Fernanda Lourenço Dipple
Engenheira agrônoma, mestre e professora de Microbiologia e Fitopatologia – Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)
fernanda.dipple@unemat.br
Um dos temas que mais tem trazido preocupação aos produtores, principalmente do centro-oeste, se refere ao apodrecimento de grãos e vagens, conhecido popularmente como anomalia da soja.
Pesquisas indicam que a causa do problema é biótica, e já é possível indicar que algumas cultivares são mais suscetíveis à anomalia do que outras. Portanto, o primeiro passo do produtor, neste momento, é se atentar quando for escolher variedades para a safra 2023/24.
Conhecendo a doença e a região de sua incidência
A região do médio norte do Mato Grosso, próxima à rodovia BR 163, vem sofrido nas últimas safras (anos agrícolas) de soja com uma doença que preocupa muitos produtores e até pesquisadores.
Porém, por meio de muitas pesquisas e trabalhos no Brasil, todo esse mistério já está desvendado antes de começar essa safra 23/24.
A anomalia da soja pode causar diversos sintomas, como a podridão de grãos, podridão de vagens, abertura de vagem, podridão de grãos com vagem verde, germinação das sementes/grãos nas vagens, etc.
A preocupação é que esta doença está correlacionada com diversos patógenos, condições ambientais e material genético (variedade) mais suscetível, sendo de sintomas complexos e extremamente grave, pois pode afetar drasticamente a produtividade.
Pesquisas a todo vapor
Um ponto inicial que temos que abordar é lembrar em que época do ano realizamos a safra de soja. Apesar de mudar um pouco por região a janela de semeadura, o plantio ocorre no verão, período com bastante pluviosidade e condições favoráveis ao desenvolvimento dos patógenos.
Estes últimos dois anos foram de muitas pesquisas e desafiador para todo o setor de fitopatologia e produção de sementes de soja, principalmente na região da BR 163. Grupos de pesquisas, laboratórios de fitopatologia e empresas privadas, bem como a Embrapa, estavam elucidando mais informações sobre as espécies de patógenos envolvidas e seu controle.
Depois de muitos estudos, foram identificados, na maioria das pesquisas, os seguintes patógenos, com algumas variações de subespécies: os fungos com maior participação em ocasionar os sintomas foram Diaporte/Phomopsis sp.; Fusarium sp; e Colletotrichum sp., com maior participação e isolamento nas lesões com sintomas e sinais.
Também foram isolados fungos de Cercospora sp., e Septoria sp., que são fungos causadores de doenças comuns na soja, como crestamentos, mancha olho de rã, mancha púrpura e mancha parda.
Atenção!
Fusarium sp. e Colletotrichum sp. são patógenos que podem sobreviver em diversas condições ambientais e causar sintomas de podridão desde raiz à sintomas foliares, são patógenos muito comuns nos nossos solos, em restos vegetais e podem potencializar os danos causados por outros patógenos.
Outro ponto extremamente relevante é o manejo fitossanitário realizado na área. Muitas pesquisas comprovam que manejos que abordam várias técnicas podem auxiliar no controle das doenças, bem como dos sintomas de anomalia.
A variedade ou cultivar utilizada também é fator de atenção para o produtor. Então, fique atento à sua região para os materiais de soja que apresentaram mais perdas por podridão de haste, podridão de vagem, podridões de grãos e grãos ardidos. Cultivar sadia e tolerante é uma aliada importante no manejo.
O planejamento da safra começa com o conhecimento da área. Usar tratamento de sementes conforme avaliação de patógenos da área, realizar amostragem e identificar os patógenos, testes de controle de fungos, variação de métodos de manejo de doenças, calendário eficiente de fungicidas e utilizar fungicidas químicos e biológicos é fundamental para controlar essa doença.
Impactos econômicos
Atuo na região de Nova Mutum (MT) há anos. Aqui, nos últimos dois anos a preocupação com esta doença aumentou, porém, também aumentaram as pesquisas, cuidados e a discussão sobre o manejo da anomalia.
Outro ponto importante que as pesquisas descobriram é que, aliado às condições ambientais, os patógenos se tornam mais agressivos em plantas em transição do estágio vegetativo para o reprodutivo, principalmente naquelas sob condições de estresse, como deficiências nutricionais, fitotoxidez, etc.
Essas condições indesejáveis, junto com os fatores bióticos e ambientais (alta pluviosidade, alta umidade, baixa luminosidade, populações elevadas e cultivar suscetível), podem favorecer os patógenos e potencializar os sintomas de podridão até o final do ciclo.
Conforme dados da Embrapa, nossa região corresponde, em média, a 30% da área semeada com soja no estado, onde houve perdas em algumas localidades de até 30%, com potencial de perda por volta de 50 milhões de sacas.
Escolha de cultivares menos suscetíveis
Atenção à escolha da cultivar é fundamental. Assim, fiquem atentos, produtor e engenheiros agrônomos – participem de dias de campo, observem suas cultivares, converse com pesquisadores e outros produtores para garantir, de forma certeira, a escolha do melhor material genético para sua necessidade.
Fique atento para a cultivar que tem problema com seca de haste, quebra e podridão de haste, cultivar que tomba com facilidade, suscetível a doenças, etc.
Manejo eficiente
Começamos a manejar doenças e aumentar a sanidade da lavoura na escolha do tratamento de semente (TS). Mas, atenção, cuidado com TS que não controla ou tem menor eficiência sobre antracnose (Colletotrichum sp.) e fusariose (Fusarium sp).
Use produtos biológicos em TS e, principalmente, em sulco de plantio, como as bactérias do gênero Bacillus e o fungo Trichoderma, que irão auxiliar no manejo de doenças e promover a saúde e crescimento da planta.
Faça uso de fungicidas multissítios como Clorotolanil, Mancozebe e Oxicloreto de Cu, pois diminuem a resistência comparado ao uso de único sítio.
Use misturas de fungicidas compatíveis, bem como uma possível aplicação de misturas, lembrando de variar os mecanismos de ação. Exemplo, o uso de moléculas que possuem efeito de fitotoxidez foliar juntamente com algum nutriente para reduzir o estresse da planta.
Intercale as aplicações e varie os mecanismos de ação. Cuidado com o intervalo entre as aplicações – a maioria dos fungicidas tem efeito de residual de 15 a 20 dias, assim, cuidado com intervalos maiores que este, pois a planta ficará desprotegida e a fonte de inóculo irá aumentar consideravelmente.
Lembre-se que, após o fechamento da entrelinha, fica difícil e diminui a eficiência dos fungicidas, pois muitos possuem reduzida sistematicidade.