André Luís Teixeira Fernandes
Engenheiro agrônomo, pró-reitor da Uniube e sócio-proprietário da C3 Consultoria e Pesquisa
andre.fernandes@uniube.br
Deivisson Pelegrino de Abreu
Engenheiro agrônomo e doutorando – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
O filme de partículas de caulinita processada, comercializado pelo nome de Surround® WP, é aplicado na superfície das folhas e frutos dos vegetais e atua em associação aos mecanismos de defesa natural das plantas.
Este produto é comumente conhecido como “filtro solar”, pois tem capacidade de refletir a radiação solar, notadamente a radiação ultravioleta, e assim amenizar os efeitos negativos do excesso da radiação solar.
Essa tecnologia consta com registro para uso na agricultura orgânica no Brasil, nos Estados Unidos e na União Europeia.
Combinação que deu certo
A combinação entre a radiação solar, elevada temperatura do ar e limitação hídrica do solo favorecem nas plantas um distúrbio fisiológico chamado de escaldadura. Outros efeitos bioquímicos e fisiológicos nas estruturas fotossintéticas expostas ao excesso da radiação solar são a formação de espécies reativas de oxigênio, acúmulo de pigmentos de proteção contra radiação ultravioleta, indução de antioxidantes e de enzimas antioxidantes, redução da fotossíntese, redução da atividade e conteúdo da RuBisCO, efeitos sob a abertura estomática, fotooxidação do ácido indol-3-acético e peroxidação de lipídios.
Neste sentido, o uso da tecnologia Surround® WP em associação aos mecanismos naturais de defesa da planta se apresenta como uma técnica promissora, com capacidade de reduzir a temperatura foliar média em 2ºC em plantas adultas, podendo chegar a reduzir em 7,5ºC em plantas jovens.
Além disso, reduz o estresse hídrico e o número de defeitos nos frutos, podendo aumentar o tamanho dos frutos colhidos, seguido por ganhos em produtividade. Sendo assim, é fundamental seu uso na transição de mudas cultivadas em viveiros e transferidas para o campo a pleno sol.
Eficiência da irrigação
Na atualidade, considerando a água como um recurso finito, tem se buscado construir sistemas de irrigação cada vez mais eficientes, visando alcançar a máxima produtividade por volume de água aplicado.
Somado a esse aperfeiçoamento dos sistemas de irrigação, a aplicação do Surround® WP nas folhas e frutos reflete parte da luz e atenua a temperatura foliar, reduzido a necessidade de água para as plantas se manterem 100% hidratadas, aumentando a eficiência no uso da água.
Uso de protetor solar para a cultura do café
A aplicação foliar de produtos que atuam semelhantemente a um protetor solar pode prevenir dano oxidativo pela redução na temperatura foliar, manutenção da abertura estomática e melhoria na assimilação de CO2.
Estes protetores solares proporcionam uma barreira física sobre a superfície da planta, reduzindo a temperatura durante as horas mais quentes do dia e prevenindo o estresse foto-oxidativo.
Buscando entender melhor esse processo, a empresa C3 Consultoria e Pesquisa avaliou os ganhos fisiológicos com a aplicação do Surround e tiossulfatos na cultura do café.
O experimento está instalado em propriedade localizada no município de Varjão de Minas (MG), com a variedade Bourbon Amarelo, transplantada no espaçamento de 4,0 x 0,5 metros, estande de 5.000 plantas por hectare.
A lavoura foi implantada em 2008 e está no quarto ano de condução após a recepa da lavoura. Na Figura 1, constam as informações meteorológicas durante a condução do ensaio. As temperaturas médias atingiram valores superiores a 27º C, mas as temperaturas máximas ultrapassaram valores de 32ºC em vários momentos durante a condução do ensaio.
Figura 1. Dados de temperatura e pluviosidade da estação meteorológica, Varjão de Minas – MG (2022).
Detalhes
Os ensaios estão sendo conduzido em blocos casualizados, nos quais os tratamentos foram distribuídos nas linhas do cafeeiro. A matriz experimental foi dividida em oito tratamentos, cada um contendo três repetições e com as parcelas contendo, no mínimo, 30 plantas.
Os tratamentos foram: T1) Controle – sem a aplicação e protetores solares; T2) Surround 3%. épocas de aplicação: ago/set; T3) Surround 3%. épocas de aplicação: ago/set, jan/fev; T4) Surround 3%. épocas de aplicação: ago/set, jan/fev, abr/mai; T5) Surround 3% + KTS 0,8% épocas de aplicação: nov, jan/fev, abr/mai; T6) Surround 3% + KTS 0,8% nov, jan/fev, abr/mai + CaTs 1,5%. épocas de aplicação: nov, dez (pós-florada); T7) KTS 0,8% épocas de aplicação: nov/dez, jan/fev, abr/mai e T8) KTS 0,8% épocas de aplicação: nov/dez, jan/fev, abr/mai + CaTs 1,5%. épocas de aplicação: nov, dez (pós-florada).
Os tratamentos foram distribuídos com o posicionamento de três produtos (Surround, KTS e CaTS) e em quatro épocas de aplicação.
Os demais tratos da fazenda foram realizados normalmente, conforme a rotina da propriedade. Para a realização das aplicações dos produtos nas duas áreas em condução, foi utilizado um conjunto mecanizado composto por um trator e um atomizador Arbus 2000, trabalhando com velocidade de 5,0 km h-1.
Visando garantir as melhores condições para a aplicação dos produtos, foi realizada em todas as aplicações a aferição dos componentes ativos do pulverizador, intencionando atender às boas práticas da tecnologia de aplicação.
Realizou-se análise de solo no início e no final da safra e o acompanhamento trimestral da análise de folhas para avaliação dos teores de nutrientes, nas quais foram retiradas folhas do terceiro par totalmente formado.
Selecionaram-se dez ramos de cada lado da planta, totalizando 20 ramos e 10 plantas marcadas por parcela, nos quais foram feitas as avaliações nutricionais, a medição de temperatura, a determinação da presença ou ausência de escaldadura e a determinação das pragas e doenças durante a condução do experimento.
No final de cada safra, as 10 plantas marcadas foram colhidas manualmente para avaliação de produtividade. Coletou-se também uma amostra de 5,0 litros de café por parcela para avaliar maturação, renda, rendimento e peneira.
Avaliação
A avaliação biométrica da planta foi feita por meio da contagem de nós e folhas a partir do nó de crescimento do ano, realizando-se um total de 20 leituras de ramos por parcela. A presença de escaldadura e Cercospora (Cercospora coffeicola) no fruto foi avaliada por parcela, coletando 100 frutos no total e contabilizando a porcentagem de frutos com presença de escaldadura e Cercospora.
As demais doenças e pragas foram avaliadas trimestralmente no período das amostragens de folhas. As avaliações de temperatura na folha foram realizadas após aplicação do produto, nas horas mais quentes do dia no primeiro ano de condução do experimento.
Em alguns dias durante o ensaio, a temperatura média medida no dossel dos cafeeiros chegou a valores muito altos (quase 38ºC), conforme Figura 2, no tratamento sem o uso de protetores foliares, comparado a 33,2ºC no tratamento com o uso do protetor solar Surround, o que permite um maior conforto térmico ao cafeeiro, com 5ºC a menos nas plantas tratadas.
Figura 2: Avaliação da temperatura do dossel foliar, em 12 de janeiro de 2019, às 12:00, em área sem Surround, Varjão de Minas (2019).
Resultados
Na Tabela 1, quando analisados os resultados de avaliação nos frutos, foram detectadas diferenças significativas, observando-se que o tratamento 5 (Surround 3% + KTS – 3 apl.) apresentou o menor percentual de frutos com escaldadura.
Embora não tenham sido detectadas diferenças estatísticas em frutos com Cercospora, em números absolutos, o tratamento 5 apresentou percentuais baixos. Já na análise de frutos sadios observou-se que o tratamento 3 (Surround 3% – 2 apl.) apresentou maior percentual de frutos sadios.
Para avaliação de doenças na folha, observa-se diferença para variável Phoma, no qual o T5 – Surround 3% + KTS (3 apl.) diferiu com T3 – Surround 3% (2 apl.) e T4 – Surround 3% (3 apl.), não diferenciando dos demais tratamentos.
Para os dados biométricos de crescimento (Tabela 2), na safra 2021/22 houve diferença significativa entre os tratamentos para a variável percentual de enfolhamento, T5: Surround 3% + KTS (3 apl.) e T8: KTS 1% (3 apl.) + CaTs 2% (2 apl.) diferenciaram da testemunha, apresentando as maiores percentagens de enfolhamento.
Observou-se que na média do quadriênio, todos os tratamentos foram superiores à testemunha para número de nós, com exceção do T7, que manteve o crescimento. Ao analisar as médias de produtividade (Tabela 3), não houve diferenças entre os tratamentos testados nas quatro safras.
Notou-se que, no quadriênio, a média de produtividade nos tratamentos T4: Surround 3% (3 apl.) e T5: Surround 3% + KTS (3 apl.) produziram respectivamente 3,07, 4,68 sacas a mais que o tratamento sem Surround e tiossulfato. Os tratamentos sem Surround apresentaram produtividade abaixo da testemunha T1 (sem Surround e tiossulfato), conforme a Tabela 3.
Tabela 1 – Percentagem de frutos sadios, com escaldadura e Cercospora, folhas com Cercospora e mancha de phoma e temperatura foliar em função dos diferentes tratamentos, Varjão de Minas (MG).
Tratamentos | (%) Frutos | (%) Folhas | Folhas | |||||||||||
Sadios | Cercospora | Escaldadura | Cercospora | Phoma | Temperatura (°C) | |||||||||
Sem Surround e Tiossulfato | 60,33 | ab | 7,00 | a | 31,33 | ab | 42,76 | a | 13,48 | ab | 37,30 | a | ||
Surround 3% (1 apl.) | 73,67 | ab | 5,67 | a | 21,67 | ab | 35,03 | a | 11,86 | ab | 37,30 | a | ||
Surround 3% (2 apl.) | 79,33 | a | 4,67 | a | 20,00 | ab | 52,50 | a | 8,92 | b | 37,10 | a | ||
Surround 3% (3 apl.) | 70,00 | ab | 8,33 | a | 25,67 | ab | 39,96 | a | 9,10 | b | 36,40 | a | ||
Surround 3% + KTS (3 apl.) | 76,33 | ab | 4,00 | a | 17,00 | b | 35,25 | a | 22,99 | a | 35,40 | a | ||
Surround 3% + KTS 1% + CaTs 2% | 73,67 | ab | 4,33 | a | 19,67 | ab | 41,59 | a | 20,27 | ab | 34,20 | a | ||
KTS 1% (3 apl.) | 63,67 | ab | 8,33 | a | 29,67 | ab | 41,30 | a | 14,92 | ab | 36,80 | a | ||
KTS 1% (3 apl.) + CaTs 2% (2 apl.) | 48,00 | b | 14,33 | a | 39,00 | ab | 38,63 | a | 15,54 | ab | 36,90 | a | ||
CV (%) | 15,50 | 70,37 | 26,86 | 20,27 | 27,89 | 6,30 |
Resultados seguidos de mesma letra não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey a 5% de significância.
Tabela 2. Resultado da análise de crescimento da planta e percentual de enfolhamento do quadriênio em função dos diferentes tratamentos, Varjão de Minas (MG).
Trat. | N° de nós | Enfolhamento (%) | ||||||||||||||||
18/19 | 19/20 | 20/21 | 21/22 | Média | 18/19 | 19/20 | 20/21 | 21/22 | Média | |||||||||
T1 | 10,40 | a | 8,14 | a | 7,48 | a | 8,18 | a | 8,55 | 91,00 | a | 81,74 | a | 65,93 | a | 59,21 | b | 74,47 |
T2 | 10,23 | a | 7,58 | a | 8,20 | a | 9,46 | a | 8,87 | 90,70 | a | 82,88 | a | 64,01 | a | 58,64 | b | 74,06 |
T3 | 10,10 | a | 8,44 | a | 8,57 | a | 8,48 | a | 8,90 | 86,30 | a | 76,89 | a | 62,71 | a | 59,26 | b | 71,29 |
T4 | 10,53 | a | 8,04 | a | 8,18 | a | 8,80 | a | 8,89 | 90,40 | a | 86,39 | a | 63,66 | a | 62,08 | ab | 75,63 |
T5 | 10,67 | a | 8,19 | a | 8,37 | a | 8,21 | a | 8,86 | 89,50 | a | 85,65 | a | 68,25 | a | 67,45 | a | 77,71 |
T6 | 9,97 | a | 8,23 | a | 7,92 | a | 8,72 | a | 8,71 | 93,60 | a | 84,77 | a | 65,35 | a | 64,07 | ab | 76,95 |
T7 | 11,50 | a | 8,62 | a | 8,28 | a | 8,54 | a | 9,24 | 83,50 | a | 82,33 | a | 61,87 | a | 62,35 | ab | 72,51 |
T8 | 10,37 | a | 8,14 | a | 8,18 | a | 8,57 | a | 8,82 | 89,60 | a | 80,54 | a | 67,82 | a | 67,55 | a | 76,38 |
CV (%) | 9,00 | 5,26 | 9,80 | 6,31 | – | 6,55 | 5,12 | 6,90 | 3,88 | – |
Resultados seguidos de mesma letra não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey a 5% de significância. T1 Sem surround e Tiossulfato; T2 Surround 3% (1 apl.); T3 Surround 3% (2 apl.); T4 Surround 3% (3 apl.); T5 Surround 3% + KTS (3 apl.); T6 Surround 3% + KTS 1% + CaTs 2%; T7 KTS 1% (3 apl.); T8 KTS 1% (3 apl.) + CaTs 2% (2 apl.).
Tabela 3. Produtividade do quadriênio, em função dos diferentes tratamentos, Varjão de Minas (MG).
Tratamentos | Produtividade (sc ha-1) | ||||||||
18/19 | 19/20 | 20/21 | 21/22 | Média | |||||
T1 – Sem Surround e Tiossulfato | 65,00 | a | 77,30 | a | 52,20 | a | 6,93 | a | 50,36 |
T2 – Surround 3% (1 apl.) | 65,70 | a | 81,60 | a | 46,70 | a | 10,97 | a | 51,24 |
T3 – Surround 3% (2 apl.) | 67,40 | a | 71,00 | a | 54,90 | a | 7,80 | a | 50,28 |
T4 – Surround 3% (3 apl.) | 68,60 | a | 92,20 | a | 47,90 | a | 5,03 | a | 53,43 |
T5 – Surround 3% + KTS (3 apl.) | 70,80 | a | 87,90 | a | 47,90 | a | 13,57 | a | 55,04 |
T6 – Surround 3% + KTS 1% + CaTs 2% | 68,30 | a | 83,00 | a | 54,00 | a | 6,33 | a | 52,91 |
T7 – KTS 1% (3 apl.) | 61,80 | a | 59,30 | a | 55,20 | a | 9,80 | a | 46,53 |
T8 – KTS 1% (3 apl.) + CaTs 2% (2 apl.) | 49,50 | a | 76,90 | a | 48,00 | a | 2,87 | a | 44,32 |
CV (%) | 27,70 | 17,20 | 22,40 | 68,15 | – |
Resultados seguidos de mesma letra não apresentam diferença significativa pelo teste de Tukey a 5% de significância.
Nas condições edafoclimáticas de Varjão de Minas, por quatro anos consecutivos, concluiu-se que:
• O tratamento completo (T6 – Surround 3% + KTS 1% + CaTs 2%) apresentou menor temperatura entre os tratamentos.
• A utilização dos produtos T4 (Surround 3% (três aplicações)) e T5 (Surround 3% + KTS (três aplicações)), apresentaram uma maior produtividade 3,07 e 4,68 sacas a mais que o tratamento T1 (sem Surround e tiossulfato).
• O T5 – Surround 3% + KTS (três aplicações) apresentou a maior média de produtividade durante as quatro safras.