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Bioativação dos microrganismos do solo

Ricardo Bemfica Steffen
Engenheiro agrônomo e PhD em Ciência do Solo – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
agronomors@gmail.com

Gerusa Pauli Kist Steffen
Engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (SEAPI)

Logo seremos um planeta com mais de 7,6 bilhões de habitantes e com 30% de seu solo agricultável em diferentes estágios de degradação. Com base nestas informações, questiona-se: como alimentar tanta gente, sendo eficaz e preservando os recursos naturais?

Crédito: R.R Rufino

Esta pergunta é inquietante, pois nossos sistemas de produção estão cada vez mais agredindo os recursos naturais, e se não agirmos logo, teremos sérios problemas a reparar.

Neste contexto, estão inseridos grandes grupos de agricultores e cientistas, a fim de buscar respostas e dar uma direção para o rumo da tão sonhada “sustentabilidade” para nossos sistemas de produção de alimentos e insumos, sendo cada vez mais atual a busca da humanidade por soluções para os problemas ambientais que vem acometendo o planeta Terra.

Dentre as preocupações, encontra-se o uso sustentável do solo agrícola para produção de alimentos, fibras e energia.

Ecossistema

Para chegarmos a possíveis soluções para estes problemas, precisamos, antes de tudo, compreender o que significa ecossistema. Fazemos parte de um grande sistema complexo com diversos seres vivos que interagem entre si na mais perfeita ordem.

Contudo, esta ordem tem sido afetada pelo crescimento desenfreado da agropecuária mundial e, não diferente, da agropecuária brasileira.

Sabendo que a agricultura é fundamental para a manutenção da vida, e que o setor agropecuário depende diretamente do solo para a sustentação e continuidade de todas as formas de vida neste planeta, isso nos direciona para uma compreensão maior do solo.

Se limitar à definição de que o solo é um sistema aberto e trifásico (sólido, líquido e gasoso) é extremamente simplista. Precisamos, sim, compreender que a biodiversidade nos ecossistemas, em especial no ecossistema solo, é a base da produção agrícola.

Se algo não for feito para mudar o modelo atual de produção, a sustentabilidade da vida estará gravemente comprometida.

Precisamos compreender, também, que em um ecossistema, a rápida resposta dos processos microbianos e da estrutura das comunidades às alterações físicas, químicas e biológicas constituem o aspecto central da qualidade do solo. Devemos, finalmente, compreender que o solo é um ecossistema vivo.

Agricultura moderna

A história da agricultura moderna se confunde com o avanço das pesquisas relacionadas a manejos, genética, mecanização e tecnologias relacionadas ao aumento de produtividade e melhoria da qualidade do setor agropecuário.

Após a revolução que o sistema plantio direto proporcionou ao manejo das lavouras, em especial em áreas de clima tropical e subtropical, as evoluções quanto à fertilidade e nutrição de plantas, aparentemente, atingiram um patamar produtivo que pouco evoluiu nos últimos anos.

Concomitantemente, a evolução do conhecimento e de práticas sobre a sanidade das plantas circunda em torno das questões de qual patógeno combater e em que intensidade. Este posicionamento que, em primeira análise, pode parecer simples, na verdade representa a consequência de anos de descaso com a chamada fertilidade biológica dos solos.

A linha temporal da agricultura, desde os cultivos no Egito antigo até o período pré-revolução verde, está alicerçada na utilização das complexas interações naturais e simbioses ocorrentes no ecossistema solo para sustentar a produção de alimentos, a chamada fertilidade biológica dos solos.

Tudo no seu tempo

Obviamente, durante os séculos passados, o volume de produção correspondia à demanda da época. Assim, o manejo das culturas não necessitava de grandes esforços no intuito de proteção vegetal ao ataque de pragas e doenças e inserção de insumos externos voltados à fertilização dos solos.

Esta afirmação não significa que os cultivos não estavam sujeitos ao ataque de organismos fitopatogênicos, nem tão pouco que a exigência das plantas por nutrientes era menor do que a conhecida na atualidade.

Mas, significa que a fertilidade biológica dos solos, antes da inserção massiva de fertilizantes e ativos químicos, proporcionava um equilíbrio natural no sistema solo-planta-atmosfera, sustentando as relações de sinergismo entre a vida do solo e a produção vegetal.

Neste período pré-revolução verde, antes da adição massiva de moléculas químicas sintéticas provocar um desbalanço nutricional, hormonal e enzimáticos nas plantas, a proteção ao ataque de pragas, bem como a fertilização dos cultivos, era realizada por agentes biológicos, ou seja, por organismos e microrganismos benéficos envolvidos na ciclagem, fixação e solubilização de nutrientes, bem como na proteção vegetal.

Crédito: Shutterstock

Posteriormente, na evolução das ciências biológicas e da terra, o conhecimento sobre o comportamento vegetal em solos equilibrados deu início à teoria de trofobiose. Após a revolução verde, com o incremento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, passou-se a utilizar insumos inerentes ao aumento produtivo das culturas, tanto para atender a demanda crescente por fibras, alimentos e energia, como para aumentar a margem de lucro dos envolvidos na cadeia produtiva.

Causas e consequências

Embora a linha de raciocínio da pesquisa da época estivesse correta ao dar suporte ao crescimento do setor agrícola, os efeitos ou consequências deste novo conceito produtivo seriam evidenciados apenas no momento em que a intervenção do homem, em desacordo com os processos naturais, viesse a desestabilizar o sistema produtivo.

Em que momento ocorreu o desequilíbrio no sistema agrícola, comprometendo a qualidade dos solos? A questão certamente poderá resultar em diferentes respostas. No entanto, boa parte delas irá circundar a utilização desproporcional de insumos externos, principalmente fertilizantes minerais e moléculas químicas sintéticas.

É necessário, neste momento, compreender que, embora os macro e micro elementos utilizados na agricultura sejam essenciais para o desenvolvimento das plantas e fundamentais para a obtenção das produtividades esperadas, as formulações nas quais estes elementos estão disponíveis apresentam efeito salino no solo, resultando na diminuição da atividade microbiana e redução das interações entre a fração viva dos solos e as plantas cultivadas.

Estabilização do solo

Neste sentido, como as formulações de fertilizantes desestabilizam o ecossistema solo? A resposta desta questão está na atividade da água no sistema solo, que não está relacionada apenas à quantidade de água no perfil, mas à capacidade desta de manter a funcionalidade das interações microbianas.

Desta forma, quanto menor for a atividade da água, menor será a atividade microbiana na rizosfera (ambiente compreendido entre o solo e as raízes das plantas). A diminuição das simbioses rizosféricas resulta em limitações, tanto na absorção de água e nutrientes quanto no efeito essencial que exsudatos microbianos exercem no desenvolvimento e crescimento das plantas.

A consequência mais evidente desta limitação microbiana está na diminuição da tolerância das plantas à presença de pragas e doenças no ambiente.

A exemplo de cultivos biodinâmicos (agricultura voltada à utilização da natureza para manter os ciclos produtivos), onde as interações entre plantas e os organismos do solo proporcionam desenvolvimento vegetal com baixo nível de doenças, a agricultura convencional (com utilização de fertilizantes minerais e ativos químicos), quando em desacordo com a real necessidade dos agroecossistemas, debilita as plantas, em um círculo vicioso, tornando-as suscetíveis ao complexo de pragas relacionadas com as diversas culturas.

A ocorrência de inúmeras associações naturalmente existentes entre os vegetais e a microbiota edáfica apresenta-se como um campo vasto para o desenvolvimento de biofertilizantes e outros insumos agrícolas de caráter biotecnológico.

Um exemplo de solo equilibrado
Crédito: Marcus Mesquita

Bactérias do bem

As bactérias promotoras do crescimento das plantas (PGRP), bactérias fixadoras de nitrogênio, os microrganismos solubilizadores de nutrientes, os fungos micorrízicos e os agentes de biocontrole são, na atualidade, uma alternativa para a realização de uma agricultura sustentável.

Por meio de seus numerosos mecanismos de ação direta ou indireta, estes microrganismos podem permitir uma redução significativa no uso de agroquímicos e fertilizantes minerais nos sistemas agrícolas.

Estes eventos benéficos do controle biológico de pragas, da biorremediação de metais pesados, dos aumentos e rendimentos dos cultivos e da melhoria da qualidade da produção vegetal podem alcançar um lugar de forma simultânea e sequencial.

Dentre as questões a serem compreendidas, devemos refletir sobre como reverter a dependência de insumos externos ao processo produtivo sem diminuir produtividade, e sobre o modo de se praticar a agricultura em áreas extensivas. Para estas questões, mais uma vez a resposta vem da natureza.

Tudo em equilíbrio

Hoje, os solos agricultáveis (áreas produtivas) dependem do manejo de fertilização e proteção vegetal para manter o processo produtivo, devido ao desbalanço nutricional das plantas e ao desequilíbrio biológico dos solos. Aliado a isso, somam-se os diversos patógenos presentes no ambiente, muitos deles selecionados ao longo dos anos em função de um manejo equivocado.

Obviamente que nestes sistemas, onde a dependência vegetal ao aporte de insumos externos está bem estabelecida, caso seja suprimida a utilização da fertilização mineral, a produtividade das culturas tenderá a reduzir significativamente.

No entanto, existe uma segunda área do conhecimento que estuda as relações de equilíbrio na natureza, devido à influência das diversas formas de energia presentes na atmosfera.

Estudos de biodinâmica de ecossistemas demonstram que podemos, sim, praticar agricultura com foco em altas produtividades, reduzindo as inserções de insumos externos, e dando foco às interações biológicas no ecossistema solo, as quais são a base da fertilidade biológica e a otimização de solos bioativos.

Quem são eles?

Mas, o que são solos bioativos? Por definição, sistemas bioativos referem-se aos sistemas onde as interações biológicas proporcionam resultados satisfatórios quanto à produtividade das culturas.

Conceitualmente, bioativação significa promover ações que proporcionem condições para o aumento populacional, para a diversidade e a atividade harmônica dos organismos que vivem nesses sistemas, de forma que, em equilíbrio, eles possam desenvolver plenamente suas atividades.

Bioativar os ambientes agrícolas (ecossistema solo-planta) significa promover qualquer ação que influencie positivamente a vida microbiana e vegetal presente no solo, tornando possível utilizar recursos naturalmente existentes no perfil para otimizar a produção agrícola.

Estímulo à lavoura

Os estímulos vegetais decorrem dos benefícios inerentes às simbioses microbianas, à síntese e concentração de fitohormônios, indução de mecanismos de resistências nas plantas, biodisponibilização de nutrientes através da ação de solubilizadores e otimização da utilização da água, traduzindo-se em manutenção e ganhos de produtividade das culturas a um menor custo de produção, devido à biostasia do sistema, ou seja, busca pelo estado de equilíbrio entre o solo, as plantas e a atmosfera.

Atualmente, observam-se avanços quanto à produtividade das culturas, alcançando-se patamares produtivos que há algum tempo eram almejados, mas quase impossíveis de serem conquistados.

Concomitantemente a esta elevação das produtividades das culturas, iniciaram-se, em escala visível, as preocupações com o cuidado dos solos em termos biológicos. Nos últimos anos, as informações inerentes aos danos causados aos solos por manejos equivocados trouxeram à tona preocupações por parte dos produtores, as quais já estavam latentes há algum tempo.

Altas produtividades

A preocupação com a chamada fertilidade biológica dos solos tornou-se mais um elo na corrente para alavancar produtividades. Neste mesmo período, os questionamentos sobre quais as práticas poderiam resultar em aumentos da produtividade em uma, cinco, dez sacas de determinada cultura, passou para o que precisa ser feito para garantir a produtividade inerente à genética da semente, evitando perdas ocasionadas por equívocos quanto à nutrição, ao manejo fitossanitário, às interações biológicas, ao clima, etc..

Não por coincidência, os atuais recordes de produtividades de grãos observados no Brasil estão associados a manejos onde a reposição de nutrientes no solo é feita via utilização de fontes organominerais, dejetos animais e/ou resíduos vegetais.

Do mesmo modo, estes manejos adotam rotações de culturas eficientes, utilizando plantas de cobertura específicas para o zoneamento climático e com ações comprovadas quanto à descompactação do solo, redução de pressão de patógenos e sinergismo entre plantas de cobertura e as culturas de grãos.

Atualmente, as propriedades mais eficientes quanto à produtividade já definiram, de forma eficiente, as questões sanidade, luminosidade, genética, nutrição e índice hídrico ótimo, focando em ajustes quanto às interações biológicas no solo, a fim de estabelecer um ecossistema agrícola eficiente e sustentável.

Nestes ambientes, a presença de organismos bioindicadores de qualidade do solo passou a ser evidenciado.

Pesquisas mostram o caminho                                                                 

Sabe-se que a possibilidade de substituição parcial do uso de fertilizantes e defensivos em grandes culturas é real e eficiente. Inúmeros trabalhos de pesquisas vêm demonstrando que a utilização de rotação de culturas, fungos simbiontes, rizobactérias fixadoras de nitrogênio e solubilizadoras de fostatos, entre outras, substituem, sem perdas de produtividade e sem a incorporação de passivos ambientais, fertilizantes e defensivos utilizados na agricultura pela adoção de “pacotes tecnológicos”.

Em revisão recente publicada pela Dra. Mariângela Hungria, referência internacional quanto à fixação biológica de nitrogênio, a pesquisadora cita a “década de ouro da microbiologia do solo”, fazendo referência à conscientização e adoção crescente das novas tecnologias baseadas na utilização de microrganismos em prol de uma agricultura sustentável.

Resultados apresentados pelo Dr. Feike Dijkstra, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de Sydney, demonstram que o equilíbrio da vida no solo é fundamental para o aporte de nutrientes e a produtividade das mais variadas culturas agrícolas. Segundo o pesquisador, o modelo de agricultura atual está equivocado quanto à utilização de insumos.

Aliado a isso, os modelos de sucesso estão intimamente ligados ao manejo e incremento das interações biológicas e dos balanços e equilíbrios nutricionais e hormonais nas plantas.

Receita pronta

O sistema plantio direto e a rotação eficiente de culturas, a fertilização com adubos orgânicos e organomirerais e o manejo da água constituem peças fundamentais para altas produtividades.

Aliados a estes, tecnologias à base de fertilização foliar, aplicação de enzimas, aminoácidos e compostos orgânicos, utilização de agentes biológicos e, mais recentemente, a utilização de tecnologias de bioativação por ionização apresentam-se como ferramentas eficientes de manejo ao estímulo às interações planta-microrganismos e aumento na produtividade das culturas.

No entanto, embora a adoção destas tecnologias “verdes” esteja crescendo, a utilização em larga escala dependerá de esforços, tanto da pesquisa como da extensão, a fim de esclarecer os efeitos da utilização destas tecnologias.

A importância de conhecer essa diversidade de interações está na compreensão da dinâmica interativa, podendo promover relevante mudança de comportamento do observador, quando este conhecimento é apropriado ao nível de detalhes e compreendido num olhar acadêmico e multidisciplinar.

Crédito: Shutterstock

Estabilidade funcional

A diversidade microbiana nos solos representam aspecto fundamental a qual resulta na capacidade de recuperação do sistema edáfico e lhe assegura a estabilidade funcional, proporcionando também a possibilidade de manter microrganismos com capacidade de promover o crescimento das culturas de tal maneira que a sustentabilidade dos agroecossistemas seja favorecida por diversos mecanismos.

No entanto, os benefícios da fertilidade biológica somente serão observados se as eventuais limitações químicas e físicas do solo forem corrigidas de forma eficiente.

Pelo exposto, observa-se que estudos sobre ativação da microbiota edáfica e sua consequente resposta em produtividade vegetal são relevantes e fundamentais para a compreensão dos processos biogeoquímicos envolvidos na produção de plantas.

Não há dúvidas de que a fertilidade biológica dos solos agrícolas é um patamar que pode ser conquistado. Mais do que isso, a busca pela manutenção da fertilidade biológica dos solos representa um caminho sem volta, por consistir em uma ferramenta sólida e eficiente de manejo, visando ampliar o estímulo ao desenvolvimento vegetal e, consequentemente, a produtividade sustentável.

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