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Brasil lidera ranking mundial de desmatamento florestal

Marcondes G. Coelho-Junior
Engenheiro florestal, mestre em Ciências Ambientais e Florestais, doutorando em Ciências Ambientais e Florestais e analista em Gestão Ambiental e Políticas Públicas no Instituto Centro de Vida (ICV)
marcondes.junior@icv.org.br
Laura Cristina Pantaleão
Engenheira florestal, mestra em Ciências Ambientais e Florestais e especialista em Projetos Sustentáveis, Mudanças Climáticas e Mercado de Carbono (Universidade Federal do Paraná – UFPR)
laurac.pantaleao@gmail.com
Tamíres Partélli Correia
Engenheira Florestal, mestra e doutora em Ciências Ambientais e Florestais, e professora – Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IFSUDESTEMG)
tamires.correia@ifsudestemg.edu.br
Ananias Francisco Dias Júnior
Engenheiro florestal, doutor em Recursos Florestais e professor – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
ananias.dias@ufes.br

A perda de florestas tropicais não é um fenômeno isolado geograficamente, ocorrendo em todas as partes do mundo e de forma cada vez mais acelerada, com taxas de desmatamento alarmantes. 

Segundo um estudo da Universidade de Maryland, os trópicos perderam 3,75 milhões de hectares de florestas primárias tropicais no ano de 2021, resultando em emissões de carbono equivalentes às emissões anuais de combustíveis fósseis da Índia.

Brasil no pódio

Conforme dados da plataforma Global Forest Watch (GFW), o Brasil liderou o ranking mundial de desmatamento no ano de 2021, quando o Brasil perdeu aproximadamente 1,6 milhão de hectares de vegetação nativa, quase metade de toda a área desmatada no mundo.

O país que ocupa a segunda posição é a República Democrática do Congo, com aproximadamente 500 mil hectares desmatados.

O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, produzido pelo MapBiomas, apontou que em 2021 houve um aumento de 20% no desmatamento no país em relação a 2020.

O Estado com maior área desmatada, o Pará, perdeu o equivalente a 24,3% do total desmatado no País. Em seguida estão os Estados do Amazonas, Mato Grosso, Maranhão e Bahia. São Estados que estão na fronteira do avanço de áreas agropecuárias, desde a região conhecida como Amacro, que se liga à região do Matopiba, por meio do Arco do Desmatamento.

A área média desmatada por dia no País em 2021 foi de 4.536 hectares. Essa taxa sugere que o Brasil perdeu, diariamente, uma área equivalente a mais de quatro campos de futebol. Na Amazônia, a estimativa foi de que a cada um segundo, 18 árvores foram cortadas.

Apesar do ritmo acelerado no desmatamento do País, o levantamento do MapBiomas mostrou que menos de 1% dos imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) tiveram alerta de desmatamento. No entanto, a área desmatada nesses imóveis representou 76% de todo o desmatamento detectado em 2021.

O CAR foi criado pelo novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) para ser uma base de dados que integrasse as informações ambientais dos imóveis rurais, podendo ser referência para planejamento ambiental e econômico da área, além de ser utilizado no combate ao desmatamento. Portanto, é possível agir contra as “maças podres do agronegócio brasileiro”, que provocam danos ecológicos, climáticos, econômicos e sociais, manchando a imagem desse setor produtivo.

Vetores do desmatamento

Como fenômeno global, a perda de florestas tropicais tem como principal vetor a expansão para áreas de agricultura. Uma análise recente publicada na revista Science revelou que pelo menos 90% das áreas desmatadas nos trópicos ocorreram em paisagens onde a agricultura levou à perda de florestas.

Contudo, apenas metade foi convertida em áreas agrícolas produtivas. Para a região da Amazônia, maior floresta tropical do mundo, a atividade agropecuária é a principal atividade causadora do desmatamento, correspondendo a quase 97% de todos os desmatamentos validados pelo MapBiomas em 2021.

As pastagens ocupam 86% das áreas desmatadas da Amazônia. Entre 1985 e 2021, houve a conversão de 43,5 milhões de hectares de florestas para o uso agropecuário e o bioma perdeu 11,5% da sua cobertura de vegetação nativa.

Um outro fator importante na dinâmica do desmatamento da Amazônia tem sido as áreas abertas para mineração. Quase 75% das áreas mapeadas pelo MapBiomas como mineração correspondem aos garimpos. Somente o Estado do Pará concentrou 64% de toda a área de mineração no bioma, seguido por Mato Grosso (20%).

Vetor

A explosão de garimpos ilegais nas terras indígenas se tornou um vetor importante de desmatamento, uma vez que 30% das áreas de florestas da Amazônia estão nesses territórios. Os dados do MapBiomas identificaram que em 2021 a área garimpada nas terras indígenas foi 625% maior do que em 2010.

Um problema que vai além da violação aos direitos territoriais indígenas, mas também de segurança, de saúde pública e de direitos humanos, acirrando conflitos e a violência contra os povos indígenas. Em áreas próximas às capitais e grandes centros urbanos, a pressão do desmatamento mostrada pelo MapBiomas foi a expansão urbana. Manaus lidera entre as cidades com maior aumento de “aglomerados subnormais” do País.

No Cerrado, bioma com a segunda maior taxa de perda de vegetação nativa, apesar de ser a savana mais biodiversa do mundo e abrigar as nascentes dos rios mais importantes do País, a área de agricultura teve o crescimento mais acentuado nos últimos anos. Foram 505% de expansão na área de agricultura, com uma perda de 28 milhões de hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2021.

Esses números podem ser explicados pela atração às condições do ambiente para o cultivo de grãos, aspectos econômicos mais convenientes para conversão da terra e a legislação ambiental mais flexível do que na Amazônia, por exemplo.

Ilegalidade

A análise de legalidade sobre o desmatamento realizada pelo MapBiomas revelou que cerca 98% da área desmatada apresenta indícios de ilegalidade. Em nível federal, apenas 5,2% da área desmatada teve ação de fiscalização do Ibama. E quando somadas todas as ações, incluindo dos órgãos Federais, Estaduais e Ministérios Públicos, a área fiscalizada chega a apenas 27%.

Associados ao desmatamento, os incêndios florestais também se mostraram como um fator preocupante para a conservação das florestas e tem como principal causa as atividades antrópicas.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), só entre 2016 e 2021 foram registrados mais de um milhão de focos de incêndios no país, sendo a Amazônia e o Cerrado os mais afetados.

Nas florestas tropicais, o fogo natural é um evento raro devido à alta umidade nesses ambientes. Portanto, as queimadas na Amazônia são resultado de ações intencionais e criminosas.

Geralmente, o fogo é utilizado para eliminar restos vegetais do corte raso da floresta ou como técnica de manejo agropecuário em áreas já utilizadas para tais atividades. Entre os municípios que lideram a área queimada no País estão os Estados líderes na produção agropecuária, provando a relação entre o uso do fogo e o desmatamento pela conversão do uso da terra para agropecuária.

Um estudo recente mostrou que a maioria das ocorrências de incêndios consideradas como anormalmente altas na Amazônia, desde 2003, não ocorreu em condições de secas anormais. Os autores concluíram que a intensificação das queimadas em atividades agropecuárias e do desmatamento agravou a queima dos ecossistemas amazônicos.

Prejuízos

A conversão de uso da terra pela perda de florestas tanto pelo desmatamento como pelos incêndios florestais provoca uma série de problemas ambientais, sociais e econômicos, sob efeito cascata e em diferentes escalas.

Além da perda de biodiversidade, o desmatamento gera a degradação dos chamados serviços ecossistêmicos, como a regulação climática e o tripé da segurança hídrica-energética-alimentar, vitais para a população mundial, bem como ameaça à herança dos valores culturais das pessoas de comunidades locais e povos indígenas sobre as florestas.

Consequências

O desmatamento também causa a fragmentação florestal, que nada mais é do que desmatar áreas de florestas ao ponto de deixar apenas pequenas áreas com vegetação em meio a áreas grandes desmatadas. Essa falta de conexão entre as áreas de florestas causa o isolamento de animais e aumenta o efeito de borda, podendo levar à extinção de espécies, uma vez que reduz o fluxo gênico entre essas espécies.

Ainda, o desmatamento causa a perda de solos por processos erosivos e pode levar à degradação. A perda de solos é, hoje, uma ameaça à segurança alimentar da população mundial, pois sem um solo saudável não se tem a produção de alimentos em quantidade e qualidade suficientes para garantir a distribuição e acesso aos alimentos, como estabelecido pela FAO/ONU.

A perda de florestas também causa perdas culturais, impactando os modos de vida, conhecimento e práticas tradicionais, valores espirituais, opções de recreação, etc. Recursos para medicina e curas para doenças também podem ser perdidos, já que as florestas ainda têm um grande potencial científico a ser explorado.

Prejuízos ainda maiores

Entre vários outros “prejuízos”, o desmatamento demanda dos governos e da sociedade civil o monitoramento, fiscalização e subsídios para transição ecológica justa. Inovar em modelos que valorizem a floresta de pé deve ser primordial para qualquer agenda de retomada econômica pós-pandemia da Covid-19 na região das florestas tropicais.

O que esperar

O ciclo que está posto hoje de derrubar floresta para expandir a área produtiva tende a piorar, porque as novas áreas abertas não têm um aproveitamento adequado do solo, podendo gerar prejuízos que passam de R$ 10 bilhões por ano para o Brasil.

Assim, investir em modos mais sustentáveis de produção, seja na agropecuária ou no extrativismo, por exemplo, passou a ser uma questão mais econômica do que ambiental ou social.

Segundo projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA): algodão, soja, carnes suína, bovina e frango e frutas, em especial a manga, são os produtos que terão maior crescimento na produção nos próximos 10 anos.

Os produtores desses setores precisam estar alinhados às demandas da Agenda 2030 ou serão alvos fáceis para boicote pelo mercado.

Em tempo de emergência climática, a relação direta com as florestas que pode ser destacada é quando uma vegetação nativa é desmatada, dando lugar a outro uso do solo, ocorrendo a liberação de grande quantidade de CO2 para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global e as mudanças climáticas.

As mudanças climáticas, por sua vez, causam ondas de calor, chuvas extremas, intensificação dos fenômenos naturais, como El Niño e La Ninã, alterações no regime das chuvas, alagamentos, inundações, enchentes, desertificações, redução da umidade do ar, redução da disponibilidade de água potável, assoreamento dos rios, com impactos sobre os sistemas agrícolas e a produção de alimentos, insegurança alimentar, a geração de energia, o abastecimento de água, a infraestrutura das cidades e até mesmo podem contribuir para o surgimento de novas pandemias.  

Os causadores das mudanças climáticas

De acordo com o último relatório publicado em 2021 (Sixth Assessment Report – AR6) do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), ficou declarado que as mudanças climáticas são reais e foram causadas pela humanidade.

O desmatamento, as queimadas e a mudança do uso do solo agem diretamente para acelerar e intensificar os efeitos negativos e catastróficos do aquecimento global e das mudanças no clima.

As emissões dos gases do efeito estufa (CO2 e metano, principalmente), acidificam o oceano, diminuindo a produção de oxigênio (nos oceanos é produzida a maior parte do oxigênio que respiramos).

O agravamento do efeito estufa também tem causado um aumento no conteúdo de calor oceânico, com redução na extensão do gelo no Ártico, perda da massa da camada de gelo da Antártica e Groelândia, diminuição na cobertura de neve, com aumento no nível dos oceanos.

O Brasil, ao assinar o acordo de Paris (2015), assumiu um compromisso com a sua nação e com o mundo de diminuir as emissões de CO2, reduzindo as taxas de desmatamento e queimadas, acordo que vem sendo deixado de lado nos últimos anos.

As mudanças futuras em nosso clima e como eles nos afetam dependem das escolhas que nossos governantes tomam hoje. Portanto, as ações mitigadoras que forem tomadas agora não irão resultar em alterações imediatas, mas sim a longo prazo, o que nos torna responsáveis pela qualidade do ambiente que iremos deixar para as gerações futuras.

Tem solução

O Brasil já provou que o combate ao desmatamento na Amazônia é possível e eficaz por meio de investimentos em políticas públicas, acordos privados e sistemas de monitoramento.

A partir do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), o Brasil conseguiu uma redução de 84% na sua taxa de desmatamento em 2012. Apesar do aumento após 2012, as taxas recentes bateram recordes dos últimos 15 anos.

As lições de sucesso no combate ao desmatamento ilegal estão sendo ignoradas pelo atual governo federal. Além de ter encerrado o PPCDAm em 2019, o governo reduziu significativamente o orçamento das agências ambientais e alterou os procedimentos para punir os infratores.

Os últimos quatro anos tiveram uma redução brusca nos autos de infração e multas ambientais, o que deixou o ambiente propício para a prática ilegal. Esse sentimento de anistia dos infratores foi apoiado por instrumentos infralegais e precisa ser duramente enfrentado para uma retomada do controle e combate ao desmatamento ilegal, não somente na Amazônia.

A garantia de participação social é outro elemento-chave para o combate ao desmatamento. O cerceamento da participação da sociedade civil nos processos de construção e monitoramento de políticas socioambientais, experimentado nos últimos anos, cria um espaço onde as regras podem ser facilmente alteradas sem o controle social e a responsabilização que lhe está associada.

Um exemplo de um dos maiores impactos dessa redução da participação social foi o desmantelamento do Conselho Gestor do Fundo Amazônia, que acabou por bloquear mais de R$ 3 bilhões, que seriam destinados em ações relevantes no enfrentamento ao desmatamento e crimes ambientais na Amazônia.

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