Debora Kelli Rocha – Engenheira agrônoma, mestre e doutoranda em Agronomia/Fitotecnia – Universidade Federal de Lavras (UFLA) – deborarocha.agro@gmail.com
Everson Reis Carvalho – eversoncarvalho@ufla.br
Raquel Maria de Oliveira Pires – raquelmopires@ufla.br
Professores adjuntos e pesquisadores – UFLA
Produzir sementes com qualidade e em quantidade é um desafio para o setor sementeiro, sendo todas as etapas de produção importantes para obtenção e manutenção dessa qualidade, até o momento da semeadura.
Dentre essas etapas, destaca-se o armazenamento de sementes, que tem por objetivo manter a qualidade construída em campo e lapidada no beneficiamento. O armazenamento requer planejamento e condições adequadas, pois tudo o que foi feito até então para alta qualidade, pode ser perdido se essa etapa for mal conduzida.
Conhecimentos básicos sobre fisiologia de sementes e dos fatores que podem afetar a qualidade das sementes antes e durante o armazenamento são essenciais, tanto no âmbito da produção de sementes quanto da comercialização e do usuário final (agricultor).
O caminho certo
A conservação da germinação e também do vigor de um lote de sementes está diretamente relacionada a alguns fatores, como: espécie, genótipos (cultivares/híbridos), qualidade inicial do lote, umidade das sementes, embalagem, condições e estruturas do ambiente de armazenamento (temperatura do galpão, controle de umidade relativa e ocorrência de pragas e patógenos).
Dentre os fatores citados anteriormente, destaca-se a qualidade inicial do lote de sementes, antes de serem armazenadas, uma vez que sementes com alto vigor no início do período de armazenamento tendem a tolerar melhor essa etapa e apresentar menor queda na qualidade.
A semente de soja, por exemplo, é suscetível a danos durante a colheita, secagem e beneficiamento que podem influenciar negativamente o potencial germinativo e o vigor das sementes no armazenamento.
Fatores como o conteúdo de água e a variabilidade genética influenciam na suscetibilidade das sementes a danos severos. Em muitos casos, esses danos não são suficientes para destruir as estruturas das sementes, mas o aparecimento de rachaduras que levam a anormalidades nas plântulas, maior suscetibilidade à ação de microrganismos e sensibilidade aos tratamentos químicos reduz a qualidade e o potencial de armazenamento dos lotes.
O teor de água das sementes está estritamente ligado à deterioração ao longo do armazenamento, devido à relação direta com o metabolismo, respiração e consumo de reservas. O armazenamento deve ser conduzido de forma a reduzir a intensidade desses fatores, por isso, baixos teores de água nas sementes, baixas temperaturas e umidade relativa do ambiente são consideradas as condições adequadas.
Influência da temperatura e da umidade
Tem-se, de modo geral, que para sementes ortodoxas, na faixa de 5,0 a 14% de teor de água das sementes, para cada 1% de redução no teor de água, dobra-se a viabilidade das sementes. De maneira similar, no intervalo de 0 a 40°C, a redução de 5,5°C na temperatura do ambiente, também duplica a viabilidade.
Preconiza-se como condição adequada de armazenamento que a soma entre a temperatura (T°C) e a umidade relativa do ambiente (UR%) seja menor que 55,5. Mas, vale salientar que essas são considerações gerais médias, uma vez que as especificidades das espécies, dos perfis do lote, da viabilidade econômica e das condições climáticas das regiões durante o armazenamento devem ser consideradas.
Sementes com 11 a 13% de água, dependendo da espécie, apresentam processo respiratório mais baixo durante o armazenamento. À medida que os teores de água aumentam, a respiração também aumenta consideravelmente, acelerando o metabolismo, consumo de reservas e o processo de deterioração. Por isso, a secagem até níveis adequados antes do armazenamento se faz necessária a para a manutenção da qualidade inicial sementes.
[rml_read_more]
No entanto, a água é necessária para manter as sementes “vivas”. Assim, cada espécie tolera um nível mínimo de umidade para manutenção da sua viabilidade, a exemplo de espécies em que as sementes apresentam problemas de viabilidade abaixo de 7%, ou algumas outras que toleram até 2%.
Inovações
As tecnologias aplicadas no armazenamento das sementes vão depender de diversos fatores, dentre eles o volume de sementes e o valor agregado, ou seja, a viabilidade econômica, além das peculiaridades das espécies. Dentre as tecnologias disponíveis hoje no mercado, tem-se desde câmaras frias e secas (exemplo: 10°C e UR: 50%), câmaras frias (10°C), armazéns climatizados (Exemplo: 15 a 20°C), armazéns com tecnologias de isolamentos térmicos na parede e/ou telhado) até armazéns convencionais com instalações adequadas.
Além disso, o uso de uso de refrigeradores móveis e de caminhões refrigerados se torna recorrente. Ainda, deve-se atentar quanto à ocorrência de pragas e patógenos, que podem acarretar em perdas quanti e qualitativas. O não controle da temperatura e umidade favorece a ocorrência e o aumento da população de pragas de armazenamento, a exemplo dos gorgulhos, carunchos e a traça dos cereais, para espécies como milho, sorgo, trigo, arroz e feijão.
Temperaturas elevadas no armazenamento, entre 25 e 32ºC, favorecem a taxa de crescimento populacional das pragas de armazenamento. Portanto, estruturas com pouca ventilação, quentes e úmidas, não devem ser utilizadas para o armazenamento de sementes, mesmo que temporário, devendo-se escolher armazéns secos, limpos e bem arejados.
Sementes armazenadas em ambientes com temperaturas inferiores a 15°C e com teores de água inferiores a 9% têm menor tendência a problemas com insetos-pragas. Além disso, o expurgo e o tratamento inseticida preventivo são importantes fatores no manejo dessas pragas, principalmente em sementes híbridas de milho, frente ao valor das mesmas e à suscetibilidade da espécie.
Alguns outros cuidados são essenciais, principalmente se houver a necessidade de armazenamento de outros tipos de insumos, por exemplo, a área reservada para sementes deve possuir parede divisória para evitar contaminações e degradações das embalagens e das sementes, principalmente quando se tratar de produtos químicos e higroscópicos, como produtos fitossanitários e alguns fertilizantes.
Como controle de qualidade, recomenda-se registrar diariamente a temperatura e umidade do armazém, o que pode auxiliar em algum problema futuro na área comercial. Além disso, os equipamentos de registro de temperatura e umidade devem ser calibrados anualmente para evitar erros de medição.
Boas práticas
As sementes ensacadas devem ser armazenadas sobre paletes, nunca em contato direto com o piso do armazém. Recomenda-se vistoriar todos os paletes antes de colocá-los em uso, e que aqueles impróprios para o uso sejam removidos da área de operação. Os paletes vazios devem ser armazenados fora da área de estocagem, em local coberto, medida importante principalmente para paletes de madeira.
Os sacos de sementes devem ser empilhados de tal forma que constitua uma pilha uniforme e consistente. Sempre atentar quanto à disposição dos sacos (“amarração/travamento”).
A base da pilha de sementes deve estar livre de irregularidades e ser capaz de sustentar o peso exercido pela pilha. Os paletes devem ser colocados a no mínimo 0,50 cm da parede e 1,0 m da tesoura do teto, ou do ponto mais baixo onde se inicia a estrutura do telhado, a fim de evitar contato com o calor e prejudicar a qualidade da semente, uma vez que regiões mais altas e próximas ao telhado tendem a apresentar temperatura elevada.
Além da temperatura, a altura máxima de empilhamento é importante, pois pode ser fonte de acidentes, assim, também deve ser considerado o alcance do equipamento utilizado na movimentação das sementes.
A disposição dos paletes no ambiente de armazenamento deve ser de tal forma que permita a circulação de ar e de pessoas, evitando a formação de áreas abafadas e bolsões de calor, possibilitando o acesso aos lotes para controle de qualidade ou fiscalização.
Além disso, fazer fileira com materiais do mesmo lote na sequência, dentro de uma quadra, para reduzir a necessidade de movimentação dos lotes é essencial. Não misturar diferentes materiais (milho, arroz, soja, etc.), com cada espécie em sua área devidamente identificada, facilita o processo de amostragem dos lotes para verificar a qualidade de sementes, sendo que caso tenha lotes vencidos em estoque, estes devem ser segregados dos demais e identificados como “produto vencido – proibido comercialização”.
Monitoramento
As áreas de armazenagem deverão ser inspecionadas no início e término de cada dia de trabalho para assegurar a integridade das pilhas, bem como deverão ser observadas e organizadas a fim de corrigir possíveis instabilidades das mesmas.
O controle preventivo de pragas (carunchos, traças, etc…) deve ser mantido, seguindo as recomendações para o manejo integrado de pragas de armazenamento, tanto para as sementes quanto para o armazém e arredores. Deve-se manter um criterioso e eficaz sistema de limpeza e higiene do armazém, principalmente quanto às sementes no chão, possíveis contaminantes e poeira.
Legislação e responsabilidades
Na comercialização, no transporte ou armazenamento, a semente deve estar identificada e acompanhada da respectiva nota fiscal de venda, do atestado de origem genética e do certificado de semente ou do termo de conformidade, em função da categoria ou classe da semente. Alguns Estados, no transporte das sementes, exigem a permissão de trânsito de vegetais – PTV.
A nota fiscal deverá apresentar, no mínimo, as seguintes informações:
I – Nome, CNPJ ou CPF, endereço e número de inscrição do produtor no RENASEM;
II – Nome e endereço do comprador;
III – Quantidade de sementes por espécie e ou cultivar
IV – Identificação do lote.
V – Data de fabricação
VI – Data de vencimento
As sementes devem ser comercializadas em embalagens invioladas, originais, do produtor ou do reembalador.
A garantia do padrão mínimo de germinação ou, quando for o caso, de viabilidade, será de responsabilidade do produtor da semente por um prazo máximo de 30, 40 ou 60 dias, dependendo da espécie, após a entrega das sementes, sempre respeitando a validade dos resultados do teste de germinação ou da reanálise desse teste (Boletins de análise de sementes), previstos na Instrução Normativa nº45 de 17 de setembro de 2013. A soja por exemplo, tem validade de seis meses a análise e três meses a reanálise, já o milho híbrido são 12 meses para análise e oito meses a reanálise.
Os prazos das responsabilidades após a entrega das sementes estão na Instrução Normativa nº15 de 12 de julho de 2005 que estabelece que a garantia do padrão mínimo de germinação ou, quando for o caso, de viabilidade, será de responsabilidade do produtor da semente pelos prazos a seguir estabelecidos, contados a partir do recebimento da semente, comprovado por meio de recibo na nota fiscal, observado o prazo de validade do teste:
I – Até 30 dias para as sementes das espécies: café, soja, feijão, algodão, girassol, mamona, amendoim, ervilhaca, ervilha, tremoço e as espécies de leguminosas forrageiras;
II – até 40 dias para as sementes das espécies: milho, milheto, trigo, arroz, aveia, cevada, triticale, sorgo e espécies de gramíneas forrageiras de clima temperado; e
III – até 60 dias para as sementes das espécies de gramíneas forrageiras de clima tropical e das demais espécies não previstas nos incisos anteriores.
Passados os prazos acima, a garantia do padrão mínimo de germinação ou, quando for o caso, de viabilidade, passa a ser de responsabilidade do detentor da semente, ou seja, quem de fato está de posse das sementes, seja revendedor ou agricultor/consumidor, que deverá zelar pela manutenção do índice de germinação até a validade do teste de germinação. Isso explica a importância do armazenamento temporário, pós-entrega.
Próximo passo
Após o vencimento da análise, com data emitida no Boletim de análise de semente, o lote em questão deve ser isolado e identificado como “proibido para comercialização”, quando for o caso de reanálise. Para saber qual a validade do boletim de análise de sementes, além da informação prescrita no documento e na embalagem, deve-se procurar as instruções normativas de cada espécie.
No caso de sementes reanalisadas, visando à revalidação dos prazos de validade do teste de germinação, o lote também deverá estar acompanhado de termo aditivo ao termo de conformidade ou ao certificado de sementes, contendo os novos resultados e o novo prazo de validade, emitido por engenheiro agrônomo ou engenheiro florestal, inscrito no RENASEM – Registro Nacional de Sementes e Mudas – como responsável técnico de laboratório de análise de sementes credenciado no MAPA para a determinada espécie.
Ao reanalisar um lote de sementes e o mesmo atingir o padrão para comercialização, o laboratório deverá emitir um termo aditivo contendo os novos índices de qualidade e validade do lote.
O termo aditivo, emitido pela empresa produtora do lote, é o documento que permite ou oficializa a revalidação de um lote de sementes. A empresa produtora do lote deverá encaminhar cópia do termo aditivo para o comerciante, que por sua vez deverá anexar uma cópia a nota fiscal de venda para o cliente final.
Para os lotes revalidados, por meio do termo aditivo, o detentor da semente deverá colocar uma nova etiqueta ou carimbo na embalagem original, sem prejudicar a visualização das informações originais, contendo a expressão “Sementes Reanalisadas” e o novo prazo de validade do teste de germinação.
De acordo com o subitem IV, do item 24.8, do anexo da IN 09/2005, é obrigação do comerciante comercializar as sementes em embalagens invioladas, originais do produtor ou do reembalador. Esta obrigação tem por objetivo preservar a qualidade de um lote de sementes e evitar fraudes.
Assim, fica claro como o armazenamento de sementes é importante, quando feito corretamente pelos diferentes atores do processo de produção e comercialização de sementes – o produtor de sementes, o revendedor e o agricultor/consumidor, pois, dependendo da forma como é feita, a armazenagem pode afetar drasticamente os níveis de qualidade das sementes produzidas, que inclusive tem respaldo na legislação nacional quanto aos níveis mínimos e suas validades.