Os plantios de Pinus no Brasil ocupam uma área de 1.9 milhão de hectares, segundo o relatório de 2023 da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas. É a segunda espécie florestal mais plantada no país, atrás apenas do eucalipto.
Pela grande relevância econômica do Pinus, a recente descoberta de uma nova praga que vem atacando plantações no Estado de São Paulo, gerando prejuízos significativos e com risco real de disseminação para outras áreas, acendeu um sinal de alerta no setor florestal.
Denominada Sirex obesus, a nova praga é uma espécie de vespa-da-madeira originária do sul dos Estados Unidos e do México, e foi detectada e identificada no Brasil pela equipe do professor Carlos Frederico Wilcken, do Departamento de Proteção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, câmpus de Botucatu.
A nova vespa-da-madeira tem potencial para causar vários danos às árvores de Pinus, inclusive a morte, que decorre da ação do fungo patogênico Amylostereum areolatum, inoculado no momento em que a fêmea do inseto deposita seus ovos no tronco da árvore. O fungo cresce dentro do tronco, matando as células da árvore e bloqueando os traqueídeos, os canais por onde a seiva circula. A árvore morre após 3 ou 4 meses do ataque do inseto.
Enquanto o fungo age, as larvas da praga se alimentam da madeira fazendo canais ou galerias que atingem tanto o cerne (a parte mais interior do tronco) quanto o alburno (a parte externa, mais nova e funcional, das plantas lenhosas). No momento da emergência dos insetos adultos, eles fazem orifícios de saída na madeira. As árvores atacadas também podem apresentar manchas na madeira, causada pelo fungo principal ou por outros fungos secundários. Portanto, mesmo que a árvore atingida não morra, os danos provocados pela praga tornam inviável o uso comercial da madeira.
A presença da praga já foi confirmada em 16 municípios paulistas, entre eles Itararé, na divisa com o Paraná, o principal estado produtor de Pinus no Brasil. Os pesquisadores consideram muito alto o risco dessa nova espécie de vespa-da-madeira se dispersar para o estado vizinho e para a região sul em geral, onde se concentram mais de 80 % das plantações da espécie. E ainda existe o risco da Sirex obesus chegar a outros países do Mercosul, como Argentina, Chile e Uruguai, que também são importantes produtores de Pinus.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já foi notificado da existência da praga e o Programa de Proteção Florestal (Protef), programa de âmbito nacional relacionado com pragas florestais e vinculado ao IPEF (Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais), entidade que integra empresas, universidades e instituições de pesquisa voltadas para o setor florestal, já emitiu um comunicado redigido pelo professor Wilcken, alertando sobre a identificação do inseto.
Conhecendo o inimigo
As empresas e produtores do setor florestal já estão bastante familiarizados com uma outra espécie de vespa-da-madeira, aparentada da Sirex obesus. Denominada Sirex noctilio é considerada a principal praga a atacar o Pinus. O inseto é originário da região do Mediterrâneo (sul da Europa, Oriente Médio e Norte da África) e sua presença nos estados de São Paulo e Minas Gerais e região Sul do país é conhecida desde 1988.
A praga já causou muitas perdas à produção brasileira, especialmente no sul do Brasil durante a década de 1990, notadamente com a mortalidade de árvores da espécie P.taeda, bastante utilizada na fabricação de celulose e indústria de móveis. “Hoje, já existem procedimentos bem definidos de monitoramento e de controle biológico para sua ocorrência. Atualmente há registros de sua presença em nove países como praga exótica ou invasora. E não havia, até este momento, registro de outras espécies de Sirex ocorrendo em plantações de Pinus no mundo”, relata o professor Wilcken.
Em novembro de 2023, durante visita de campo a uma fazenda de produção de Pinus em Buri/SP, o professor encontrou árvores com respingos de resina no tronco, que indicam que houve postura de ovos no local, e com orifícios circulares típicos da emergência de insetos adultos. A propriedade abriga plantações de híbridos de Pinus utilizados na produção de resina. Havia plantios com alta infestação da vespa-da-madeira e a mortalidade chegava a aproximadamente 50 % de árvores. Nesta visita, foram coletadas vivos larvas de diferentes tamanhos, pupas, machos e fêmeas adultos recém-formados e constatou-se inequívocas diferenças morfológicas em relação à já conhecida Sirex noctilio.
Os indivíduos adultos foram levados até o Laboratório de Controle Biológico de Pragas Florestais da FCA/Unesp. Submetidos à análise de DNA mitocondrial, também tiveram amostras enviadas para a equipe do taxonomista Nathan Schiff, do Serviço Florestal dos Estados Unidos (Forest Service), agência do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) que confirmou, por caracteres morfológicos e moleculares, serem da espécie Sirex obesus.
Segundo o professor Wilcken, a identificação foi difícil porque, por ser uma espécie natural do sul dos Estados Unidos e do México, lá ela é controlada por seus predadores naturais, não causando maiores problemas para as árvores. “Por não chamar a atenção, não causar nenhum problema, a espécie é pouco estudada. Por isso não há informações completas sobre seu ciclo e sobre quais espécies de eucalipto ele ataca, mas aparentemente o inseto tem mais de uma geração por ano, enquanto que com a S. noctilio já se sabe que os novos adultos emergem apenas uma vez por ano”.
Outra distinção entre as espécies de vespa é que a S. obesus parece não ter preferência por Pinus taeda. “Nas áreas que vistamos, a S. obesus atacou com mais intensidade as espécies tropicais e os híbridos desenvolvidos para resinagem. No local da detecção, há um pequeno lote de P. taeda onde o inseto está presente, mas a infestação é menor do que nas áreas dos híbridos”, coloca Wilcken. “Porém, se a praga chegar à região sul, a tendência é ela se adaptar com o tempo e atacar cada vez mais o Pinus taeda, a espécie mais plantada na região”. Até o momento, apenas uma espécie de pinus, chamada Pinus elliottiis não sofreu infestações, aparentando ter algum tipo de resistência à praga.
Impactos
Além da região sul, o Pinus é bastante plantado nos estados de São Paulo e Minas Gerais. A produção do Sul é majoritariamente voltada para a fabricação de móveis, aproveitando a leveza e a resistência da madeira. Parte da produção também é utilizada na indústria de celulose.
Em São Paulo a maior produção é voltada para a produção de resina, que será utilizada na indústria química. Os solventes das indústrias de tintas utilizam a resina de Pinus como matéria prima. A resina de melhor qualidade também é utilizada na indústria farmacêutica e de cosméticos. Todos esses segmentos podem sofrer com as consequências da praga e a produção de resina é a que corre riscos mais imediatos.
A extração de resina aumenta a predisposição para o ataque de S. obesus. A resina é uma defesa da árvore. Ela emerge do tronco quando há a ovoposição pelo inseto, expulsando assim os ovos e o fungo patogênico. A atividade de resinagem estressa as árvores que, nesse caso, produzem menos resina, o que as torna mais suscetíveis à ovoposição da vespa. “Pelo que estimamos até agora, num só tronco de Pinus podem ter de 200 a 300 insetos. Qualquer fator que estresse a árvore ajuda a torná-la mais suscetível. As mudanças climáticas, com mais calor e chuva abaixo do esperado no estado de São Paulo podem ter contribuído para estressar as árvores, criando um cenário favorável ao inseto”.
A madeira de Pinus também é a mais utilizada na produção de pallets, usados para a caixotaria no transporte de produtos. “Essa é uma área que pode ser afetada, se houver uma restrição ao uso de pallets de Pinus em produtos exportados pelo Brasil. Mudar métodos de tratamento ou substituir a madeira dos pallets por eucalipto pode aumentar o custo da exportação e tornar produtos brasileiros menos competitivos”.
Manejo da praga
Com a ciência do Ministério da Agricultura e o alerta emitido a todo o setor florestal, as pesquisas devem avançar e determinar a real extensão do problema no país, bem como as melhores estratégias sobre o manejo e o controle da praga. Mas já há a certeza de que o monitoramento dos plantios deve ser intensificado, uma vez que os danos de S. obesus parecem ser mais intensos e o período de emergência de adultos mais longo que S. noctilio.
Assim como acontece no caso da S. noctilio o controle químico não funciona no combate a essa espécie de vespa-da-madeira. Os insetos crescem e se desenvolvem no interior do tronco, o que torna inócuas as aplicações de inseticidas. Os pesquisadores partem do que é feito com a S.noctilio para determinar as possíveis formas de manejo para o S.obesus.
O controle silvicultural, com a realização de desbastes nas plantações, é uma primeira medida. O desbaste consiste na remoção de árvores específicas de um plantio com intuito de gerar maior crescimento das remanescentes. Os desbastes, portanto, tendem a deixam as árvores mais resistentes e saudáveis e, em tese, menos suscetíveis aos ataques dos insetos. Porém, essa técnica perde eficiência nas plantações de Pinus para produção de resina, uma vez que a própria resinagem já vai estressar as árvores.
A outra forma de manejo é o controle biológico, com a aplicação do nematoide parasita Deladenus siricidicola, um verme microscópico criado em laboratório liberado todos os anos pelas empresas e produtores florestais na região sul do Brasil para o combate à S. noctilio. “O nematoide se alimenta do fungo fitopatogênico Amylostereum areolatum no interior da madeira e, quando encontra as larvas do inseto, passa para a fase parasítica, penetrando nas larvas e causando a esterilização das fêmeas adultas. A partir de então, os nematoides se alojam nos óvulos e são dispersados nas plantações de Pinus pelas próprias fêmeas, por meio dos ovos”.
No entanto, há dúvidas se o nematoide conseguirá parasitar larvas de S. obesus como faz com as de S. noctilio. As pesquisas com os nematoides estão sendo conduzidas pela professora Silvia Renata Siciliano Wilcken, do Departamento de Proteção Vegetal da FCA/Unesp. Os resultados, embora ainda preliminares, são preocupantes. “Até o momento não foi confirmada a presença do nematóide D. siricidicola em larvas, pupas e adultos de S. obesus, com mais de 500 indivíduos dissecados”, conta o professor Wilcken. “Se esses nematoides não forem de fato efetivos teremos que tentar usar outros nematoides, mas para isso teremos que prospectar, provavelmente entre as florestas de Pinus nos Estados Unidos, área de origem da praga”.
Da mesma forma, a equipe do professor Edson Luiz Furtado, do Departamento de Proteção Vegetal da FCA já descobriu que o fungo patógeno transmitido pela S. obesus é diferente do transmitido pela S. noctilio. Trata-se do Amylostereum chaeilletii e ainda não se sabe se o nematóide consegue se alimentar dele.
Há ainda uma outra forma de controle biológico que se dá pela ação das microvespas Ibalia leucospoides, que parasita ovos e larvas novas, e Megarrhysa nortoni, que parasita larvas maiores. “São insetos de ocorrência natural, difíceis de criar em laboratório para podermos liberar nas plantações. Estamos trabalhando com eles, mas ainda leva tempo para que sejam alternativas eficientes”.
Para o professor Wilcken, os desdobramentos possíveis para os danos gerados por essa nova espécie de vespa-da-madeira são muitos e o único caminho a ser tomado agora é o de desenvolvimento de políticas públicas para o tema, com integração de ações. “É um problema que pode afetar mais de um setor da economia. É preciso agora envolver o MAPA e as agências estaduais de defesa agropecuária, além das empresas do setor florestal, para termos um levantamento completo, em âmbito nacional, do tamanho do problema. Será necessário fazer campanhas de esclarecimento, enquanto os cientistas buscam dar o suporte necessário em termos de pesquisa”.