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Biotecnologia e química verde na silvicultura

Crédito Shutterstock

Com base nos dados do Ministério da Saúde, que indicam que um milhão de pessoas sofrem acidentes com fogo anualmente no Brasil, a química Francine Ceccon Claro criou um curativo de baixo custo para o tratamento de feridas, principalmente queimaduras.

O curativo é feito de nanocelulose extraída da madeira de pinus e pode ser até mil vezes mais barato do que as membranas disponíveis atualmente no mercado. A pesquisa foi desenvolvida como parte do projeto de mestrado de Francine no programa de Engenharia e Ciência dos Materiais da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Inovação rendeu prêmio

O desenvolvimento desse curativo levou a jovem de 26 anos a se destacar entre os quatro brasileiros finalistas do Prêmio Jovem Inovador do BRICS, que reúne pesquisadores dos países membros do bloco – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Francine Ceccon Claro dedicou dois anos de trabalho no Laboratório de Tecnologia da Madeira da Embrapa Florestas, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. A fase de testes foi realizada em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e o Hospital Evangélico, referência nacional no tratamento de queimaduras.

Ela conta que, ao iniciar seu curso de Química, planejava trabalhar na indústria. No entanto, ao começar o mestrado, surgiu a oportunidade de colaborar com a Embrapa, o que redirecionou seu foco profissional. “Percebi que a química poderia ter um impacto mais direto na vida das pessoas”, explica.

Foi assim que nasceu o projeto de aplicação da nanocelulose vegetal na área médica, desenvolvido em conjunto com o pesquisador Washington Luiz Esteves Magalhães, da Embrapa Florestas, que orientou seu mestrado.

A proposta era criar uma alternativa mais acessível e sustentável para curativos. “Atualmente, existe um curativo feito de celulose bacteriana, utilizado em vários hospitais para tratar queimaduras. Porém, devido ao processo de síntese bacteriana, ele é muito caro e de produção lenta”, relata a jovem, que continua suas pesquisas na área durante o doutorado.

Onde entra a nanocelulose

Créditos Embrapa

Pensando nas características da membrana bacteriana, Francine investiu nos testes com nanocelulose da madeira, matéria-prima de maior disponibilidade no mercado e com funções semelhantes às do curativo de membrana bacteriana já conhecido e até do produzido com escama de tilápia – de proteção da ferida e redução da dor.

Ela, então, desenvolveu e caracterizou o curativo utilizando polpa branqueada de pinus, a mesma matéria-prima usada na produção de papel comum. “Pego a polpa e faço um processo de desfibrilação mecânica. Passo em um moinho e obtenho uma nanocelulose”, detalha a pesquisadora.

O processo segue com a nanocelulose obtida tendo as fibras reduzidas a uma escala nanométrica em laboratório. A partir disso, são trabalhadas propriedades da matéria-prima, como a translucidez, que favorece o tratamento sem a necessidade de retirada do curativo para avaliação da ferida.

Custo reduzido

Conforme a química, as propriedades físicas e mecânicas alcançadas são as mesmas do curativo feito de membrana de celulose bacteriana, usado como pele artificial na saúde desde 1980.

A diferença está na economia: um quilo da membrana bacteriana custa cerca de 250 dólares (R$ 1.380), enquanto um quilo de membrana de nanocelulose de pinus, 2 dólares (R$ 11). “Por se tratar de celulose de madeira, que já é um commodity, a facilidade de produzir é muito grande. Conseguimos produzir em grande escala, a um preço bom, e oferecer um tratamento de qualidade ao mesmo tempo”, observa Francine.

Os custos são baseados na produção feita em laboratório e dependem do meio de cultivo utilizado. “Mas conseguimos uma redução de custo de produção de pelo menos 99% em relação à celulose bacteriana. [Em outros] cálculos baseados em produção de bancada estimamos um custo até mil vezes menor.”

Além de queimaduras, o curativo também apresentou resultados satisfatórios para tratar cortes. A membrana acelera o processo de cicatrização da ferida, principalmente nos quatro primeiros dias de uso, apresentando boa duração e aderência à pele.

A pesquisadora calcula que um quilo de papel poderia resultar na produção de 50 metros quadrados de curativo. O custo de cada curativo ficaria na casa dos centavos. “Uma árvore dá em torno de 10 mil a 20 mil folhas de papel. Com uma árvore, conseguiríamos fazer muitos curativos”, pontua ela, ao reforçar que todo o papel utilizado é proveniente de áreas de reflorestamento, o que torna o processo também sustentável.

Créditos Embrapa

Pesquisas avançam

Washington Magalhães, doutor e pesquisador da Embrapa Florestas, que participou do projeto desde o início, conta que a ideia surgiu quando a equipe começou a buscar aplicações para a nanocelulose vegetal.

“De modo geral, sempre procuramos aplicações para produtos à base de biomassa florestal que pudessem atender demandas em vários níveis de volume de produção, por exemplo, do agronegócio, onde necessitamos de grandes volumes a custos competitivos. Mas também procuramos por atender a setores com alto valor agregado e menores volumes, por exemplo na área médica”, detalha. “Na ocasião já imaginávamos que os nossos custos poderiam ser menores”, acrescenta.

Ele lembra que os custos das matérias-primas são bem menores que os de produção da membrana concorrente. Todavia, há que se apontar os custos relativos aos investimentos para os equipamentos para a nova tecnologia, e ainda assim, o resultado é muito compensatório.

O que o futuro nos reserva

O principal benefício dessa inovação são os custos muito menores, que permitirão o futuro produto ser usado pela rede pública de saúde. “É claro que a tecnologia é sustentável. Em outras palavras, além de ecologicamente correta, é socialmente justa e economicamente viável”, informa o pesquisador.

A fonte da celulose usada na tecnologia em questão é renovável, vem de plantios certificados de pinus do sul do Brasil, embora a princípio, pudesse ser usada qualquer fonte de celulose vegetal à exceção dos resíduos (ou celulose reciclada), devido a preocupações com possíveis contaminações.

“O concorrente direto (a celulose bacteriana) usa um polímero natural praticamente composto apenas por celulose. No nosso caso, usamos uma celulose comercial que vem com cerca de 14% de hemicelulose, um outro polímero natural. Embora possamos usar uma celulose vegetal sem hemicelulose, os testes mostraram que a hemicelulose não é prejudicial à saúde da pele, e colaborou para conseguirmos custos mais baixos, por não se necessitar de mais uma etapa industrial”, esclarece Washington Magalhães.

Créditos Embrapa

Versatilidade

A tecnologia de produção de membranas pode ter outras aplicações, como medicamentos ou biocidas. “Mas se dermos um passo atrás e falarmos apenas da nanocelulose desfibrilada mecanicamente, as possibilidades de aplicações são muitas. No agronegócio podermos usar como aditivos para agroquímicos e em fertilizantes de liberação lenta. Na indústria de papel, é usada como reforço nos papéis já produzidos, e estamos trabalhando no uso como revestimento em papéis com propriedades como antioxidantes, antichama e outros”, revela o pesquisador da Embrapa.

A equipe, que engloba pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Unicamp, está desenvolvendo saneantes (a formulação leva mais que apenas celulose) de liberação lenta, que são biocidas para os vírus corona e varíola do macaco, assim como contra diversas bactérias.

Também já desenvolveram um gelificante para etanol (em fase de pedido de patente) e está trabalhando na produção de filtros para ar que retêm partículas acima de 50 nanômetros (ou seja, não deixam passar os corona vírus). As aplicações, como se pode ver, são muitas, e Washington Magalhães garante que há muitas outras.

Vale da morte

A tecnologia está na fase do que o pesquisador chama de ‘vale da morte’. Embora a equipe tenha conseguido uma parceria com o ISI Biotecnologia e Fibras (SENAI) e uma startup (Zynux), os testes clínicos ainda não foram realizados e não há financiamento para levar adiante.

“No ISI conseguimos mostrar a viabilidade técnica de escalonamento da tecnologia. Também será necessário decidir pelo modelo de negócio, o que poderia acarretar na mudança de protocolos médicos para aplicação das membranas, detalhes como a desinfecção das membranas, que pode ser realizada na indústria ou também no hospital, quais os procedimentos seriam os mais indicados, tipos de embalagens etc. Para os testes, até o momento contamos com a colaboração valiosa da referência em queimados do país, o Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, em Curitiba (PR)”, detalha Washington.

Potencial da biotecnologia

A biotecnologia é uma ferramenta que chegou para ficar e pode contribuir para o desenvolvimento sustentável. Até o momento, o maior ganho do país tem sido com o uso da hibridização (quando duas espécies formam um terceiro material genético).

Ainda, com uso de ferramentas do melhoramento genético se alcançou alta produtividade e resistência a pragas e doenças. Nesta última questão, a Embrapa Florestas se tornou referência em controle biológico de pragas.

Os pesquisadores são os precursores de ferramentas como a seleção genômica ampla. “A lista de desejos dos pesquisadores da minha área de tecnologia da madeira ainda é enorme e vem sendo atendida paulatinamente. Como exemplos de tecnologias que poderiam ser muito úteis, poderíamos citar as madeiras com composição de lignina que exigem menor esforço para a polpação, menor quantidade de tiloses na madeira, permitindo melhor impregnação com reagentes e, também, mais fácil secagem”, aponta.

No caso da química verde e biorrefinaria, Washington conta que a Embrapa está sempre pensando em sistemas que possam ser aplicados em diferentes escalas e tipos de negócios. “Por exemplo, na indústria de polpação de celulose os empreendimentos já são considerados como biorrefinarias incompletas, e o volume de produção é tão gigantesco que as soluções são completamentes diferentes para os setores de chapas reconstituídas de madeira, serrarias em geral, fábricas de biochar e, agora, o nascente setor de madeira engenheirada. Não conseguimos ainda vislumbrar uma solução única para cada setor desses importantes agronegócios florestais, mas sim, soluções para cada caso em específico”.

Para ele, as possibilidades de se usar os princípios da química verde e da biorrefinaria são enormes e o pesquisador acredita que irreversíveis. “Cito uma possibilidade de futuro relacionada aos biocombustíveis, como a lenha (mas também cavacos, pelets, briquetes, carvão e bio-óleo). Quando usamos a combustão desses biocombustíveis, geramos gás carbônico, que vai para a atmosfera e os plantios florestais o absorvem novamente, voltando a transformar em biomassa florestal. Acreditamos que, no futuro, esse gás carbônico será reutilizado para gerar outros produtos (incluindo biocombustíveis, mas não apenas esses) tornando o nosso setor, já considerado neutro em carbono, com emissão negativa de carbono”, conclui.

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