Mariane Gonçalves Ferreira Copati
Engenheira agrônoma, mestre e doutora em Fitotecnia – Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Jéssica Lino Gomes
Engenheira agrônoma, mestre e doutoranda em Fitotecnia – UFV
Suzimary Oliveira Paula
Engenheira agrônoma e mestranda em Fitotecnia – UFV
A técnica da enxertia consiste em unir duas plantas diferentes com o objetivo de aproveitar as características benéficas de ambas. A planta que doa sua parte aérea é chamada de enxerto ou cavaleiro, a qual deve apresentar todas as características produtivas desejadas pelo mercado consumidor, com relação ao formato, tamanho e qualidade da polpa dos frutos.
Já a planta que doa seu sistema radicular é denominada porta-enxerto ou cavalo, que precisa apresentar raízes vigorosas para melhor absorção de água e nutrientes, dar suporte às plantas e apresentar resistência às doenças as quais se que se deseja controlar. Além disso, o porta-enxerto deve ter boa afinidade com a cultura a que se deseja enxertar.
Vantagens da técnica
Plantas da família das Solanaceaes, como por exemplo a berinjela, pepino, batata, pimenta, tomate e tabaco são afetadas por uma série de problemas, alguns dos quais são considerados estresse abiótico, como temperatura, água, nutrição, ou de natureza biótica, como o ataque de pragas e doenças.
Nesse contexto, a enxertia tem como principal objetivo conferir resistência ao sistema radicular das plantas para permitir seu cultivo em solos contaminados por fungos, bactérias, nematoides e/ou outros problemas.
Além disso, um sistema radicular vigoroso pode garante melhor absorção de água e nutrientes para melhor produção na parte aérea.
Há uma série de vantagens na utilização da enxertia, dentre as quais podemos destacar a produção de mudas sadias e fortes; a recuperação do uso de variedades tradicionais que produzem frutos de alta qualidade, mas que são suscetíveis às principais doenças de solo; maior tolerância a uma série de doenças causadas por nematoides, fungos e bactérias de solo; maior tolerância a temperaturas extremas durante a estação de cultivo; uso eficiente de água e fertilizantes; aumento no rendimento da lavoura; redução no uso de defensivos; melhora na qualidade biológica dos solos; dentre outras vantagens.
Cavalos utilizados para enxertar a muda
A enxertia pode ser realizada tanto entre plantas da mesma espécie como de espécies diferentes. Na cultura do tomateiro, pode-se utilizar o próprio tomateiro como porta-enxerto ou outra espécie do mesmo gênero que seja resistente às doenças e/ou fatores abióticos que se deseja combater, como por exemplo o tomate silvestre, a jurubeba, a berinjela e o jiló.
Na escolha do cavalo mais apropriado, é importante avaliar o objetivo da enxertia e a compatibilidade entre o enxerto e o porta-enxerto. Diversas empresas de sementes comercializam os porta-enxertos para o caso do tomate, resistentes ou tolerantes à murcha bacteriana, fusarium, nematoides, à salinidade do solo, ao déficit hídrico e outros.
As cultivares que estão disponíveis no mercado são, geralmente, híbridos interespecíficos, os quais podem induzir ganhos de produtividade mesmo sob condições adversas de cultivo.
Como deve ser a enxertia
Para que ocorra o sucesso da enxertia, o enxerto e o porta-enxerto devem estar no mesmo grau de desenvolvimento (mesmo diâmetro de hipocótilo). Dessa forma, os tecidos vasculares se alinharão com maior facilidade, para que assim possam voltar a crescer unidos, possibilitando, posteriormente, a absorção de água e nutrientes.
Deve-se escolher os momentos mais frescos do dia para realizar a enxertia e em locais sombreados, assim, as plantas sofrerão menos com o estresse hídrico. No início da manhã e ao entardecer são os horários mais adequados, em decorrência das menores taxas de transpiração.
Existem diferentes métodos de enxertia, e a escolha dependerá da cultura que se deseja enxertar. Nas solanáceas, os métodos mais utilizados são o bisel ou fenda lateral e garfagem ou fenda cheia.
O primeiro passo para a realização da enxertia é semear o porta-enxerto e o enxerto em bandejas para a produção de mudas. Com as mudas bem desenvolvidas, aos 20 – 25 dias deve-se realizar o processo de enxertia.
As ferramentas mais utilizadas são lâmina de barbear ou bisturi e presilhas, ou tubo de silicone, ou plástico filme. Na enxertia por garfagem, o porta-enxerto deve ser preparado com um corte transversal em seu caule.
Em seguida, faz-se uma fenda longitudinal de 1,5 cm no seu topo. Para preparação do enxerto, corta-se transversalmente a muda na altura das folhas cotiledonares, depois faz-se um bisel duplo na extremidade inferior em formato de “cunha” de 1,0 cm.
A enxertia deve ser realizada imediatamente após os cortes. Em seguida, coloca-se uma presilha na junção das duas partes de modo a estabelecer um contato entre elas.
Após a realização da enxertia, as mudas devem ser direcionadas para uma câmara com baixa luminosidade, temperatura ambiente e umidade relativa entre 80 – 95%. Essas condições são necessárias para que não ocorra transpiração ou fotossíntese, pois o sistema vascular das novas plantas ainda não está unido.
As mudas devem ficar sob essas condições por volta de 10 dias. Após esse tempo, devem passar por uma fase de aclimatação, onde são levadas para um local com luz, aumentando o tempo de exposição com o passar dos dias, até estarem completamente ambientadas. Após essa fase, devem ser transplantadas para o local definitivo.
Cuidados necessários
Os principais cuidados nessa etapa são com o manejo dos fatores externos, como temperatura, umidade e luminosidade. É necessário destacar que esse manejo deve ocorrer tanto durante quanto após a enxertia. Além disso, é importante atentar-se à compatibilidade entre enxerto e porta-enxerto e qualidade da muda utilizada para o processo de enxertia.
A temperatura entre 26 a 28°C favorece a produção do tecido do calo, que é essencial para a cicatrização da união das plantas. Temperaturas inferiores a 15°C ou superiores a 32°C são prejudiciais, pois reduzem a formação do calo.
Já em temperaturas elevadas ocorre atraso na sua formação, chegando à morte quando a temperatura fica em torno de 40°C. Após a enxertia, o ideal é manter as mudas entre 20 e 25°C, principalmente nos três primeiros dias. Deve-se atentar, ainda, para a umidade relativa do ar, a fim de evitar a desidratação dos tecidos.
A combinação entre as plantas que irão compor o enxerto determina o sucesso ou o fracasso da enxertia. Quando se utiliza plantas de espécies diferentes é importante se atentar à época de semeadura, para que enxerto e porta-enxerto estejam na mesma fase do desenvolvimento.
Dessa forma, é necessário semear as culturas com intervalos adequados para que ambas estejam prontas para a enxertia na mesma época. Já foram relatadas diferenças entre três a 15 dias entre a semeadura do enxerto e do porta-enxerto para que ambas estejam adequadas para a realização da enxertia.
Atenção
Quando ocorre incompatibilidade, os principais sintomas são a morte rápida da planta, ruptura do ponto de enxertia, baixo índice de sobrevivência do enxerto, não crescimento da muda, amarelecimento e queda das folhas, diferenças marcantes na velocidade de crescimento entre a cultivar produtiva e o porta-enxerto.
A qualidade das mudas utilizadas no processo de enxertia é fator crucial para a compatibilidade e para o sucesso da prática. O pegamento das mudas é influenciado pela sanidade dela, principalmente na superfície de contato entre o enxerto e o porta-enxerto, que pode prejudicar o processo de cicatrização.
Quando ocorre pouca área de união entre os tecidos, o movimento de água e nutriente é prejudicado, mesmo que a região da enxertia tenha apresentado boa cicatrização no início do crescimento.
Desempenho da lavoura
A enxertia é uma técnica que necessita de mão de obra qualificada, porém, é de fácil execução. Pode ser empregada para culturas de alto valor de mercado, como as solanáceas. Atualmente, muitos viveiros já comercializam mudas enxertadas.
O aumento na produtividade com a utilização de mudas enxertadas é variável de acordo com o porta-enxerto utilizado, a qualidade das mudas enxertadas e o manejo da cultura no campo.
No tomateiro, já foram relatados na literatura aumentos de 53 e 60% para a produção no campo e em ambiente protegido, respectivamente. No pimentão, a enxertia promoveu acréscimo de produtividade que varia de 25 a 40%.
Além disso, esses frutos podem apresentar maiores teores de compostos funcionais, como vitamina C, licopeno, caroteno, antioxidantes e sólidos solúveis totais, além das características físicas, como cor, textura firmeza, formato e tamanho de fruto.
Obstáculos
Muitos agricultores ainda não utilizam mudas enxertadas, receosos com o aumento no custo de produção pelo maior preço de aquisição da muda. O custo de uma muda enxertada chega a ser três vezes maior que uma muda sem porta-enxerto em viveiros certificados.
O preço mais elevado de uma muda enxertada está relacionado ao valor dos insumos usados para produzi-la, os quais variam de acordo com a região e a cultivar utilizadas como porta-enxerto. É importante ressaltar que para produzir mudas enxertadas são utilizadas duas sementes de híbridos, e isto já dobra os custos com sementes, bandejas e substratos.
Viabilidade
Quando verificamos o preço de compra da muda enxertada, conseguimos observar que o maior gasto para aquisição dessas é mínimo, quando comparado a todos os benefícios que a técnica proporciona.
Uma muda de tomate convencional está em torno de R$ 0,85, enquanto que uma muda enxertada custa R$ 1,50 – R$ 2,10. Esse valor é rapidamente recompensado com o aumento da produtividade observado nas plantas enxertadas. Em cenários menos otimistas, o aumento de ½ kg na produção de uma planta já é suficiente para pagar o custo adicional de aquisição das mudas enxertadas, ou seja, já compensa a utilização da técnica.