desenvolvimento de ovo a adulto em 36 dias a 25°C, e que cada fêmea colocou, em média, 205 ovos, quando as presas foram pupas de bicho-mineiro.
Em pesquisas de campo sobre a biodiversidade de crisopídeos, os predadores foram coletados durante dois anos em áreas de café orgânicos e convencionais da região da Alta Mogiana, sendo encontradas 13 espécies de Chrysopidae. A espécie C. externa representou 94% dos indivíduos coletados.
Em programas de controle biológico aumentativo utilizando crisopídeos, principalmente em área de café, geralmente são recomendadas pelas empresas liberações inundativas de 1.000 ovos por hectare.
No entanto, em pesquisas em campo, após quatro liberações de 3.000 ovos por hectare do predador C. externa, a infestação de L. coffeella foi reduzida de 70% de larvas vivas para 9%.
Assim, os resultados obtidos pela equipe coordenada pela professora Alessandra abrem a possibilidade concreta de utilização do predador C. externa para o controle de bicho-mineiro no Brasil. No entanto, a equipe da professora ainda irá conduzir pesquisas futuras e outras estão em andamento, para que possa ser mantido o sucesso desse novo programa de controle biológico no Brasil.


Palavra de produtor

João Vieira de Ávila é produtor de café em 4,0 ha no município de Romaria (MG), no sítio Olhos D’água. Há dois anos ele utiliza crisopídeos em sua lavoura, e como benefícios ele destaca o melhor controle do bicho-mineiro. “Meu custo é de R$ 150,00/ha por soltura. Depois que iniciei esta técnica, passei a utilizar menos agrotóxicos agressivos, os quais não estavam sendo eficientes, ainda que o custo fosse muito alto. E o pior, eu tinha menos café na colheita para pagar a conta”, relata.
Com menos aplicações químicas, o produtor também ajudou o consumidor, que poderá tomar um café mais puro.

Todo mundo ganha

Para ter sucesso com o uso de crisopídeos no controle do bicho-mineiro, é preciso usar produtos que o agridam, mantendo o equilíbrio da natureza. “Nós, agricultores, estávamos precisando de alternativas mais saudáveis. Antes de usar este ‘inseto devorador de bicho-mineiro’, eu aplicava defensivos químicos de 15 em 15 dias, e foi ficando cada vez pior. Cheguei a esqueletar o café por ter perdido devido ao uso excessivo de químicos. O resultado – não tive colheita, e foi quando procurei a Emater para me auxiliar. A sugestão foi o usode crisopídeos, que a princípio não acreditei. Mas, hoje minha lavoura melhorou muito”, assegura João Vieira.
Luciano Caixeta, mestre em Fitotecnia e diretor de campo da Agiagro, assistiu de perto toda essa mudança no cenário, provocada pelos crisopídeos. “Esta é uma grande aposta para os próximos anos, porque ele é um excelente predador, reduzindo o índice de inseticidas de forma saudável. Além disso, pode ser aplicado via drone, facilitando seu manejo. Como se trata de um inseto que já está na natureza, ou seja, não é feito nem modificado em laboratório, a única coisa que é feita é sua reprodução e liberação na lavoura”, expõe.
Luciano diz que já presenciou agricultores que reduziram praticamente a zero o uso de inseticidas, como o caso de João Vieira. “O que aconteceu é que voltou o equilíbrio da lavoura, que agora tem mais crisopídeos, joaninhas e aranhas, que são predadores naturais”, conclui.

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