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Infecção em aves: risco para a saúde humana

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim de estado de pandemia, mas a Proteção Animal Mundial alerta sobre a necessidade de políticas de crédito e investimento responsáveis para prevenir novas infecções globais

Por Fábio Pasin e Karina Ishida

Nos últimos meses, o vírus causador da gripe aviária, influenza H5N1, voltou a figurar nas manchetes de todo o mundo. Desde outubro de 2021 foram registrados mais de 42 milhões de casos da infecção em aves. Nesse período, 15 milhões de aves domésticas morreram e outras 193 milhões tiveram de ser sacrificadas para evitar a disseminação do vírus. É uma doença de alto risco, letal para aves (domésticas e selvagens) e que causa infecção em humanos por contato direto.

Imagem de svklimkin por Pixabay

O avanço deste vírus fez soar o alerta a respeito da relação entre o bem-estar animal e a saúde humana. A chamada “influenza aviária” tem a transmissão por contato direto ou indireto entre as aves e possui cepas de baixa patogenicidade, ou seja, baixa capacidade de causar quadro infeccioso, e que causam manifestações brandas em humanos. Entretanto, nos últimos 20 anos foram identificados 873 casos e 458 mortes humanas reportadas em 21 países.

A chamada gripe aviária é uma doença grave, de notificação obrigatória e imediata aos órgãos oficiais nacionais e internacionais de controle de saúde animal. Situação que acarreta em barreira sanitária para a comercialização de produtos avícolas, causando grandes prejuízos econômicos para a avicultura comercial.

Este cenário está relacionado aos sistemas de pecuária industrial e intensiva vigentes, como o das granjas de aves e suínos. Este modelo de produção de animais para consumo humano em larga escala confina os indivíduos em galpões ou gaiolas com alta densidade populacional, aumentando o risco de transmissão de doenças. Além disso, há o uso indiscriminado de medicamentos e desinfetantes, que contaminam os solos e afetam o bem-estar dos animais e, consequentemente, a saúde dos consumidores.

Além dos riscos sanitários, os animais deste sistema são submetidos a procedimentos dolorosos, separados precocemente de suas mães e criados em ambientes sem estímulos, onde são privados de expressar seu comportamento natural.
 

Diante dessa realidade, os antibióticos são utilizados não só para tratamento de infecções reais e presentes (uso terapêutico), mas também para prevenir doenças de forma massiva (uso preventivo). Essa administração exagerada e irresponsável contribui para aumentar o processo natural de seleção dos microrganismos e causa o aparecimento de gerações de bactérias multirresistentes, a chamada Resistência Antimicrobiana (RAM).
 

A RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações e adquirem resistência quando expostos a antimicrobianos — classe de medicamentos que, além dos antibióticos, inclui também antifúngicos, antivirais, anti maláricos e anti-helmínticos, por exemplo. Consequentemente, torna-se mais difícil o tratamento de infecções , ampliando o risco de propagação de doenças graves e aumentando o número de mortes em humanos e animais. Atualmente, 1,27 milhão de pessoas morrem a cada ano vítimas de infecções que não respondem ao tratamento com antibióticos. Estima-se que até 2050 esse número salte para 10 milhões.

Vemos, portanto, que a questão requer macro ações preventivas que perpassam desde regulação relacionada ao bem-estar animal, protocolos sanitários mais exigentes e a responsabilização dos atores envolvidos na cadeia do produto. Porém, o pior desta história é que setores estratégicos para assegurar maior governança da cadeia produtiva da proteína animal, como o caso do setor financeiro, parecem não estar tomando as devidas precauções.

As instituições financeiras cumprem um papel central neste cenário, pois são as responsáveis por fomentar, por meio de concessão de crédito e investimentos, empreendimentos rurais e frigoríficos envolvidos na indústria alimentícia. Dessa maneira, cabe a elas a imposição de critérios socioambientais adequados para a formalização dos apoios.

No entanto, ao analisarmos as oito maiores instituições financeiras que operam no Brasil (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander, BNDES, BTG Pactual e Safra), nenhuma delas cumpria, em 2022, os critérios relacionados ao bem-estar dos animais e saúde humana propostos pela rede Fair Finance International. No Brasil, a rede é representada pelo Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), projeto desenvolvido pelo Idec, Proteção Animal Mundial, Instituto Sou da Paz e Conectas Direitos Humanos.

Assim, todos os bancos avaliados na última edição receberam nota zero no tema por não preverem em suas políticas de crédito ou investimento alguns dos critérios considerados básicos, como por exemplo o não apoio a empreendimentos que utilizam métodos de alojamento severamente restritos, que realizam testes irrestritos em animais e que não respeitam as Cinco Liberdades dos Animais.

De modo complementar, vemos que o modelo predominante de produção de proteína animal em larga escala resulta também em impactos relacionados ao meio ambiente e mudanças climáticas, razão pela qual o projeto Guia dos Bancos Responsáveis incorpora a avaliação de critérios relacionados a estes dois temas.

A saúde e o bem-estar dos animais, das pessoas e de nosso planeta são interdependentes. Os sistemas industriais intensivos impulsionam a expansão do cultivo de grãos para o abastecimento de ração animal, o que agrava a emissão de gases do efeito estufa por conta das queimadas e derrubada de florestas. E é por essa razão que as Nações Unidas reconhecem que a pecuária industrial intensiva apresenta um alto risco para a saúde pública e ambiental, fato que reforça a necessidade de políticas de investimentos em sistemas alimentares sustentáveis e agroecológicos.

Dessa forma, atestada a falta de políticas de financiamento que respeitem critérios relacionados ao bem-estar animal, chama-se a atenção para o fato de o dinheiro de consumidores poder estar sendo utilizado para fomentar uma nova crise sanitária, além de colaborar para o agravamento da crise climática e do sofrimento animal.

Vê-se, assim, a necessidade da sociedade civil demandar políticas de crédito e investimento mais responsáveis, que imponham condições socioambientais exigentes a empreendimentos rurais e frigoríficos, aumentando a governança da cadeia produtiva da proteína animal. O apoio condicionado a padrões socioambientais é uma forma de evitar que o retorno econômico de poucos agentes financeiros esteja acima do sofrimento animal e da saúde coletiva.

O resultado completo da última edição do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR) contendo os rankings das instituições financeiras pode ser conferido em nosso site, por meio deste link. Além de ficar melhor informado, o consumidor pode enviar cartas para o seu banco demandando melhores práticas e, se for o caso, mudar de banco.

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