Um sistema simples de tratamento de esgoto sanitário nas áreas rurais já está em operação em mais de 3,5 mil propriedades de Minas Gerais, implantados com orientação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado (Emater-MG). São os Tanques de Evapotranspiração (Tevap), espécie de fossa ecológica. E cada um deles impede que 50 mil litros de esgoto por ano sejam despejados no ambiente sem tratamento. Ou seja, em Minas, graças a essa tecnologia de baixo custo disseminada pela Emater-MG, 175 milhões de litros de esgoto estão deixando de poluir os solos e as águas, a cada ano.
E, além disso, são 3,5 mil canteiros de plantas ornamentais e flores enfeitando as residências rurais, em mais de 500 municípios no Estado. “Com essa tecnologia, o esgoto sanitário se transforma em flores”, resume a engenheira ambiental Jane Terezinha Leal, do Departamento Técnico da Emater-MG. Daqui a pouco, você vai entender como acontece essa “mágica”.
Além da coleta e tratamento ecológico do esgoto sanitário, a Emater-MG também oferece assistência técnica para o tratamento e destinação adequada de águas provenientes de pias, chuveiros, ralos e máquinas de lavar (as chamadas “águas cinzas”). São os Círculos de Bananeiras, já implantados em cerca de 1,5 mil residências rurais no Estado. Jane Terezinha explica que os dois sistemas de tratamento de efluentes são complementares.
“São soluções ecológicas, simples e de baixo custo para um grande problema, que é o saneamento básico rural”, afirma a engenheira ambiental. Ela destaca ainda que o número de propriedades beneficiadas deve ser até maior, pois os números citados são apenas dos sistemas instalados com orientação direta da Emater-MG, a empresa que mais investe na disseminação dessas tecnologias no Brasil. “Mas há outras instituições que desenvolvem trabalhos semelhantes, ou mesmo produtores rurais que fazem a implantação por iniciativa própria, com auxílio de vizinhos, por exemplo.”
Jane Terezinha informa que o saneamento rural ainda é um grave problema no Brasil. “Infelizmente, ainda hoje menos de 30% das propriedades rurais contam com coleta e tratamento adequado dos dejetos sanitários. Em mais de 70% delas, o esgoto é lançado a céu aberto ou, no máximo, despejado em fossas rudimentares, o que resulta em grande poluição do solo e dos cursos d´água”, lamenta a coordenadora técnica estadual de Saneamento Ambiental da Emater-MG.
A especialista ressalta que essa água contaminada atrai vetores de doenças como ratos, mosquitos e outros insetos nocivos, pondo em risco a saúde das pessoas. “Os danos sociais e ambientais da deficiência de saneamento básico são enormes”, salienta a engenheira, que lembra ainda do perigo de disseminação do mosquito Aedes Aegypti, responsável pela transmissão da dengue, causa de uma epidemia sem precedentes no Brasil. “Esse mosquito prefere a água limpa parada para se reproduzir, mas também se prolifera em águas sujas”, afirma.
Como funciona
E, afinal, qual o segredo para as fossas tipo Tevap serem tão eficientes para o problema do esgoto nas áreas rurais? São tanques escavados impermeabilizados (para evitar a infiltração de água contaminada no solo), em que são enfileirados pneus usados no fundo. O túnel de pneus vai funcionar como uma câmara de fermentação, onde as próprias bactérias presentes no esgoto sanitário vão fazer a digestão da matéria orgânica presente nos dejetos. O material resultante, já transformado em moléculas menores, vai subir por capilaridade pelas várias camadas de pedras, areia e terra, até ser absorvido pelas raízes de plantas ornamentais cultivadas no solo acima da fossa.
Jane Terezinha Leal explica que as plantas funcionam como uma bomba de água e as folhas são os aspersores que liberam água em forma de vapor para o ambiente. Enquanto isso, a matéria orgânica, já transformada em moléculas pequenas o suficiente para serem absorvidas pelas raízes, vão funcionar como adubo para os vegetais.
Um ponto importante no sistema é que não se deve cultivar sobre a fossa Tevap plantas alimentícias, para evitar o risco de contaminação dos alimentos por agentes patológicos. E, para facilitar a evapotranspiração (liberação do vapor d´água) são indicadas espécies de folhas largas (com muitos estômatos, estruturas que liberam a água para o ambiente e o cultivo deve ser a pleno sol, de 12 horas por dia, para estimular a evapotranspiração.
E outra vantagem é que não é necessário fazer a limpeza da fossa ecológica, como se faz nas fossas comuns, que acumulam lodo no fundo. “A manutenção é como uma jardinagem, com poda das folhas secas e reposição de mudas. A fossa Tevap estará funcionando bem se as plantas estiverem bonitas. E insetos como borboletas e tatuzinhos no solo indicam a saúde do sistema. Além disso, não há retorno de cheiro ruim para o ambiente.
Cuidados
É necessário fazer o dimensionamento da Tevap de acordo com o número de usuários do vaso sanitário na residência. O indicado, para evitar excesso de água no sistema, é a caixa de descarga de até seis litros, como as acopladas atrás do vaso, ou as que são suspensas, muito comuns em áreas rurais. “As válvulas dentro da parede gastam até 50 litros de água por descarga, o que desestabilizaria o sistema”, informa a coordenadora da Emater-MG. Outros cuidados são evitar o uso exagerado de água sanitária ou o lançamento de antibióticos no vaso sanitário (restos de medicamentos, como xaropes). Isso para não eliminar as bactérias presentes, responsáveis pelo equilíbrio biológico do sistema.
Entre as plantas mais adequadas para serem cultivadas acima da fossa ecológica estão a estrelitzia (ou ave-do-paraíso), cana-indica (conhecida também como bananeirinha-de-jardim), maria-sem-vergonha, guaimbé-da-folha-ondulada, Colocasia esculenta (ou inhame-preto), copo-de-leite e hortências. Todas absorvem muita água do solo, ao contrário dos cactos e suculentas, que não são recomendadas para uso na Tevap.
Águas cinzas
Outra tecnologia ecológica de saneamento, que evita água parada no entorno das residências rurais, é o Círculo de Bananeiras. É uma alternativa para a destinação final das águas cinzas oriundas das residências rurais. São as águas que foram utilizadas na lavagem de roupas, nas pias da cozinha e dos banheiros, nos ralos e nos chuveiros.
É um circulo escavado no solo, com profundidade de 60 centímetros e diâmetro de 1,40 metro. O buraco é coberto por material palhoso, como pequenos galhos, folhas e outros restos vegetais. Em volta, são plantadas bananeiras, que têm alta demanda hídrica, o que contribui para retirar a água do solo, impedindo que a vala acumule umidade. É importante cercar o Círculo de Bananeiras para evitar acidentes com pessoas e animais. A abertura do Círculo pode ser feita manualmente, com ferramentas adequadas. O uso de máquina escavadeira facilita o serviço, mas não é indispensável.
Segundo Jane Terezinha Leal, esse sistema e o Tevap são complementares, pois assim as águas cinzas, com um tratamento próprio, não vão ser lançadas juntamente com o esgoto sanitário na fossa ecológica, o que causaria sobrecarga e desequilíbrio biológico. A coordenadora da Emater-MG destaca que os Tanques de Evapotranspiração e os Círculos de Bananeiras não são adequados para coleta e tratamento de efluentes dos currais ou das agroindústrias que existam na propriedade. Nestes casos, existem outras soluções que podem ser indicadas pelos técnicos da Emater-MG.
Atualmente, Jane Terezinha faz mestrado em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – IFMG Bambuí. Ela desenvolve uma pesquisa sobre a ação da assistência técnica e extensão rural na implantação de tecnologias de saneamento ambiental em áreas rurais de Minas Gerais, com ênfase na fossa Tevap e no Círculo de Bananeiras.
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