Diego Tolentino de Lima
Engenheiro agrônomo, doutor em Agronomia e pesquisador em Entomologia – Cooperativa COMIGO
diegotolentino10@hotmail.com
Segundo os registros da Conab, os sojicultores vêm obtendo produtividades médias (nível Brasil) em torno de 3,5 toneladas por hectare de grãos. Considerando que os percevejos – principal praga da soja – podem reduzir aproximadamente 30% desse volume, o que tiraria do agricultor mais de 1,0 tonelada por hectare, significa um grande prejuízo financeiro.
Na última safra, foram perdidos cerca de R$ 12 bilhões por conta da ação desses insetos na cultura da soja, de acordo com a Embrapa. Uma visão de controle preventivo desde o estágio inicial da praga, ou seja, os ovos dos percevejos, com intuito de quebra de ciclo da praga, reduzindo as infestações e/ou atrasando o crescimento populacional dos percevejos nas lavouras, aparece com o parasitoide de ovos Telenomus podisi, atuando como um agente de controle biológico.
Quem é ele?
Os percevejos fitófagos (Hemiptera: Pentatomidae) são o principal grupo de insetos que causam prejuízo na produção da soja. Algumas espécies se destacam, como o percevejo-barriga-verde (Diceraeus melacanthus), percevejo-verde-pequeno (Piezodorus guildinii), percevejo-verde (Nezara viridula), percevejo-asa-preta (Edessa meditabunda).
Porém, o percevejo-marrom (Euschistus heros) pode ser considerado, atualmente, a principal e mais abundante praga da cultura, distribuída em todas as regiões de cultivo da soja no Brasil.
O percevejo-marrom pode passar a entressafra se alimentando de hospedeiros alternativos, como plantas daninhas ou outras espécies de plantas nas matas, além de poder atravessar esse período desfavorável ao seu desenvolvimento e reprodução, entre maio a novembro, sem se alimentar, abrigado sob as folhas mortas caídas no solo e restos de cultura.
Desta forma o percevejo-marrom sobrevive na entressafra e migra para a soja rapidamente na safra subsequente.
Danos
Adultos e ninfas a partir do segundo instar são os principais responsáveis pelos danos, atingindo diretamente vagens e grãos, desde o início da formação das vagens (R3) até o final da maturação fisiológica (R7).
De R3 até final de R5 (final de enchimento de grãos), as perdas na soja provocadas pelo percevejo-marrom são quantitativas, pela queda de vagens, chochamento e redução no peso dos grãos. A partir de R6 (após o enchimento de grãos), as perdas são na qualidade de grãos e em campos de sementes considera-se prejuízos na qualidade das sementes até R8.
Grãos ardidos também são provocados com a alimentação dos percevejos, interferindo na qualidade dos grãos de soja, causando prejuízos para a indústria de processamento, por exemplo, aumentando a acidez do óleo.
Ao se alimentarem das sementes, os insetos injetam saliva contendo enzimas que alteram a fisiologia e a bioquímica dos tecidos picados no intuito de digerir e sugar o conteúdo liquefeito por essas enzimas. A difusão da saliva pode causar morte celular dos tecidos vegetais.
Controle biológico de percevejos
Ao longo dos anos, Telenomus podisi tem demonstrado seu grande potencial de uso no controle biológico na soja. É uma vespinha de aproximadamente 1,0 mm de comprimento, de coloração preta que, quando adulto, se alimenta de néctar.
Como Telenomus podisi é um parasitoide de ovos, para se reproduzir ele usa os ovos dos percevejos, ovipositando no interior deles. Após serem parasitados, os ovos dos percevejos tornam-se de coloração escura e dão origem a novas vespas, em vez de novos percevejos. Na sequência, essas vespas vão parasitar mais ovos da praga.
Telenomus podisi mostra preferência por parasitar ovos do percevejo-marrom. Essa espécie de parasitoide apresenta alto potencial reprodutivo – cada fêmea é capaz de parasitar, em média, 210 ovos de percevejos.
Os adultos vivem cerca de 30,9 dias e, normalmente na natureza, são encontrados na proporção de 1 macho para 4,4 fêmeas.
O que fazer?
O manejo com o Telenomus podisi pode ajudar os sojicultores a manter a produtividade esperada para a próxima safra, por reduzir a pressão de percevejos ainda na fase de ovos, atrasando o crescimento populacional da praga e melhorando os resultados de produtividade e qualidade da soja produzida.
O maior desafio, que já foi superado, era fazer a multiplicação em larga escala de Telenomus podisi em laboratórios especializados para liberação de grandes quantidades desse agente de controle biológico nas lavouras de soja.
Atualmente, já é realidade o desenvolvimento de técnicas de criação massal do percevejo-marrom (Euschistus heros) em dietas artificiais e estocagem de seus ovos para serem parasitados por Telenomus podisi e depois liberados nas lavouras.
Tudo isso graças ao trabalho da pesquisa como, por exemplo, da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Botucatu-SP
Vantagens do Telenomus podisi
O uso inadequado ou excessivo de inseticidas químicos na agricultura pode desencadear alguns problemas, como a contaminação dos alimentos, do solo, da água e dos animais, a intoxicação de agricultores, a resistência a certos princípios ativos, a alteração da ciclagem de nutrientes e matéria orgânica, a eliminação de organismos benéficos como os polinizadores e a redução da biodiversidade.
Diante desse cenário, é indiscutível a busca por sistemas de produção agrícola que contemplem a sustentabilidade ambiental e que promovam a biodiversidade no agroecossistema.
Sendo assim, o controle biológico, devido ao seu reduzido impacto ao meio ambiente, torna-se muito interessante. O fato de serem altamente específicos, assim como o próprio Telenomus podisi, e por isso não causarem distúrbios às espécies benéficas do ambiente agrícola, contribui para sua utilização em práticas agropecuárias mais sustentáveis.
Recomendações
Atualmente, já existem estudos de campo de instituições federais, como a UNESP, e instituições privadas, que demonstram o sucesso do uso do Telenomus podisi no controle de percevejos em lavouras de soja.
Até a presente data existem 10 marcas registradas (10 produtos comerciais) no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) com a espécie Telenomus podisi para liberação em campo.
De maneira geral, levando em consideração os trabalhos de pesquisa em campo já publicados na literatura e também as recomendações de bulas dos produtos registrado no MAPA, o ideal é que os pontos de liberação estejam no máximo 30 metros de distância um do outro, podendo variar de 32 ou mais pontos equidistantes por hectare, dependendo da marca comercial.
Devem ser realizadas pelo menos três liberações com intervalos de sete a 20 dias, cada liberação com 5.000 a 10.000 parasitoides por hectare.
As liberações devem iniciar quando forem detectados os primeiros adultos de percevejo-marrom na área. Utilizar as quantidades mais altas em regiões ou épocas de semeadura com mais pressão de percevejos ou quando a produção final for destinada para sementes.
As menores quantidades devem ser utilizadas em locais de menor pressão da praga ou quando a produção final for destinada para grãos, desde que a época de semeadura esteja dentro da janela.
Isso porque semeaduras mais tardias (dentro da mesma região) tendem a sofrer maiores pressões de percevejos adultos migrantes das lavouras colhidas, em direção às que ainda estão finalizando o ciclo por terem sido semeadas tardiamente.
Enfim, o monitoramento adequado do nível de infestação de adultos é fundamental para o sucesso da utilização de Telenomus podisi no controle de percevejos em lavouras de soja, visto que o objetivo é controlar os ovos da praga.