Autor
Pedro Guilherme Lemes – Professor de Entomologia Florestal – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – pedroglemes@ufmg.br
O aumento do fluxo de pessoas e do comércio mundial, combinado com a “globalização” das culturas agrícolas e florestais, têm resultado na introdução e estabelecimento de insetos e doenças exóticas. Isso é observado no Brasil, incluindo plantios de eucalipto e pinus, com aumento na taxa de introdução de insetos herbívoros exóticos.
O setor florestal brasileiro sofre grandes perdas financeiras por conta desses insetos. Em apenas cinco anos (2003-08), quatro espécies de insetos nativas da Austrália e associadas aos eucaliptos foram detectadas pela primeira vez no Brasil: o psilídeo-de-concha (Glycaspis brimblecombei) (Hemiptera: Aphalaridae), o percevejo-bronzeado (Thaumastocoris peregrinus) (Hemitpera: Thaumastocoridae) e duas vespas galhadoras, a vespa-da-galha-do-citriodora (Ephichrysocharis burwelli) (Hymenoptera: Eulophidae) e a vespa-da-galha (Leptocybe invasa) se disseminaram por todo o país e causaram prejuízos estimados superiores a R$ 1 bilhão.
Em abril de 2020, folhas de híbridos de Eucalyptus grandis x E. camaldulensis (clone 3025), e de E. punctata, E. tereticornis e E. saligna demonstrando galhas espalhadas em grande número pelo limbo foliar, de maneira diferente das provocadas por L. invasa (colocadas na nervura central e pecíolos), foram encontradas no viveiro de pesquisa florestal do IPEF, em Piracicaba (SP).
Esse material foi levado e identificado pelo professor Carlos Wilcken, da Unesp de Botucatu, que após minuciosa análise dos adultos emergidos em laboratório, identificou o galhador como sendo Ophelimus maskelli (Ashmead) (Hymenoptera: Eulophidae).
Essa espécie era considerada praga quarentenária A1 para o Brasil, mas sua detecção em território nacional demonstrou que o país não está apto a detectar pragas florestais exóticas, que podem adentrar de forma direta (nos portos e aeroportos) como de forma indireta, pelas fronteiras com países vizinhos, como a Argentina, que já tinha essa vespa desde 2014. No entanto, ainda não se sabe qual foi a rota de entrada dessa praga no Brasil.
Vespa-da-galha-vermelha
A vespa-da-galha-vermelha, ou Ophelimus maskelli, é uma espécie nativa da Austrália e foi registrada pela primeira vez como praga na Itália em 1999. Em seguida, essa vespa se espalhou para outros países banhados pelo Mediterrâneo, como Israel, Portugal e Turquia. Hoje, também se encontra distribuída na Argentina, África do Sul, Estados Unidos, Norte da África, Oriente Médio e Nova Zelândia.
O adulto dessa vespa é um inseto muito pequeno (em torno de 1 mm de comprimento) e se reproduz por partenogênese, ou seja, uma fêmea pode dar origem a novos insetos (nesse caso fêmeas) sem a necessidade de copular.
[rml_read_more]
A fêmea coloca o ovo nas folhas de eucalipto induzindo a formação de galha, uma espécie de tumor em formato de grão arredondado, onde apenas uma larva irá se desenvolver. Cada fêmea pode colocar em torno de 100 ovos, preferindo folhas jovens, principalmente, na região próxima ao pecíolo, mas em surtos pode cobrir toda a superfície da folha.
A parte de baixo da copa costuma ser a primeira a ser afetada. A galha, inicialmente, tem cor esverdeada-amarelada mas se exposta ao sol, fica avermelhada, o que deu origem ao seu nome popular, escolhido pelo professor Carlos e pesquisadores da UNESP. Em Israel, essa espécie tem três gerações por ano e, numa infestação intermediária, pode ocorrer 130 galhas por folha.
Fases
Essa vespa passa por três fases de larva dentro da galha, uma fase de pupa que não se alimenta e o adulto, que emerge cortando um orifício redondo na parede da galha próximo a superfície da folha.
Essa praga é exclusiva dos eucaliptos e já foi registrada em Eucalyptus bridgesiana, E. botyoides, E. camaldulensis, E. cinerea, E. globulus, E. grandis, E. gunii, E. nicholii, E. pulverulenta, E. robusta, E. rudis, E. saligna, E. tereticornis e E. viminalis, além de E. punctata e híbrido E. grandis x E. camaldulensis, registrados pela primeira vez no Brasil.
Prejuízos
Quando o ataque de O. maskelli é intenso, ou seja, quando há um número muito grande de galhas nas folhas, ocorre a queda prematura das folhas, logo após a emergência das vespas adultas. Em Israel, folhas que sofreram ataques intensos dessa praga sobreviveram apenas 70 dias, enquanto folhas normais duram, em média, 243 dias.
Em condições favoráveis à vespa, as populações dessa vespa podem atingir níveis altíssimos. Nessas ocasiões, árvores fortemente atacadas ficam com boa parte da copa ressecada ou desfolhada.
O ataque, se não controlado, pode ocasionar total desfolhamento e, consequentemente, a morte de árvores jovens ou recém-plantadas. Ophelimus maskelli é conhecido pelos grandes prejuízos causados às plantações de eucalipto, principalmente, em E. camaldulensis, no Mediterrâneo e Oriente Médio.
Esses insetos, quando em altas infestações, podem causar incômodo as pessoas, além dos danos as árvores. Houve casos no Oriente Médio, que havia tantas vespinhas no pico de emergência da praga, que as atividades humanas nas indústrias ou culturas agrícolas próximas as plantações de eucalipto tiveram que ser interrompidas, pelo tamanho incômodo causado aos trabalhadores.
Sintomas
Como citado anteriormente, os sintomas são a formação de galhas redondas e avermelhadas na lâmina foliar, ao contrário da vespa-da-galha que as fazem nas nervuras e pecíolos. As árvores, quando muito atacadas, apresentam parte da copa ressecada ou desfolhada. Também é possível observar as vespas adultas sobre as folhas, quando em altas infestações, já que são muito pequenas.
Regiões mais afetadas
O inseto foi detectado em Piracicaba, São Paulo, e acredita-se que ainda esteja restrita a essa região de Campinas e arredores no Estado de São Paulo. Por isso, técnicas de manejo que evitem sua disseminação são muito importantes e devem ser adotadas o quanto antes, para que não ocorra o que aconteceu com a vespa-da-galha.
Monitoramento
O monitoramento da vespa-da-galha-vermelha é muito importante nesse momento para detectar sua presença e eliminar materiais infestados, além de determinar sua distribuição atual no país.
Estudos demonstraram que o uso de armadilhas adesivas, de cor verde, é o mais indicado no monitoramento, já que essa vespa é mais atraída por essa cor do que as outras. No entanto, armadilhas amarelas também podem ser usadas, já que muitos produtores já as usam no monitoramento do percevejo-bronzeado e o psilídeo-de-concha. Árvores armadilhas, com material suscetível, como E. camaldulensis, também podem ajudar na rápida detecção desse inseto.
A vistoria das plantas no campo, também, é muito importante, pois até o momento em que foi escrito esse texto, não foi detectada a presença dessa praga em condições de plantio no Brasil.
Deve-se olhar, principalmente, por materiais mais suscetíveis. Caso seja detectada, deve se comunicar imediatamente as autoridades (Embrapa, MAPA ou pesquisadores da área). Quanto mais a distribuição dessa praga for restrita, maiores serão nossas chances de ter sucesso no controle.
Controle silvicultural/físico
Todas técnicas de controle disponíveis para o manejo dessa praga são, até o momento, de caráter preventivo, já que depois que ela se alastra, não existem muitas opções curativas disponíveis e efetivas.
É muito importante limitar o acesso de visitantes a viveiros de mudas de eucalipto e restringir o comércio e transporte de mudas de áreas que possam estar infectadas para outras regiões ou estados ainda sem a presença da mesma. A vespa L. invasa se disseminou por todo o Brasil dessa maneira, através da permuta de mudas entre empresas florestais, algo muito corriqueiro entre elas.
Caso a vespa-da-galha-vermelha seja detectada em viveiros, todo material vegetal que tenha alguma suspeita de sua presença deve ser coletado e incinerado. Isso evita que ela complete seu ciclo e se dissemine ainda mais. A mesma coisa deve ser feita com mudas e árvores em campo.
Uso de plantas resistentes
Uma forma de controle que estará disponível a médio e longo prazo é o uso de material genético resistente a essa praga. Em estudo com 84 espécies, 14 demonstraram ser hospedeiras (citadas anteriormente) e as mais suscetíveis a essa praga foram E. camaldulensis e E. tereticornis.
No Brasil, E. camaldulensis e híbridos de E. grandis x E. camaldulensis foram os mais atacados. Já E. saligna e E. punctata tiveram uma infestação considerada média.
Controle biológico
Quase sempre que uma praga exótica é introduzida em um país, seus inimigos naturais não a acompanham. Logo, uma das primeiras estratégias de manejo utilizada é o controle biológico clássico, isso é, ir ao local de origem da praga e buscar seus inimigos naturais.
Por nossa sorte, um dos inimigos naturais de O. maskelli foi introduzido acidentalmente, junto com a praga, poupando o nosso trabalho de introduzi-lo. Trata-se de uma vespa parasitoide do gênero Closterocerus, possivelmente, Closterocerus chamaeleon (Hymenoptra: Eulophidae).
Closterocerus chamaeleon é de origem australiana e foi introduzido em Israel e posteriormente na Itália para controle biológico da vespa-da-galha-vermelha e é eficiente na redução populacional. Na Argentina, também foi introduzido acidentalmente junto com a vespa. Esse parasitoide se reproduz por partenogênese e somente fêmeas são produzidas.
Outros parasitoides foram descritos para essa vespa e introduzidos em Israel, mas sem o mesmo sucesso de C. chamaeleon. Selitrichodes neseri (parasitoide usado hoje no Brasil no controle de L. invasa) já foi relatado parasitando O. maskelli na África do Sul, e pode ser mais uma ferramenta no manejo dessa praga no futuro.
Controle químico
O controle químico de O. maskelli ainda é limitado. Em estudos, com árvores jovens e pequenas, a aplicação de neonicotinoides sistêmicos mostrou alguma proteção. Inseticidas utilizados no controle de L. invasa podem ser usados, em caráter excepcional, em mudas antes de sair do viveiro, para prevenção.
Os inseticidas registrados para L. invasa são a base de bifentrina, imidacloprido e tiametoxam. No entanto, não há produto registrado para O. maskelli no Brasil, já que é uma praga muito recente.
Em um estudo, a aplicação de caulim, produto de argila poroso e branco, em mudas de viveiro reduziu a oviposição dessa vespa, por tornar a folha menos adequada para isso. Entretanto, essa técnica pode não ser viável em grandes áreas.
Considerações finais
O Brasil tem recebido muitas novas pragas da silvicultura nas últimas décadas, e essas tem entrado com uma certa facilidade, demonstrando que devemos melhorar o monitoraramento e a detecção em nossos aeroportos, portos, rodovias e fronteiras.
Após a entrada de um inseto exótico é quase impossível erradicá-lo e, ao contrário da agricultura, o melhoramento e seleção de genótipos resistentes de árvores demoram vários anos. Logo, um inseto exótico que adentra o país não afetará a atividade por um ou dois anos, mas sim por décadas, como ocorreu com o psilídeo-de-concha e o percevejo-bronzeado.
Ophelimus maskelli é uma praga séria dos eucaliptos no mundo e evitar sua dispersão dentro do Brasil agora é essencial para que os prejuízos sejam reduzidos.