Autores
Marília Lazarotto
Mestra em Engenharia Florestal e professora da Faculdade de Agronomia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Carlos Roberto Martins
Pesquisador da Embrapa Clima Temperado
carlos.r.martins@embrapa.br
A nogueira-pecã (Carya illinoinensis) (Wangenh) C. Koch é uma planta nativa da América do Norte, que foi introduzida no Brasil no último século. Seu cultivo vem se expandindo mais fortemente nas últimas décadas, especialmente na região sul do País, embora também sejam encontrados pomares em regiões de maior altitude na região sudeste, pelo clima mais ameno.
A principal finalidade do cultivo de nogueira-pecã consiste na produção de nozes para consumo in natura e processado, já que a noz-pecã possui mais de 70% de sua composição de óleos e com inúmeras pesquisas demonstrando seu grande poder antioxidante e benefícios na prevenção de doenças coronárias.
Com essa tendência de expansão das áreas, também há uma forte tendência no aumento dos problemas fitossanitários, inclusive com doenças e pragas ainda não registradas para a cultura no seu centro de origem.
Alguns estudos realizados no Brasil já identificaram novas pragas e doenças nunca antes registradas, o que dificulta muito o controle e manejo destas e que exige um olhar muito mais atento do produtor e dos técnicos. Dentro dessa perspectiva, também temos a ocorrência de problemas fitossanitários já relatados em sua região de ocorrência natural e em áreas com grande cultivo no mundo.
Nestes casos, como aqui as condições ambientais são diferentes, em muitos casos estas podem ser mais favoráveis para a promoção da disseminação de patógenos e pragas da cultura. Com esse olhar atento devemos nos deter a duas importantes doenças que ocorrem na fase produtiva da nogueira-pecã: a sarna e a antracnose. Engana-se quem imagina que manejar um pomar de nogueira-pecã é fácil, pois essas doenças podem simplesmente inviabilizar a safra.
Primeiro grande problema fitossanitário
Vamos iniciar com a primeira e mais destrutiva doença da nogueira-pecã: a sarna. Essa é a principal doença da cultura em quase todas as regiões de plantio do mundo. A região sudoeste dos Estados Unidos é uma das únicas áreas de escape da doença, já que o patógeno encontra dificuldades no seu ciclo de disseminação em locais com baixa umidade relativa do ar. No Brasil, todas as regiões de plantio da noz-pecã são favoráveis também para a sarna.
A primeira identificação do agente etiológico da doença classificava-o como Cladosporium carygenum, denominação da forma assexual, ou Fusicladium effusum, denominação da forma sexual do fungo. Após estudos recentes de filogenia (Rossman et al., 2016), F. effusum passou a ser chamado de Venturia effusa.
Após essa reclassificação, nos Estados Unidos foi realizado um estudo amplo de taxonomia e identificação do agente causal da sarna na região sudeste do País, onde há maior ataque da doença em grandes áreas de cultivo (Young, et al., 2018).
Pesquisas
No Brasil, em 2016 pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (Walker et al., 2016) realizaram o primeiro estudo com a preocupação de identificação do agente causal da sarna da nogueira-pecã no Sul do País e identificaram as espécies de Cladosporium cladosporioides, C. pseudocladosporioides e C. subuliforme como agentes causais, todos pertencentes ao complexo de espécies de C. cladosporioides, muito embora essa nomenclatura de sarna não seja aceita na América do Norte para descrever a doença porque o agente causal que ocorre lá não foi observado aqui.
Entretanto, não sabemos se o causador da sarna aqui é um complexo de espécies do gênero e se em algum momento ainda encontraremos a espécie Ventura effusa no País.
O que se sabe é que, sendo Venturia effusa ou qualquer das espécies de Cladosporium, os sintomas são facilmente identificados no pomar e devem ser atacados assim que observados seus primeiros sinais, pois o patógeno pode causar perdas na produção que variam entre 50 a 100%, dependendo da intensidade do ataque (Walker et al., 2016).
Sintomas
Os sintomas nas folhas começam a aparecer assim que as brotações de primavera se expandem. Nas folhas aparecem manchas arredondadas de coloração olivácea que, com o desenvolvimento da doença, vão coalescendo, isto é, se juntando e formando manchas mais escuras que logo se espalharão para inflorescências masculinas em desenvolvimento e depois para o pecíolo e epicarpo dos frutos. Aí está o problema.
Quando o ataque é severo no início da formação do fruto, esse se desenvolverá atrofiado ou haverá quedas antes mesmo do preenchimento da noz. Quanto não causa queda, o epicarpo pode ficar aderido à noz, o que também dificultará sua separação no momento da colheita. Em alguns casos, poderão ser observadas lesões rosadas referentes ao ataque secundário do mofo róseo (Cephalosporium roseum), que é oportunista e entra quando rachaduras do epicarpo aparecem após ataque da sarna.
Outro problema muito sério é que, quando há ataques severos da sarna, a tendência é de haver alternância de produção. O período de primavera-verão é crítico para a doença, pois é quando se concentram os dias de maior umidade relativa do ar e temperaturas mais quentes, ótimas para disseminação e reprodução do fungo.
E o controle?
A primeira medida é o monitoramento periódico do pomar para recolhimento de todas as partes com sinais e sintomas, retirando-as e destruindo o material. Pulverizações semanais com fungicidas protetores no início da frutificação até fevereiro muitas vezes são recomendadas.
Entretanto, chama-se atenção para o fato de que não existem fungicidas químicos registrados para a cultura no País e seu uso não encontra amparo legal. Neste sentido, a Câmara setorial da Nogueira-pecã, ligada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação do Estado do Rio Grande do Sul, tem feito esforços para fomentar empresas interessadas em realizar testes com produtos químicos e biológicos para a cultura para que possam ser efetivos e seguros para o meio ambiente e para a saúde humana.
Cultivares tolerantes e suscetíveis
Outra estratégia de manejo, que talvez seja a mais promissora no futuro, é a seleção de cultivares mais resistentes ao patógeno. Em relatos passados, relaciona-se a chegada da doença no Brasil com a entrada das cultivares ‘Wichita’ e ‘Mahan’, que seriam altamente suscetíveis.
Estudos indicam as cultivares ‘Shawnee’ e ‘Barton”, sendo a primeira muito mais suscetível que a segunda, devendo-se, portanto, evitar o uso desta cultivar em zonas de forte ocorrência da doença (Walker et al., 2018).
Um estudo dos Estados Unidos (Thompson e Grauke, 1994) com 36 cultivares demonstrou diferentes níveis de resistência à sarna no País, sendo que algumas das cultivares mais resistentes também são plantadas aqui, tais como: ‘Sucess’, ‘Jackson’, ‘Stuart’ e ‘Diserable’.
Importante ressaltar que nem sempre essas características de resistência se repetem em outros ambientes, pois temos o fator ambiental e o fator variabilidade e evolução do patógeno que podem ser totalmente diferentes de uma área para a outra.
Segundo grande problema fitossanitário
A antracnose afeta diretamente a produção. Segundo relatos de ocorrência no Estado da Georgia (EUA), a doença é causada por Glomerella cingulata (Brenneman e Reilley, 1989), entretanto, a investigação e confirmação da ocorrência desta doença no Brasil ainda não foi publicada.
Na província de Zhejiang, na China, a antracnose é causada por Colletotrichum nymphaeae, que poderia ser a forma assexual de Glomerella sp (Zhang et al., 2019). Esta doença ataca mais a parte inferior da árvore, justamente a porção mais produtiva da nogueira-pecã, ocasionando quedas entre 30 a 50% dos frutos.
No portal Agrofit a antracnose da noz-pecã é tratada como sendo causada por Colletotrichum gloesporioides, mas ressaltamos que não há ainda uma investigação aprofundada e publicada sobre a identificação do agente etiológico aqui no País e é importante destacar que o gênero Colletotrichum exige um esforço enorme em temos de taxonomia e identificação molecular para a correta identificação das espécies.
Independentemente do estudo da identificação do agente etiológico por aqui, o que se sabe é que a antracnose ocorre e causa grandes danos nos pomares, especialmente porque, na maioria das vezes, o produtor só o percebe quando os frutos já estão mumificados.
Os sintomas da antracnose iniciam com manchas amarelo-claras nas folhas, que rapidamente coalescem e passam a atacar os frutos. Neles, surgem lesões deprimidas que rapidamente tornam-se escuras, e logo estes frutos tornam-se mumificados e caem. Os frutos atacados, quando não caem, também têm menor desenvolvimento da noz e esta se torna aderida ao epicarpo, dificultando sua separação no descascamento.
Da mesma forma que a sarna, não há produtos para controle registrados no País, portanto, o monitoramento periódico da ocorrência da doença nos pomares é de extrema importância, assim como a eliminação das partes doentes da planta, porque a permanência de frutos contaminados no pomar propiciará a manutenção da fonte do inóculo para infecções secundárias em ciclos subsequentes e a sobrevivência do patógeno em safras seguintes.
Há de se destacar que várias espécies causadoras da antracnose são fungos que atacam diversas culturas, portanto, restos culturais de outras frutíferas poderão ser também fonte de inóculo.
Temperaturas mais altas, em torno de 26°C, alta umidade relativa do ar e uma lâmina de água livre sobre os tecidos são condições que favorecem o desenvolvimento da doença. Eliminar todos os restos culturais, frutos mumificados, galhos, restos de poda, fazer roçadas de plantas daninhas na saia da planta e podas de ventilação são medidas extremamente importantes para evitar que a doença se espalhe.
Para ambas as doenças, é muito importante que o produtor busque por assistência técnica qualificada e que tenha conhecimento do manejo correto de um pomar de nogueira-pecã, já que muitos problemas fitossanitários podem ser evitados com a correta prevenção, assim como medidas eficientes relacionadas especialmente à nutrição, podas e irrigação.