Em meio a recordes de temperaturas e outros eventos extremos, como chuvas em volume histórico no Sul e seca severa na Amazônia, pesquisadores apontam que o cenário pode se tornar ainda mais difícil nos próximos anos. Isso porque estudos e projeções recentes apontam a possibilidade de que haja cada vez mais El Niños extremos, com maior intensidade e variação devido às mudanças climáticas. A avaliação é de pesquisadores que participaram nesta quinta-feira (16) da mesa-redonda “Crise climática e desastres como consequência do El Niño 2023-2024: impactos observados e esperados no Brasil”, promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). Clique aqui para a transmissão.
O alerta ocorre em um momento em que a população, sobretudo no Brasil, também está mais vulnerável a desastres, o que fica explícito com o avanço na ocupação em áreas consideradas de risco, por exemplo. Os dados – que também apontam o Brasil entre os dez países com maior área afetada por deslizamentos de terras, além de ter mais de 3.000 km2 de áreas sob risco de desastres climáticos – foram destacados no encontro por José Marengo, membro titular da ABC e pesquisador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). “Imagina o El Niño, que produz chuvas intensas que caem sobre essas áreas. Estamos facilitando os impactos do El Niño. Estamos construindo sobre áreas de risco, e áreas próximas a declives altos, facilitando desastres no futuro”, afirma.
“Os eventos climáticos estão mais extremos e frequentes com as mudanças climáticas”, diz Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro titular da ABC. “Estamos tendo nesse ano um El Niño forte, mas também um Atlântico tropical muito quente”, completa.
O El Niño é o nome dado ao fenômeno marcado pelo aquecimento anormal das águas do Pacífico, situação que costuma elevar a temperatura média global e favorece a ocorrência de eventos extremos, como o volume recorde de chuvas em algumas regiões, caso do Sul do país, e estiagem severa em outras, como no Norte e parte do Nordeste.
Com as mudanças climáticas, pesquisadores que integraram a mesa reforçaram o alerta: as secas e os desastres causados por chuvas podem se tornar mais frequentes –e também mais intensos. Não por acaso, organizações internacionais já apontam que o ano de 2023 tende a ser considerado como o ano mais quente da história.
“O que esperamos nas projeções futuras, que estão cada vez convergindo mais, é que vamos ter mais El Niños extremos, com aumento da magnitude mais desses eventos fortes como estamos vendo agora”, afirma Regina Rodrigues, professora de oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ela lembra que, apesar do El Niño ser um fenômeno natural, ele é afetado pelas mudanças climáticas. “E como consequência, os efeitos estão se intensificando.”
Ainda segundo a pesquisadora, a situação se reflete também na ocorrência de mais La Niñas (fenômeno oceânico caracterizado pelo resfriamento das águas superficiais de partes central e leste do Pacífico Equatorial) múltiplas, em anos consecutivos, além de El Niño mais intenso:
Além de Marengo e Rodrigues, participaram do painel os cientistas Suzana Montenegro, Chou Sin Chan e Carlos Nobre.
Para Chou Sin Chan, que atua no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o ano de 2023 apresenta características distintas a de outros anos. “Estamos entrando em território desconhecido”, aponta. “Nenhum El Niño é igual a outro, mas o que temos notado é que esse fenômeno tem se alterado. E há uma variabilidade maior. Os picos mínimos e máximos estão mais amplos.”
E o que podemos esperar para dezembro e início de 2024?
Segundo Marengo, a previsão é de uma redução de chuva e aumento na seca na região central da Amazônia e no interior do semiárido.
Para Carlos Nobre, a situação indica a necessidade de retomar os investimentos em medidas para atenuar a crise na região, como cisternas.
Diante da possibilidade de El Niños mais extremos, Suzana Montenegro, professora do departamento de engenharia civil da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), elenca ainda entre os desafios a necessidade de fortalecer salas de situação e redes de monitoramento. “Sem isso, não conseguimos comparar os efeitos do El Niño e fazer a gestão da crise”, aponta.
Outros desafios são a criação de protocolos para os períodos chuvosos (como operação de reservatórios para controle de cheias) e de estiagem, ações para retirada de população nas áreas de risco e medidas para garantir boa drenagem urbana.
O problema, porém, vai ainda além. Nobre chama a atenção para o fato de que vivemos o desafio da emergência climática – e a interferência humana tem forte peso nesse cenário.
“O último relatório do IPCC não deixou nenhuma dúvida: é um alerta vermelho porque é uma grande influência antrópica. 99,5% dos cientistas do clima acreditam que o aquecimento global é de influência humana”, diz.
Ele lembra que o país retomou recentemente o protagonismo no debate ambiental, mas ainda precisa adotar mais ações para cumprir os acordos de zerar emissões de carbono – medida necessária diante da meta, firmada pelos países no Acordo de Paris e reforçada em novos acordos, de evitar aumento na temperatura global acima de 1,5ºC.
Segundo Nobre, o aumento no desmatamento na Amazônia e os impactos do derretimento dos mantos de gelo da Groenlândia colocam a região como “a beira de um ponto de não-retorno”, com maior degradação e risco de “savanização” da vegetação.
Antes das apresentações, o evento contou com uma mesa de abertura composta por Marcia Barbosa, secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Regina Alvalá, diretora substituta do Cemaden; Roberto Lent, diretor da ABC e Ana Tereza de Vasconcelos, representando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).