Um dos assuntos mais comentados nos últimos tempos no setor do agronegócio é a Recuperação Judicial. Apesar da forte evidência na mídia, o tema ainda gera dúvidas para muitas pessoas que estão dentro e fora da porteira.
Pensando nisso, a Revista Campo e Negócios conversou, com exclusividade, com o advogado Adauto do Nascimento Kaneyuki, do escritório J.Ercílio de Oliveira Advogados, especializado e com forte atuação em agronegócio. Confira:
1- Ultimamente se houve falar muito em Recuperação Judicial, mas nem todos sabem, de forma mais profunda, todo o seu significado. Poderia explicar um pouco?
Recuperação Judicial é um instituto previsto em nosso ordenamento jurídico que tem como principal finalidade impedir que empresas que estejam passando por dificuldades econômicas e financeiras, mas que ainda possuam capacidade de continuar com as atividades, possam permanecer ativas. Assim, por meio de um pedido fundamentado, a empresa pede socorro ao Poder Judiciário para que dívidas anteriores ao pedido sejam pagas nos termos de um plano de recuperação judicial que será apresentado pela empresa em RJ e votado pelos credores.
2- Existe um momento mais indicado para se pedir uma Recuperação Judicial?
Quando detectada a crise econômico-financeira que possa levar a empresa a falência. É preciso, porém, que o devedor escolha a timing correto, antes que a empresa seja considerada irrecuperável que nesse caso deve ser decreta a falência.
3 – Sabemos que tudo é muito relativo, mas de uma maneira em geral, pelo que o senhor já acompanhou durante a sua trajetória no agronegócio, quais são as chances de uma empresa realmente ter uma retomada positiva do negócio após uma RJ?
Em primeiro lugar, é importante destacar que a RJ no agronegócio tem um detalhe muito relevante a ser considerado, que é a possibilidade do produtor rural requerer a RJ, mesmo que o cadastro na Junta Comercial, transformando-se de pessoa física em pessoa jurídica, ocorra as vésperas do pedido de RJ. Em geral, as RJs dos produtores rurais têm sido bem-sucedidas a seu favor, pois eles estão conseguindo obter crédito, mesmo após o pedido de RJ. Isso faz com que os produtores rurais nessa situação consigam manter a sua fonte de produção e ter capital suficiente para pagar os planos propostos.
O ponto negativo para o mercado é que os planos de RJ normalmente apresentam formas de pagamentos alongadas e com deságio altíssimo. Logo, os credores que possuem créditos a receber dentro da RJ não são atendidos satisfatoriamente, com o equilíbrio que o princípio da lei pretendia. O credor, em geral, se coloca em situação extremamente fragilizado, pois se votar contra pode ter como consequência a falência e se vota a favor tem um crédito reduzido a receber ao longo de 15 a 20 anos (esse tem sido o prazo padrão requerido pelos produtores rurais).
Já as RJs dos distribuidores de insumos agrícolas possuem características distintas. Raramente conseguem se levantar, pois, em geral, não conseguem mais obter créditos com bancos ou indústrias. E, levando em conta que cerca de 80% do mercado das distribuidoras de insumos trabalha com crédito para pagamento pós-colheita, a sua possibilidade de continuar no mercado é bastante reduzida. Outro fator relevante é que os adquirentes destes insumos agrícolas (produtores rurais) possuem uma gama de opções de compras de insumos agrícolas no mercado e acabam optando por fazer compras em outras empresas concorrentes daquela que pediu RJ.
4- Durante uma RJ, como fica a situação dos credores de uma empresa? É um cenário preocupante para eles?
A resposta depende muito do instrumento/garantia que cada credor obteve ao conceder o crédito. Os credores extraconcursais são aqueles que possuem uma garantia (alienação fiduciária, por exemplo) ou uma modalidade de operação (ex: de barter com CPR física) que os tornam imunes aos efeitos dos planos de RJ. Esses credores podem, por exemplo, iniciar ou prosseguir com as suas cobranças judiciais para requer 100% da dívida (sem deságio), caso o devedor não decida pagar a dívida espontaneamente. Logo, se a empresa ou produtor rural é solvente existe a possibilidade do recebimento do crédito ao longo do processo de execução, em que pese a impossibilidade de o credor extraconcursal conseguir “por a mão” em bens considerados de capital e essencial para a manutenção da sua atividade durante o período de blindagem que é de 360 dias por lei, podendo ser prorrogado pelo juiz até a data da ocorrência da assembleia geral de credores.
Aqueles credores que possuem fiadores e/ou avalistas com patrimônio ou capitalizados e que não tenham, a exemplo do devedor principal, pedido RJ, de um modo geral costumam receber seu crédito em sua totalidade.
Já a situação dos credores concursais é muito preocupante, pois eles estão reféns de um plano de RJ normalmente diabólico. Os planos nem sempre refletem a possibilidade de pagamento dos devedores que se aproveitam deste remédio processual para conseguir vantagens econômicas.
5- Para finalizar, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o trabalho realizado no escritório de vocês relacionado com o agro. Vocês têm colecionado importantes conquistas em decisões e processos em geral?
A J.Ercílio de Oliveira Advogados é uma banca de profissionais especialista no agro, especialmente na ciclo de concessão e recebimento de crédito. Logo, é um escritório que está atualizado com os principais debates na esfera judicial e extrajudicial. Temos colecionado algumas vitórias em nossos Tribunais defendendo os interesses dos credores, tornando-se, inclusive, jurisprudência a ser utilizado a favor do setor. Contudo, não há como negar que existem dessabores causados por decisões judiciais que não acompanham o conceito da lei e a necessidade da urgência quando estamos diante de créditos garantidos por produtos rurais que são sazonais e de fácil comercialização pelos devedores. Há, sem dúvida, uma longa batalha a se percorrer para solidificar os entendimentos legais em nossos Tribunais e trazer a segurança jurídica necessária ao agronegócio.