Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica
Em 2020 foi publicado o livro “Agricultura, fatos e mitos” (bit.ly/3NsHgrs), desconstruindo mitos ligados ao agronegócio, reposicionando-os com fatos à luz do conhecimento científico. Nesse texto são elencadas informações adversas ao consumo de produtos derivados de plantas transgênicas, ou a pesticidas a elas associados, nos quais os resultados foram distorcidos para adaptar-se à conveniência da narrativa.
Glifosato, autismo, Parkinson e Alzheimer
Artigo sobre o tema foi publicado em revista pouco conhecida (bit.ly/3TqNprR), por um autor que se intitula “cientista independente e consultor” e outro autor da área de Ciência da Computação. O artigo expressa uma teoria, sem comprová-la. Usa referências selecionadas para não expor o contraditório, as quais não demonstravam a relação entre o pesticida e as doenças elencadas. O editor da revista destacou que o artigo tratava-se de opinião enviesada, com literatura tendenciosa, para suportar a opinião dos autores. O fato é que não há evidência científica da relação entre glifosato e as doenças citadas, como mostra Keith Kloor (bit.ly/3RJ4hJi). O artigo publicado por Mesnage e Atoniou (bit.ly/3RIc6Pj) aplica-se a este parágrafo, extensivo a outros que seguem abaixo.
Glifosato e doenças crônicas Um artigo propôs-se a demonstrar que o glifosato estaria presente, em doses mais elevadas, em doentes crônicos (humanos ou animais) do que em sadios (bit.ly/4apTIC7). No entanto, estão ausentes na publicação informações mínimas necessárias para garantir a confiabilidade do estudo. Não é definido o que são doentes crônicos, não se indica o tipo e quantidade de alimento, o manejo dos animais, ou a idade, sexo, peso, altura ou antecedentes genéticos dos humanos, o que e quanto comeram, se lavaram os alimentos, há quanto tempo suas dietas eram orgânicas ou convencionais, e outros aspectos que poderiam interferir nos resultados. Ou seja, há tantos vieses e condicionantes que não há como corroborar as afirmativas contidas no artigo. OGMs e distúrbios em porcos Um estudo investigou a ocorrência de inflamações estomacais e aumento do útero em porcos alimentados com OGMs (bit.ly/4apAzk2). O artigo foi duramente criticado por cientistas, mostrando não apenas bias na análise (bit.ly/41ljcN3) como afrontas às conclusões de outros cientistas, americanos (bit.ly/3RF4Tzz), europeus (bit.ly/3GII0oz) e chineses (bit.ly/3RJyBn2). O artigo enviesou a análise de resultados de inflamações estomacais e cita, mas não discute, a redução de 50% de anormalidades cardíacas em porcos alimentados com OGMs. Variáveis intervenientes do ambiente ou do sistema de produção de OGMs não foram levadas em consideração (bit.ly/3tsIOed), assim como a alta prevalência de outras doenças nos porcos, apesar de sua possível interferência nos resultados (bit.ly/48nnaqR).
Toxinas de OGMs no sangue
Os autores do artigo alegam haver encontrado a proteína Cry1Ab (presente em variedades Bt, resistentes a insetos) no sangue de grávidas e respectivos fetos (bit.ly/474MOzk). Utilizando os números dos autores, seria necessário o consumo diário de milho Bt entre 0,49 e 5,8 kg, para atingir os teores encontrados no sangue. O limite de detecção do método é de 1ng/ml, porém os autores referem valores de 0,04 ng/ml, indicando a inadequação do teste de Elisa utilizado pelos autores (bit.ly/3NtgK1d), o que pode ter gerado falsos positivos. Importante: seres humanos não possuem receptores para ligação da Cry1Ab, que é inócua aos nossos organismos.
DNA de OGMs transferidos para humanos
Ativistas acenam com o risco de incorporação do DNA de OGMs, em seres humanos (bit.ly/4aoxMqW), citando um estudo de Sandor Spisak e coautores (bit.ly/46VU4xn). A leitura do artigo de Spisak mostra que os autores não concluem que genes de eventos transgênicos transfiram-se para humanos. Na realidade, foram detectados genes de alimentos OGMs em plasma humano, concluindo que flutuam no espaço intercelular, sem integração ao genoma. Até porque, se o gene de um vegetal ou animal OGM pudesse ser assim translocado, todo o genoma de vegetais e animais consumidos pelos humanos o seria. Uma análise interessante sobre o tema foi publicada por Layla Katiraee, geneticista molecular humana, professora da Penn State University (bit.ly/3H3QV4p).
OGMs e tumores em ratos Um artigo identificou tumores em ratos alimentados com OGMs e / ou expostos ao glifosato por longo prazo (bit.ly/41mRiQy). Mas a cepa de rato usada era predisposta a tumores! O estudo não contém análises estatísticas e utilizou poucas cobaias (ratos), impossibilitando afirmar se os tumores eram devido à comida, ao herbicida ou ao fato de que a cepa de ratos desenvolveria tumores independente da comida. O editor da revista que publicou o artigo alertou que o mesmo seria retirado pelas inconsistências, o que levou a uma retratação pública dos autores (bit.ly/3tpVNgH e bit.ly/3v1avv9) na mesma revista.
Glifosato e câncer de mama Um estudo in vitro (bit.ly/3RGMmTB) investigou o efeito de doses de glifosato em duas linhagens de células de câncer de mama: uma sensível ao estrogênio e a outra não. O resultado indicou que o glifosato tem um impacto semelhante ao estrogênio no crescimento do câncer de mama, porém sem diferenças para os resultados obtidos nos controles, e sem impacto na proliferação da linhagem não sensível a hormônios. O resumo do artigo chama a atenção para a necessidade de estudos em animais para comprovação dos efeitos. Os resultados contrariam o obtido em outro estudo (bit.ly/41rpYkw), que demonstrou atividade inibitória do glifosato no crescimento de células cancerígenas, causando apoptose das mesmas, porém sem afetar células normais.
Separando fatos e mitos
Informações científicas adicionais podem ser obtidas no blog do professor Wayne Parrot, da Georgia University (bit.ly/48gxmRK). O avanço inexorável das redes sociais é um campo fértil para a propagação de mitos, inverdades, meias verdades, distorções e interpretações indevidas, dissociadas da boa Ciência. Nossa recomendação é sempre questionar as informações veiculadas, cotejando-as com fatos científicos produzidos por cientistas sérios, vinculados a instituições idôneas, publicados em revistas científicas conceituadas. Contribua com a informação correta: nunca repasse uma informação que não foi devidamente verificada, por mais crível que possa parecer.