

Gustavo Ricardo Aguiar Silva
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Unoeste
aguiarg.agro@gmail.com
Fábio Rafael Echer
Professor – Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Unoeste
fabioecher@unoeste.br
O nitrogênio (N) é o nutriente mais extraído e exportado pelo algodoeiro, sendo que em lavouras eficientes de alta produtividade a absorção pode ser de 200 a 220 kg ha-1 desse nutriente.
Mais especificamente, para produção de algodão no Brasil, a planta absorve cerca de 60 kg ha-1 de N para cada tonelada de algodão em caroço produzida. Cerca de 55% do N é absorvido durante o florescimento e o pico ocorre entre os 100 e 120 DAE, dependendo da cultivar e da retenção das estruturas reprodutivas.
Além disso, a necessidade de N pela cultura pode variar de acordo com a região (potencial produtivo) e a população de plantas estabelecida. Doses elevadas de N e aplicações tardias podem levar ao crescimento excessivo da cultura, formação tardia das estruturas reprodutivas e diminuição da produtividade e qualidade da fibra.
Já a falta do nutriente leva à clorose das folhas, plantas de menor porte e queda dos botões florais, flores e maçãs jovens. Isso porque o N está ligado a diversas funções fisiológicas na planta, principalmente fazendo parte da estrutura da molécula clorofila e na síntese de aminoácidos e proteínas.
Atuação na planta
O N promove o desenvolvimento vegetativo e reprodutivo das plantas. A ausência de N ou o baixo fornecimento deste limita o crescimento das plantas de algodão e a emissão de novos nós que poderiam originar novos ramos simpodiais.
Consequentemente, há uma limitação na emissão de botões florais e flores, o que leva à redução da produtividade e qualidade da fibra. Além disso, a deficiência de N causa distúrbio fisiológico que afeta negativamente a formação de clorofilas, a fotossíntese líquida, taxa fotossintética bruta, fluxo de elétrons para assimilação de carbono e condutância estomática, limitando o desenvolvimento das plantas.
Há alta correlação da morfologia foliar com o desenvolvimento das estruturas reprodutivas e produtividade, uma vez que a área foliar bem estabelecida é garantia de alta produção de carboidratos.
Também há uma correlação positiva entre os teores de N foliares com a taxa fotossintética líquida, o teor de sacarose e a produtividade do algodão.
Nutrição
Geralmente, a adubação nitrogenada ocorre antes e durante o período reprodutivo do algodão, entre 20 – 30 e 50 – 60 DAE. Esse manejo garante um suprimento adequado de N às plantas durante seu desenvolvimento inicial, que mostra ser importante por acelerar o fechamento do dossel e aumentar a interceptação da radiação solar.
Um estudo feito por Milroy e Bange (2003) mostra que o fornecimento de N em doses adequadas melhora a eficiência de uso da radiação (EUR) do algodoeiro em 80%, comparado ao baixo fornecimento devido ao maior potencial de interceptação da radiação.
Doses ideais de N
Adicionalmente, doses adequadas de N podem aumentar a produtividade do algodoeiro por melhorar a eficiência de uso da água e do nitrogênio. É importante ressaltar que plantas com crescimento exagerado podem limitar a produtividade.
Isso acontece devido ao fornecimento excessivo ou tardio do nutriente que causa o autossombreamento, levando ao abortamento e/ou apodrecimento das estruturas dos terços inferior e médio, onde são encontradas as fibras de melhor qualidade.
Além disso, o enfolhamento excessivo pode dificultar a penetração de luz e de fungicidas, o que deixa o microclima favorável para o aumento da severidade de doenças como mancha-alvo e ramulária, que começam pelo baixeiro.
Vamos à cotonicultura
O Brasil é um grande produtor mundial de algodão, e sua área de produção é de 1,9 milhão de hectares (2023/24) espalhados principalmente no nordeste, sudeste e centro-oeste do país (Conab, 2024).
Cada uma dessas regiões pode oferecer à cultura do algodão um clima diferente, o que torna seu manejo ainda mais complexo. Como mencionado anteriormente, a adubação nitrogenada geralmente ocorre entre 20 – 30 e 50 – 60 DAE em cobertura com fertilizantes convencionais (ureia e nitrato de amônio), que estão mais sujeitos a ter maiores perdas de N devido a sua rápida liberação no solo (lixiviação e volatilização).
Fonte de N
A ureia é a fonte de N mais utilizada, por ter o menor custo por kg de N. No entanto, a aplicação a lanço pode causar grandes perdas na forma de amônia (NH3) e resultar em menores produtividades.
Atualmente, no oeste da Bahia, há fazendas que incorporam o fertilizante ureia (dose total) no solo com 30 DAE do algodão, sendo esse um manejo para diminuir as perdas de N por volatilização.


Novas tecnologias
Para mitigar as perdas de N, novas tecnologias foram inseridas nos fertilizantes nitrogenados, principalmente na ureia. Esses novos produtos são chamados de fertilizantes de eficiência aumentada, divididos em três categorias: fertilizantes estabilizados, de liberação lenta e de liberação controlada.
Há muitos trabalhos na literatura que mostram o benefício do uso dessas novas tecnologias na produtividade das culturas, mas poucos são com algodão. Entre 2015 e 2020, alguns trabalhos que mostram novos manejos na cultura do algodão com ureia de liberação controlada foram publicados, entretanto, são em locais fora do Brasil.
A ureia de liberação controlada (ULC) é o fertilizante ureia com um revestimento (polímeros – resina plástica, termoplástico, polietileno; e enxofre elementar – S) que cria uma barreira física em volta do grânulo que impede sua solubilização rápida, garantindo uma liberação gradual do nutriente.
Liberação gradual
Devido a essa liberação gradual do N, a ULC pode melhorar a eficiência do uso do nitrogênio (EUN) e a produtividade do algodão em 19 e 9,8% em comparação à ureia, respectivamente.
Isso pode estar associado ao sincronismo de liberação do N com a demanda do algodoeiro. Um estudo realizado em solo arenoso em regiões de menor potencial produtivo (baixas e quentes) no Brasil mostra que não há necessidade de aumentar a dose de N fornecida para o algodoeiro ao utilizar a ULC (aplicada aos 25 e 45 DAE), principalmente quando associada a culturas de cobertura.
Além de melhorar a produtividade, a ULC com doses moderadas de N e culturas de cobertura pode aumentar a disponibilidade do N inorgânico nas camadas superficiais de um solo arenoso e melhorar a atividade microbiológica.
Estratégias
Uma outra estratégia que poder ser adotada é a antecipação da adubação nitrogenada utilizando a ULC. Um estudo recente comparou o efeito do manejo antecipado de N com o uso de ULC em relação ao manejo convencional (ureia e nitrato de amônio (NA) em cobertura e ureia incorporada aos 30 DAE (U 30 DAE)) em um solo arenoso, e os resultados indicaram que a antecipação do N na semeadura com ULC pode ser vantajosa.
Figura 1. Ureia de liberação controlada (revestida com enxofre elementar) aplicada no dia da semeadura a lanço.
Na primeira safra do estudo (2020/21), ano com ocorrência de veranicos e corte precoce das chuvas, não houve diferença entre os tratamentos na produtividade e nos componentes de produção, exceto para o número de capulhos, que foi maior com ureia (Figura 2a, b, c e d).
Em contrapartida, na segunda safra (2021/22) o volume pluviométrico foi adequado, e maiores produtividades com o uso da ULC foram observadas quando:
I) ULC foi aplicada na semeadura de forma incorporada no solo com 70% da dose de N, sendo que os outros 30% foram aplicados em cobertura com o fertilizante ureia aos 50 DAE (ULC/U);
II) ULC aplicada com 70% da dose de N na semeadura de forma incorporada e os outros 30% aplicados em cobertura aos 50 DAE com o mesmo fertilizante (ULC 70/30);
III) ULC aplicada com 100% da dose de N a lanço na semeadura (ULC 100 L).
Essas produtividades foram superiores aos manejos com ureia convencional e a ULC aplicada totalmente de forma incorporada na semeadura (ULC 100 I) (Figura 2a), reflexo do maior número e peso do capulho (Figura 2b e c)
Figura 2. Produtividade de fibras e componentes de produção (peso e número de capulhos e rendimento de fibra) em função do manejo da adubação nitrogenada. Barras no mesmo ano agrícola com letras diferentes são significativamente diferentes de acordo com o teste LSD (P<0,05, a>b). As barras verticais representam o erro padrão da média. NA: nitrato de amônio aplicado em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; UREIA: ureia convencional aplicada em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; U 30 DAE: Ureia incorporada na entrelinha com 100% da dose de N aos 30 DAE; ULC/U: ULC com 70% da dose de N de forma incorporada na semeadura e 30% da dose de N com ureia convencional em cobertura aos 50 DAE; ULC 70/30: ULC com 70% da dose de N na semeadura e 30% da dose de N com ULC a lanço aos 50 DAE; ULC 100 I: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura de forma incorporada; e ULC 100 L: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura a lanço.
Produtividade
Quando se analisa o acumulado da produtividade por nó reprodutivo (considerando a soma de todas posições frutíferas do mesmo nó), verifica-se que no primeiro ano (Figura 3a) não houve diferença dos manejos de N.
Porém, na segunda safra, ano de melhor condição hídrica, os tratamentos com melhores produtividades continuaram acumulando produtividade (retenção e peso de estruturas reprodutivas) do 17° ao 21º nó (Figura 3b), o que indica que houve uma limitação de N quando se usou fontes tradicionais em solo arenoso com boa disponibilidade hídrica.
A ULC proporciona uma liberação de N mais lenta do que as fontes convencionais de N, melhorando o uso de N pelas culturas. Os tratamentos ULC/U, ULC 70/30 e CRU 100 L podem ter melhorado a absorção de N pelo algodoeiro durante o desenvolvimento das maçãs nos terços médio e superior da planta, garantindo sua fixação e o ganho de peso.
Figura 3. Produção de fibra acumulada por nó de frutificação em função do manejo da adubação nitrogenada. ns: não significante; *: significante a 5% pelo teste LSD. NA: nitrato de amônio aplicado em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; UREIA: ureia convencional aplicada em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; U 30 DAE: Ureia incorporada na entrelinha com 100% da dose de N aos 30 DAE; ULC/U: ULC com 70% da dose de N de forma incorporada na semeadura e 30% da dose de N com ureia convencional em cobertura aos 50 DAE; ULC 70/30: ULC com 70% da dose de N na semeadura e 30% da dose de N com ULC a lanço aos 50 DAE; ULC 100 I: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura de forma incorporada; e ULC 100 L: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura a lanço.
Comparativo
Além de melhorar a produtividade em comparação às fontes convencionais (nitrato de amônio e ureia), o manejo com ULC também aumentou os teores de amônio (NH4+) no solo no pleno florescimento do algodão (Figura 4a), porém, não afetou os teores de nitrato (NO3-) no solo (Figura 4b).
Apesar disso, não houve efeito dos tratamentos no teor de N foliar (Tabela 1), com pouco efeito na qualidade de fibra (Tabela 2).
Figura 4. Teores de amônio (NH4+) e nitrato (NO3-) no solo na profundidade de 0 – 20 cm no pico de floração do algodoeiro em função do manejo da adubação nitrogenada. Letras maiúsculas comparam estações. Letras minúsculas comparam tratamentos na mesma estação. a>b a 5% de probabilidade pelo teste LSD. As barras verticais representam o erro padrão da média. NA: nitrato de amônio aplicado em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; UREIA: ureia convencional aplicada em cobertura aos 20, 40 e 60 DAE; U 30 DAE: Ureia incorporada na entrelinha com 100% da dose de N aos 30 DAE; ULC/U: ULC com 70% da dose de N de forma incorporada na semeadura e 30% da dose de N com ureia convencional em cobertura aos 50 DAE; ULC 70/30: ULC com 70% da dose de N na semeadura e 30% da dose de N com ULC a lanço aos 50 DAE; ULC 100 I: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura de forma incorporada; e ULC 100 L: ULC com 100% da dose de N aplicada na semeadura a lanço.
Tabela 1. Teor de N nas folhas do algodoeiro (g kg-1) em função do manejo da adubação nitrogenada. a>b pelo teste LSD (P<0,05).
Manejo do N | 2020/21 | 2021/22 | ||
NA | 39.5 a | 41.0 a | ||
UREIA | 39.7 a | 43.0 a | ||
U 30DAE | – | 43.1 a | ||
ULC/U | 40.2 a | 42.6 a | ||
ULC 70/30 | 40.4 a | 42.4 a | ||
ULC 100 I | 40.2 a | 42.0 a | ||
ULC 100 L | 39.9 a | 42.2 a | ||
CV% | 4.7 | |||
Tabela 2. Qualidade da fibra (micronaire, resistência, comprimento e índice de fibras curtas (SFI) em função do manejo da adubação nitrogenada. Valores na mesma coluna com letras minúsculas diferentes são significativamente diferentes pelo teste LSD a 5% de probabilidade (a>b).
Fontes de nitrogênio | Micronaire | Resistência | Comprimento | SFI | |||||
mg pol-1 | gf TEX-1 | mm | % | ||||||
2020/21 | 2021/22 | 2020/21 | 2021/22 | 2020/21 | 2021/22 | 2020/21 | 2021/22 | ||
NA | 3.8a | 4.4a | 36.5a | 32.2a | 31.3a | 29.8a | 7.1a | 7.0b | |
Ureia | 3.6a | 4.2a | 35.8a | 32.5a | 30.9a | 29.8a | 7.8b | 7.3b | |
U 30 DAE | – | 4.3a | – | 33.2a | – | 30.6a | – | 6.5a | |
ULC/U | 4.0a | 4.4a | 35.5a | 33.5a | 31.2a | 30.2a | 7.6ab | 7.1b | |
ULC 70/30 | 3.7a | 4.5a | 35.0a | 32.1a | 31.3a | 29.8a | 7.4ab | 7.1b | |
ULC100 I | 3.7a | 4.2a | 35.1a | 32.3a | 31.4a | 29.5a | 7.3ab | 7.2b | |
ULC 100 L | 3.9a | 4.2a | 35.7a | 32.3a | 31.5a | 30.0a | 7.1a | 6.7a | |
CV% | 8.5 | 4.3 | 2.1 | 6.5 | |||||
Fibra premium | 3.5 – 4.5 | >27 | >27.4 | < 10 | |||||
A ULC pode melhorar a eficiência de uso do N no algodoeiro, reduzir as perdas e contribuir para a melhoria da produtividade, o que pode resultar em economia de fertilizantes, além de melhorar a eficiência operacional e reduzir os impactos negativos de fitotoxidez provocada pela aplicação de fertilizantes nitrogenados em pós-emergência.