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Aviões semeiam nuvens e fazem chover sobre os canaviais

Foto: Modclima

Controlar o clima sempre foi um desejo da humanidade. Ao longo dos séculos, diversas culturas desenvolveram seus próprios rituais com o objetivo de atrair ou afastar determinada condição climática.

A mais popular, talvez, seja a “dança da chuva”. Egípcios, maias, astecas e indígenas estão entre os povos que, segundo historiadores, realizavam a cerimônia visando invocar água dos céus, especialmente em tempos de seca extrema, a fim de obter uma colheita farta.

O desejo de “fazer chover” sempre esteve atrelado à agricultura. Fato é que o clima segue como o principal promotor de produtividade das culturas agrícolas, sendo responsável por praticamente 50% da produção.

Recuperação da vida dos solos, manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, operações mecanizadas bem conduzidas e escolha correta de cultivares/variedades também são importantes, mas nada comparado aos impactos causados pelos fatores abióticos, como luz, radiação solar, temperatura e, acima de tudo, deficiência hídrica.

Tecnologia em prol do Agro

A água é o principal insumo da agricultura. A falta dela pode destruir lavouras e até mesmo ecossistemas inteiros. Graças às inovações tecnológicas o agricultor moderno não precisa mais realizar rituais invocando chuva.

Pode recorrer a soluções que controlam – de certa forma – alguns aspectos do clima, permitindo uma mitigação dos riscos, especialmente daqueles ligados ao estresse hídrico.

É o caso da tecnologia de indução de chuvas localizadas desenvolvida pela ModClima, empresa paulista que utiliza aeronaves para “semear” nuvens e fazer cair água do céu. É a “dança da chuva” da atualidade, só que muito mais tecnológica.

A técnica não é exatamente recente. Na década de 1940, o cientista atmosférico Bernard Vonnegut descobriu que era possível “semear” nuvens com partículas de iodeto de prata a fim de provocar precipitação. Inicialmente testada com sucesso em laboratório, a prática foi levada para a atmosfera real, com resultados promissores, mas mistos.

Como funciona

Até hoje, diversas nações ao redor do globo utilizam iodeto de prata como forma de induzir chuvas. No entanto, há grande controvérsia sobre o uso desse composto, seja pelo fato de ser um metal pesado tóxico para humanos, animais e plantas ou pelo desconhecimento de possíveis efeitos negativos a longo prazo que sua utilização pode causar no clima das regiões.

 Já a ModClima desenvolveu uma tecnologia limpa para induzir chuvas localizadas e fazer frente às intempéries climáticas. Sua solução não utiliza nenhum tipo de aglutinante químico, apenas água potável. “Nossas aeronaves sobrevoam os céus ‘semeando’ gotículas de tamanho controlado em regime de turbulência no interior de nuvens cumulus, que crescerão verticalmente, gerando precipitação”, explica o diretor de operações da empresa, Ricardo Imai.

 Ele relata que esse processo é chamado de “semeadura” pela forma como as gotículas de água são lançadas no interior das nuvens, ganhando volume por colisão e coalescência, enquanto são carregadas pelas correntes ascendentes.

Quando seu peso é suficiente para vencer as ascendentes, elas começam a cair, colidindo de frente com as gotículas menores que estão subindo, ganhando ainda mais massa, até formarem gotas de chuva. “Diferente de outras tecnologias, o processo da ModClima é inteiramente físico e envolve princípios de termodinâmica e transferência de calor, como ocorre no desenvolvimento natural das nuvens”.

Ricardo Imai salienta que a ModClima atua apenas na aceleração do processo natural de crescimento da nuvem, visando a precipitação em determinada área alvo. Posteriormente, a umidade que chega ao solo retorna para a atmosfera por evaporação e evapotranspiração, gerando condições para o surgimento de novas nuvens “semeáveis”, além de precipitações naturais, otimizando o ciclo hidrológico natural.

Foto: Modclima

Validação

A ModClima possui mais de 17 anos de projetos voltados a pesquisa climática aplicada. Sua tecnologia de indução de chuvas localizadas já foi validada pelo Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e utilizada por mais de uma década para provocar precipitação sobre os sistemas Cantareira e Alto Tietê, responsáveis pelo abastecimento de 14 milhões de habitantes.

No setor sucroenergético nacional, atua reduzindo o risco climático para as usinas que tanto vêm sofrendo com as estiagens e/ou chuvas mal distribuídas dos últimos anos. “Se a chuva não vem, nós vamos buscar”, frisa o diretor de operações.

Chover no molhado é uma ótima opção

Estima-se que a cana-de-açúcar cresça 80% de todo seu potencial durante o período úmido do ano, que vai de meados de outubro a março no Centro-Sul do País. Isso ocorre em função do retorno da pluviosidade à região, que favorece o desenvolvimento vegetativo da planta.

O problema é que essas chuvas nem sempre são suficientes para “destravar” a cultura, debilitada pela escassez hídrica. Além disso, é comum que a precipitação nesse período seja bastante irregular e espaçada.

“Ao contrário do que muitos acreditam, provocar chuvas no inverno não é o mais interessante, pois entre agosto e setembro apenas 20% do potencial de biomassa é alcançado nos canaviais. O mais acertado é gerar precipitação durante a fase de desenvolvimento vegetativo, visando melhorar o acúmulo de biomassa, enquanto existem muito mais nuvens para serem semeadas, melhorando a quantidade e a distribuição das chuvas sobre as áreas alvo de projetos. Por conta disso, chover no molhado, no caso da cana, é uma ótima opção”, observa Ricardo Imai.

O profissional reforça que um canavial que está recebendo 400 mm de chuva por mês não se beneficiará do serviço. Porém, é possível que nesse mesmo período outras áreas estejam sofrendo com uma pluviosidade menor e/ou irregular. Outro caso bastante comum é de uma chuva de 40 mm ser insuficiente para revitalizar determinado solo, tamanha sua deficiência hídrica. “A análise é feita caso a caso e dia a dia”, afirma.

Na medida certa

A quantidade de precipitação induzida depende das condições atmosféricas e do tamanho da nuvem “semeada”. Durante suas quase duas décadas de operação, a ModClima já chegou a medir chuvas induzidas artificialmente de até 60 mm.

No entanto, o mais comum são precipitações entre 5,0 e 40 mm em áreas que variam de 5 mil a 40 mil hectares. Volume mais do que suficiente para gerar incremento na produção, redução de custos e aumento de rentabilidade. “Apenas 10 mm de chuva induzida pode representar um aumento de 1,0 tonelada de cana por hectare. Em uma área de 10 mil hectares, essa precipitação resultaria em uma produção adicional de 10 mil toneladas, gerando uma renda extra de R$ 1.430.000,00 (Consecana, SP, R$ 143,00/ton cana)”, destaca.

Imai observa que a tecnologia da empresa também contribui para a manutenção dos solos mais saturados, redução do risco de incêndios, conservação da vegetação nativa em áreas de proteção ambiental, nascentes e matas ciliares e melhoria do abastecimento da população nos municípios.

Cobertura

A ModClima permite ainda a realização de projetos cooperados de indução de chuvas para diferentes usinas e associações de fornecedores de uma mesma região, já que uma única aeronave pode cobrir uma área aproximadamente de 20.000 km² (140 x 140 km).

“As fazendas estão, em grande parte, misturadas, sendo que as nuvens ‘semeadas’ podem se deslocar em função do vento e molhar canaviais adjacentes. Dessa forma, fazer um contrato entre duas ou mais companhias é muito assertivo, tanto pelo aumento na produtividade dos canaviais como pela possibilidade de dividir os custos do projeto”, finaliza Ricardo Imai.

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