Raquel Maria de Oliveira Pires – Professora – Universidade Federal de Lavras (UFLA) – raquelmopires@ufla.br
Miguel Gustavo Herbes – Líder de Agricultura Digital para Produção de Sementes – miguel.herbes@corteva.com
O produtor de sementes gerencia diversos campos de produção de várias cultivares, de diferentes ciclos, plantadas em uma janela de plantio, que passam por diferentes situações de clima e manejo, para, ao final, o processo de maturação e o consequente preenchimento do calendário de colheita.
A inteligência artificial, com seus algoritmos em desenvolvimento, pode analisar imagens de satélite ou provenientes de drones e criar a curva de crescimento das plantas, pontuando os estádios de desenvolvimento da cultura.
Esta aplicação, por exemplo, auxilia nas tomadas de decisão sobre dessecação de um campo de produção, pois é capaz de identificar o estádio do início de maturação fisiológica das culturas, ou mesmo auxilia na organização da estrutura envolvida na colheita, máquinas, caminhões, logística de colheita, uma vez que permite a visão geral dos campos em maturação e com proximidade de colheita.
Quando começar a colheita?
Uma informação importante que guia o início da colheita é a umidade das sementes. Geralmente realiza-se um caminhamento no campo, a coleta de amostras e a posterior análise na unidade de beneficiamento.
No entanto, na otimização desse processo, já se encontra disponível no mercado dispositivos móveis conectados a aplicativo de celulares, que em poucos segundos analisam uma amostra de sementes no campo sem a necessidade de levar amostras até o local do equipamento de determinação de umidade.
Todos os exemplos de ferramentas digitais e suas aplicações são, por si só, um grande avanço para a agricultura em geral e a produção de sementes, mas realizar a análise isolada dos dados não extrai o máximo de benefício das aplicações.
Coletar dados sem que haja a transformação em informação útil, e sem conexão com um sistema de gestão que possibilite a visualização dos dados em conjunto, reduz drasticamente os ganhos da tecnologia.
Neste sentido, as ferramentas digitais precisam estar disponíveis para as pessoas que executam as atividades de campo, por meio de uma interface móvel, um aplicativo de celular com imagens de satélite e outras funcionalidades úteis, e em uma plataforma web para o responsável técnico e/ou gestor da produção, visualizar os dados de diversas fontes de coleta para auxiliá-lo no dia a dia da produção.
Interfaces
Os aplicativos com as funcionalidades digitais para utilização no campo, no entanto, precisam funcionar em modo offline, já que a conectividade nas áreas rurais ainda não está presente.
Como sabemos, a premissa “semente se faz no campo” é verdadeira. O manejo, intempéries e, por consequência, as decisões tomadas com base nas ferramentas digitais, afetam a produtividade e a qualidade da semente e como vamos conduzir a produção de um ou outro campo na unidade de beneficiamento.
Portanto, a utilização de um sistema de gestão, que integra a plataforma das ferramentas digitais de manejo dos campos, é um recurso importante após e a partir da colheita e todos os processos subsequentes, como recebimento, secagem, beneficiamento, tratamento de sementes, etc.
Realidade
Exemplo de uma situação de campo: com o uso de imagens de satélite, foi identificada uma área com baixo índice de vigor vegetativo e a decisão foi colher separado do restante do campo e segregar o produto colhido.
Por meio de um sistema de gestão, esta decisão chega à unidade de beneficiamento. De posse dos dados, as informações e decisões tomadas, que afetam a qualidade das sementes disponíveis em todos os processos de produção, do campo ao beneficiamento, laboratório de análise à comercialização, o produtor de sementes ganha eficiência, otimiza recursos de mão de obra e consegue tomar decisões mais alinhadas com o propósito de produzir sementes de qualidade e ter um negócio mais saudável financeiramente.
Assim como adubos e defensivos agrícolas, as ferramentas digitais também podem ser vistas como insumos que possuem um custo de aquisição e manutenção. Geralmente, para ter acesso a plataformas digitais que disponibilizam imagens de satélite com índice de vigor vegetativo e outras funcionalidades embarcadas, paga-se uma licença de uso anual, ou, conforme negociação com o fornecedor.
Outras funcionalidades, como monitoramento dos campos para gerar alertas de doença e recomendar aplicações de fungicidas, também são possíveis de serem contratadas por área monitorada a um custo por hectare.
Quanto custa?
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Como faixa de custo referência, esses serviços podem ser contratados com valores que vão de R$ 5,00/ha até R$ 15,00 ou R$ 20,00, dependendo do fornecedor, da região e da área monitorada. Softwares e sistemas de gestão mais amplos para a produção também estão disponíveis aos produtores de sementes em módulos, por exemplo, módulo de gestão de campo, de beneficiamento, de laboratório e de comercialização, e são pagas licenças conforme o número de usuários.
Empresas e consultores têm agregado aos seus serviços a opção de coleta de imagens via drone, contratadas separadamente ou já embutidas em seus serviços. Nestes casos, é importante verificar o que é disponibilizado, se somente as imagens ou o serviço de interpretação das imagens para apoiar o manejo no campo.
A transformação digital na produção de sementes é uma mudança de cultura, de entendimento da forma de gestão do negócio baseada em análise de dados e informações. Mas, como toda mudança, a implementação de estratégias também tem suas limitações e equívocos, que devem ser trabalhados e solucionados.
Resultados consistentes
É comum o entendimento de que as ferramentas vão trazer resultados, ou o simples uso de um aplicativo para coleta de um dado vai suportar uma decisão. O voo de um drone, por exemplo, vai revelar uma situação que pode representar risco à qualidade das sementes, mas o equipamento, por si só, é somente um veículo.
O que faz a diferença é saber o que fazer com as imagens coletadas e como aplicá-las no dia a dia da produção. Para evitar este mal entendido, o produtor de sementes deve promover a capacitação das pessoas envolvidas, incentivar a mudança, a adoção de novas tecnologias, discutir o assunto com empresas fornecedoras desses recursos e com consultores da área, e permitir que a inovação faça parte do processo de produção, não como mais uma atividade a ser executada, mas como um recurso que agrega no dia a dia da produção.
Mais do que aplicativos, equipamentos e dispositivos, a transformação digital é a implementação de recursos inovadores e mudança cultural em todo o time envolvido na produção de sementes a campo.
Superando limites
A possibilidade do uso da análise de imagens, dotada de sistemas inovadores baseados na visão computacional e na inteligência artificial, surge como uma alternativa promissora na superação de tais limitações, por consistir de métodos rápidos e objetivos, capazes de sanar possíveis divergências de resultados entre e dentro de laboratórios, além de apresentarem potencial de padronização pela alta consistência das informações obtidas, permitindo ainda que os resultados sejam comparados aos testes tradicionalmente utilizados.
Além disso, a análise de imagens possibilita a medição contínua e rotineira de um mesmo tecido ou organismo vegetal de forma não destrutiva, o que viabiliza o material para avaliações posteriores.
Dos atributos que compõem a qualidade de sementes, o fisiológico é o que mais tem despertado interesse em pesquisas de tecnologia e análise de semente, com resultados favoráveis ao uso de análise de imagens computadorizada de sementes e plântulas, permitindo, inclusive, a otimização da estimativa do potencial fisiológico de sementes.
Outra técnica com o mesmo objetivo de separação de soja verde é a de fluorescência de clorofila, que tem outras aplicações, como a separação de sementes maduras e imaturas, e como marcador do desempenho fisiológico de sementes durante a germinação pelo monitoramento da fluorescência de clorofila.
Para tal, utiliza-se o equipamento de imagens multiespectrais, ou seja, um equipamento que utiliza diferentes comprimentos de ondas eletromagnéticas para captação de imagens. Ele permite, entre outras coisas, a identificação da textura, forma, tamanho, composição química e coloração da superfície de sementes.
No controle interno das empresas produtoras de sementes de milho, também com o equipamento, avalia-se a presença de grãos ardidos nos lotes de sementes com a finalidade de obter a pureza mínima para a comercialização.
Classificação dos grãos
A classificação dos grãos em ardidos e sadios é realizada de forma manual, e este procedimento está sujeito à subjetividade e aos erros humanos. Por meio do treinamento da máquina, permite a separação de grãos ardidos e sadios de milho com uma eficiência de 98%, independentemente do tipo de híbrido analisado, agilizando a classificação das sementes de milho com sintomas de grãos ardidos.
O exame de sementes quanto à infestação de insetos é um dos requisitos estabelecidos pelas normas brasileiras para a liberação de lotes de sementes. A metodologia tradicional prescrita nas Regras para Análise de Sementes envolve a imersão e o corte de sementes individuais, o que é demorado, leva à fadiga visual e coloca em risco a segurança do analista.
A análise de imagens radiográficas, utilizando o equipamento Raios X, é um excelente método para detectar a infestação de insetos, tanto externa quanto internamente às sementes, e já é comprovado o benefício do seu uso, por exemplo, na detecção de danos causados por Sitophilus zeamais em diferentes estádios de desenvolvimento do inseto, em sementes de milho. Diversos outros estudos, hoje, focam na identificação dos mesmos problemas em outras culturas e outros insetos-pragas.
Inovação
Por fim, sendo o Brasil um dos maiores produtores e exportadores agrícolas mundiais, para que o país possa garantir, ou mesmo ampliar, sua capacidade de produção com sustentabilidade, ao mesmo tempo que atende à demanda global por segurança alimentar como um grande exportador de commodities agrícolas, tornam-se necessárias a modernização, a tecnificação e a inovação em toda a cadeia de produção agrícola, convergindo para a agricultura digital como resultado da transformação digital do setor.
É desafiador pensarmos no nosso cenário do campo daqui 10, 20 anos, e fato é, também, que a revolução digital agrícola já começou e somos parte dela. Está na hora: vamos juntos semear e colher o futuro.