Karin Ferretto Santos Collier – Engenheira agrônoma, pós-doutoranda e professora – Centro Universitário Araguaia – karincollier@gmail.com
Janayne Rezende – Engenheira agrônoma e doutora em Entomologia – jrezende@agbitech.com
Marcelo F. Lima – Engenheiro agrônomo e mestre em Proteção de Plantas – mlima@agbitech.com
Geraldo Papa – Doutor e professor – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – Ilha Solteira (SP)
Germison V. Tomquelski – Pesquisador da Fundação de Apoio a Pesquisa Agropecuária de Chapadão (MS)
Lucia M. Vivian – Entomologista – Fundação MT
Marco A. Tamai – Professor – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
A lagarta-do-cartucho Spodoptera frugiperda (Smith, 1797) é nativa das regiões tropicais do continente americano, podendo ser encontrada desde o sul dos Estados Unidos até a Argentina.
É considerada a principal praga da cultura do milho, mas há registros de ocorrência desta praga em aproximadamente 180 espécies de plantas. Além da cultura do milho, a S. frugiperda é encontrada no algodão, no amendoim, no arroz, nas hortaliças, na soja, no sorgo, dentre outras.
No algodoeiro esta praga ataca desde o início da cultura até a maturação, se alimentando tanto de plantas jovens quanto das folhas ou maçãs. Seu “status” de praga no algodoeiro é mais comum nas lavouras do Cerrado, onde é praticada agricultura intensiva. Nesta região são conduzidas duas e até três safras por ano em sistema de sucessão de culturas com plantas hospedeiras como milho, sorgo e soja em sucessão com o algodão.
O clima do Cerrado, com altas temperaturas e baixa umidade relativa do ar, é favorável ao seu desenvolvimento.
Características específicas
A S. frugiperda tem alto potencial reprodutivo, grande capacidade de dispersão, ciclo biológico relativamente curto e se alimenta de várias plantas. Neste cenário de sucessão de culturas, onde são utilizados em excesso inseticidas químicos convencionais, a praga fica exposta às elevadas pressões de seleção por inseticidas, propiciando um ambiente favorável para a evolução da resistência. Como resultado dos fatos apresentados, a S. frugiperda está sendo considerada pelos produtores uma praga de difícil controle.
O controle químico é a estratégia mais usual no algodoeiro, bem como a adoção de plantas geneticamente modificadas (Bt). A escolha dos inseticidas costuma ocorrer em função da sua faixa de preço, optando por produtos mais baratos, deixando as moléculas mais eficientes e mais seletivas para serem utilizadas quando não há mais alternativa.
Os ataques a S. frugiperda no algodoeiro ocorrem principalmente da parte mediana da planta até o ponteiro e a fase crítica vai desde a fase de formação dos botões florais até o aparecimento do primeiro capulho, podendo reduzir significativamente a produção de fibras.
As lagartas eclodem três a quatro dias após a postura e à medida que se desenvolvem procuram as estruturas reprodutivas das plantas de algodão, passando a perfurar folhas, brácteas, flores e maçãs, danificando o interior das flores ou a base das maçãs (Figura 1).
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Figura 1. Resultados de experimentos demonstrando a preferência alimentar de Spodoptera frugiperda pelas estruturas reprodutivas do algodoeiro.
Fonte: AgBiTech.
Inovação
O baculovírus Spodoptera (Spodoptera frugiperda multiple nucleopolyhedrovirus – SfMNPV) surge como uma ferramenta eficaz para o manejo de populações de S. frugiperda na cultura do algodão.
O IRAC Internacional (Insecticide Resistance Action Committee) classificou os baculovírus em uma nova categoria, o Grupo 31. Esses microrganismos apresentam um modo de ação singular, pois são disruptores virais da membrana peritrófica do intestino médio de lagartas.
Na prática, após pulverizados sobre as culturas os poliedros (matriz proteica que reveste os vírions responsáveis pela infecção inicial) são ingeridos pelas lagartas, o que dá início à primeira fase de infecção.
Os poliedros se dissolvem pelo pH alcalino no mesêntero das lagartas, liberando proteínas que rompem a membrana peritrófica e partículas virais que penetram no núcleo das células epiteliais do intestino das lagartas, onde se replicam.
Na segunda fase da infecção, novas partículas virais, os vírions extracelulares (BV-budded vírus), são produzidos e se dispersam pela hemolinfa e traqueia, invadindo outros tecidos da lagarta. Após dois a sete dias desde o início da infecção as lagartas começam a morrer.
O alvo ideal são lagartas pequenas, entre primeiro e segundo instar, pois morrem mais rápido e não causam danos consideráveis à cultura, enquanto lagartas maiores (3° instar) levam mais tempo para morrer e podem, mesmo infectadas, causar danos irreversíveis às estruturas reprodutivas.
E depois?
Apesar de ocorrer algumas diferenças comportamentais entre as espécies, normalmente as lagartas infectadas deslocam-se para a parte superior das plantas, onde permanecem com pouca mobilidade até morrerem, penduradas às folhas das plantas pelas pernas abdominais.
Ao morrerem, as lagartas apresentam corpo bastante flácido, que escurece rapidamente e se rompe com facilidade, liberando uma grande quantidade de poliedros no ambiente. Em alguns casos, devido ao rompimento do tegumento e tamanho diminuto das lagartas infectadas ainda jovens, pode ser difícil encontrar vestígios visuais da ação dos baculovírus.
No caso específico da cultura do algodão, tem-se observado que as lagartas morrem na estrutura reprodutiva entre as brácteas e as sépalas. Em muitos casos, a morte ocorre antes que a pequena lagarta consiga perfurar e danificar o botão ou mesmo a maçã. Inúmeros ensaios de eficácia a campo, nas últimas 4 safras, demonstram que o baculovírus SfMNPV foi capaz de reduzir consideravelmente os danos nas estruturas reprodutivas do algodoeiro.
Eficácia
A eficácia a campo de SfMNPV no controle de S. frugiperda foi avaliada em 34 ensaios com talhões representativos, maiores que 100 ha. Nos experimentos conduzidos na safra 2018/19 em quatro Estados (BA, GO, MT e MS), o inseticida biológico foi comparado ao emprego apenas de inseticidas químicos convencionais.
Os resultados das diversas áreas foram condizentes e apontaram a maior retenção das estruturas reprodutivas de primeira e de segunda posição nos talhões aos quais o baculovírus foi adicionado, em relação aos talhões onde não se utilizou baculovírus (Figura 3).
Figura 3. Porcentagem de retenção de estruturas reprodutivas na primeira e segunda posições de frutificação do algodoeiro – Manejo com inserção do Baculovírus comparado com o manejo do produtor somente com inseticidas químicos.
Fonte: AgBiTech (Dados da Bahia auditados pela SGS do Brasil).
Foi observado um incremento médio de 13,3 estruturas reprodutivas por metro linear em relação ao manejo do produtor devido à inclusão de baculovírus no programa de manejo de S. frugiperda (Figura 4).
Figura 4. Média de incremento do número de estruturas reprodutivas do algodoeiro por metro linear dos talhões com inserção de Baculovírus em relação ao talhão sem inserção do Baculovírus = manejo do produtor).
Fonte: AgBiTech (dados auditados pela SGS do Brasil).
Resultados
Os resultados promissores deste trabalho de cunho prático em grande escala e em condições reais de aplicação intrigaram os pesquisadores. É conhecido que as folhas do algodoeiro apresentam pH alcalino superior a 8, o que teoricamente poderia aumentar a taxa de dissolução da matriz proteica protetora dos poliedros, resultando na inativação das partículas virais por radiação UV e, consequentemente, redução da persistência dos baculovírus no ambiente.
De volta ao laboratório, e para melhor entender a dinâmica de ação do Baculovirus SfMNPV no manejo de S. frugiperda no algodão, conduziram-se experimentos para mensurar o pH das várias partes da planta do algodoeiro.
Verificou-se que o pH das folhas e das brácteas do algodoeiro é alcalino (> 8), porém, as flores e as maçãs têm pH mais próximo da neutralidade < 8 (Figura 5). Além disso, nas flores e maçãs, o SfMNPV encontra um ambiente mais protegido da luz solar.
As partículas virais ficam protegidas nas flores, que depois se fecham e caem ao solo, condições ideais para a sua persistência. Assim, a eficácia do baculovírus SfMNPV sobre S. frugiperda pode estar relacionada ao comportamento da praga nesta cultura, com forte preferência pelas flores.
A localização destas estruturas propicia condições favoráveis para a replicação e persistência de SfMNPV no ambiente.
Figura 5. Fotos à esquerda, mostrando o equipamento e a forma de medição do pH das estruturas do algodoeiro. Gráfico à direita, mostrando os resultados.
Fonte: AgBiTech
Custo-benefício
A inserção do baculovírus no manejo de S. frugiperda no algodoeiro, em relação ao sob custo/benefício, resultou em um investimento adicional de US$ 21,7/ha em relação ao custo do manejo químico.
Porém, os talhões manejados com a inserção do baculovírus tiveram um incremento de produtividade estimado em 25,74 arrobas/ha em comparação à produtividade dos talhões onde foi feito somente o manejo químico convencional.
Este resultado foi estimado levando em consideração a avaliação de mapeamento realizada na pré-colheita. Tomando por base de cálculo a cotação de novembro de 2019 (dólar a R$ 4,18 e arroba da pluma de algodão no Mato Grosso a US$19,14), estima-se uma receita adicional de US$ 196,7/ha. Descontado o investimento de US$ 21,7/ha, estima-se um acréscimo potencial de US$ 175/ha na receita do produtor – quando se inseriu o baculovírus no programa de manejo de S. frugiperda.
A inserção do Baculovírus SfMNPV em programas de manejo da S. frugiperda no algodoeiro apresenta como vantagens a especificidade do modo de ação e a eficiência no manejo da resistência a inseticidas químicos, oferecendo melhor proteção das estruturas reprodutivas da planta e, consequentemente, melhor rendimento.
Assim, a associação do baculovirus em programas de manejo integrado de pragas (MIP) contribui significativamente para manter a população de S. frugiperda abaixo do nível de dano econômico durante todo o ciclo produtivo do algodoeiro.