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Adubação verde – A natureza a serviço da natureza

Elaine Bahia Wutke

ebwutke@iac.sp.gov.br

José Antônio de Fátima Esteves

jafesteves@iac.sp.gov.br

Engenheiros agrônomos, pesquisadores científicos do Instituto Agronômico (IAC), Centro de Grãos e Fibras ” Leguminosas

Edmilson José Ambrosano

ambrosano@apta.sp.gov.br

Engenheiro agrônomo, pesquisador científico do Polo Regional do Centro Sul/DDD

 Crédito Alexandre Limberger
Crédito Alexandre Limberger

Os adubos verdes podem ser utilizados tanto em solos preparados de maneira convencional quanto em sistemas de plantio direto (SPD) ou de cultivo mínimo, para produção de massa vegetal (fitomassa) destinada à cobertura do solo e ciclagem de nutrientes em vários sistemas de produção, tais como:

â–º Em esquemas de rotação, sucessão ou consórcio com culturas, tanto anuais quanto perenes (frutíferas, café, seringueira, cacau) ou semi-perenes (cana-de-açúcar/reforma, mandioca). No caso de consórcio com frutíferas, por exemplo, podem servir como plantas atrativas/melíferas;

â–º Como forrageiras, associados ou não às gramíneas, para fornecimento de feno ou forragem na integração lavoura-pecuária (ILP), constituindo pastagens ou banco de proteínas para suplementação na alimentação animal;

â–ºNa agricultura familiar e orgânica, visando aumento da biodiversidade e produção de massa vegetal (fitomassa) em situações de consórcios ou “coquetéis“, em que se misturam duas, três ou até quatro espécies de adubos verdes.

Adubação verde aumenta o teor de matéria orgânica no solo - Crédito Sementes Piraí
Adubação verde aumenta o teor de matéria orgânica no solo – Crédito Sementes Piraí

Por que o adubo verde é importante

Como principais vantagens gerais do cultivo dos adubos verdes, o agricultor pode esperar aumento ou manutenção da produtividade e do lucro na propriedade;preservação e conservação dos recursos naturais e da biodiversidade; proteção, recuperação e manutenção dos solos cultivados; ciclagem dos nutrientes; adição de nitrogênio pelas leguminosas e manutenção da matéria orgânica do solo;aproveitamento mais adequado e racional dos insumos; utilização de algumas espécies na alimentação humana e animal; efeito de quebra-vento ou de arborização em culturas perenes em formação;“sequestro“ de carbono; emissão reduzida de gases para a atmosfera; contribuição à redução do efeito estufa e do desmatamento pelo uso racional de áreas cultivadas, por exemplo, em integração lavoura-pecuária (ILP); utilização como possíveis fontes energéticas renováveis, como de biodiesel; e utilização no controle de nematoides do solo e de plantas daninhas.

Mais especificamente, os efeitos benéficos e variáveis dessa massa vegetal em algumas características do solo cultivado, e que dependem das condições locais e da frequência de uso, são:

  1. a) Em características químicas:
  • Incorporação de nitrogênio da atmosfera devido à fixação com bactérias do gênero Rhizobium e Bradhyrhizobium, por meio de simbiose nos nódulos radiculares das leguminosas;
  • Aumento do teor de matéria orgânica, “condicionante de produtividade“;
  • Mais disponibilidade de macro e micronutrientes;
  • Aumento da capacidade de troca de cátions (CTC) do solo, sobretudo nos solos com argila do tipo 1:1, predominante nos solos tropicais, bastante intemperizados e, ainda, naqueles de textura preponderantemente arenosa;
  • Liberação de ácidos orgânicos pelas raízes, importantes na solubilização dos minerais do solo que são disponibilizados às culturas, como, por exemplo, o fósforo por guandu;
  • Complexação do alumínio trocável para uma forma não disponível no solo;
  • Mobilização de nutrientes pouco solúveis e lixiviados em profundidade, particularmente devido ao crescimento vigoroso e em profundidade do sistema radicular das leguminosas;
  • Liberação de substâncias químicas alelopáticas no ambiente que atuam no desenvolvimento das plantas daninhas.
Adubo verde ajuda na ciclagem dos nutrientes - Crédito Alexandre Limberger
Adubo verde ajuda na ciclagem dos nutrientes – Crédito Alexandre Limberger
  1. b) Em características físicas:
  • Proteção ao impacto direto de gotas de chuva na superfície do solo, devido à cobertura vegetal estabelecida, evitando-se sua desagregação e contribuindo para sua conservação;
  • Aumento da porosidade do solo, com melhoria de sua estrutura;
  • Aumento da retenção de água e melhoria da capacidade de infiltração e de armazenamento, com consequente diminuição da enxurrada e da erosão;
  • Diminuição da variação da temperatura ‘dia-noite’ e de seus efeitos na superfície do solo e em profundidade, favorecendo o aprofundamento de raízes e o aumento da microfauna e microflora do solo;
  • Possibilidade de descompactação do solo pelo cultivo de algumas espécies com desenvolvimento radicular adequado para esse objetivo.

  1. c) Em características biológicas:
  • Favorecimento da atividade de microrganismos benéficos à “vida” do solo, como rizóbios, micorrizas, minhocas, colêmbolos e besouros, alguns deles decompositores da matéria orgânica e transformadores de parte dela em nutrientes absorvidos pelas raízes;
  • Controle da população de nematoides, sobretudo daqueles formadores de galhas (Meloidogyne indica; M. javanica), pelo fato dos adubos verdes serem fonte alternativa de matéria orgânica, por atuarem no aumento do ciclo de gestação da fêmea do nematoide ou na redução do número de ovos gerados a cada ciclo.

  • Controle de algumas plantas daninhas devido ao efeito mecânico de competição e sombreamento; o controle da população de algumas pragas e doenças, pela interrupção do ciclo de hospedeiros e pelo fato de serem plantas atrativas ou “armadilhas”; a promoção do crescimento populacional de predadores de pragas em determinadas culturas, para os quais o pólen de alguns adubos verdes é alimento com qualidade nutricional.

Escolha de espécies

Na recomendação ou na tomada de decisão para a escolha de determinada espécie de adubo verde, devem ser considerados alguns aspectos importantes, tais como:

ðHistórico da área: áreas compactadas, manchas de fertilidade, ocorrência de fungos de solo e de nematoides, principalmente daqueles formadores de galhas;

ð Adaptação das plantas ao clima e solo da região;

ð Saber qual o sistema de produção adotado em uma situação agrícola específica;

ð Pouca ou quase nenhuma interferência do adubo verde com as culturas principais da propriedade, sejam elas anuais, perenes, pastagem, cana-de-açúcar ou reflorestamento;

ð O adubo verde deve ter um custo financeiro mínimo, havendo a possibilidade de obter renda extra com a venda de seus produtos (sementes, fibras) ou subprodutos (óleo comestível, biocombustível, mel, goma, etc.) dos adubos verdes ou;

ð Facilidade de aquisição de sementes no mercado a um preço acessível e não muito variável entre diferentes fontes que as comercializam;

ð Produção de quantidade de massa vegetal (fitomassa) adequada e satisfatória ao sistema de produção adotado na propriedade e à necessidade do produtor (aumento da capacidade produtiva do solo, recuperação de áreas degradadas, etc.);

ð Facilidade de manejo da massa vegetal (fitomassa) em relação, por exemplo, ao hábito de crescimento das plantas (ereto ou trepador); à disponibilidade de mãodeobra e de equipamentos e implementos necessários ao manejo dos adubos verdes, etc.;

ð Preferência do agricultor, que pode estar relacionada ao tradicionalismo de uso e ao desconhecimento de outras opções mais adequadas.

Há muitas espécies de adubos verdes disponíveis e adaptadas às distintas condições agroclimáticas do Brasil (Tabela 1), que podem ser cultivadas em duas épocas principais:

  1. a) Na primavera-verão: semeaduras desde o início do período chuvoso (a partir de outubro nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do País) até março-abril, mas em áreas sem risco de geadas;
  2. b) No ‘outono-inverno’: semeaduras no outono (março-abril), quando o desenvolvimento das plantas é favorecido por temperaturas amenas e pela restrição de chuvas, havendo finalização do seu ciclo ao final do inverno e no máximo até o início da primavera, sobretudo na região sul do País.

 

Tabela 1. Características das espécies mais utilizadas como adubos verdes e plantas de cobertura, particularmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil

Nome comum Nome científico Família botânica Massa verde Massa seca Relação

C / N

N fixado

por ano

   
—— t ha-1 ——–  — kg ha-1

Semeadura na primavera-verão

Crotaláriabreviflora Crotalariabreviflora Leguminosa(1) 15 a 21 3 a 5 14 a 18 67
Crotaláriajuncea Crotalariajuncea Leguminosa 21 a 60 10 a 15 17 a 19 150 a 450
Crotaláriaspectabilis Crotalariaspectabilis Leguminosa 20 a 30 4 a 6 18 60 a 120
Feijão-de-porco Canavaliaensiformis Leguminosa 22 a 40 5 a 8 10 a 16 49 a 230
Girassol Helianthusannuus Composta(2) 20 a 90 2 a 12 22 a 33
Guandu Cajanuscajan Leguminosa 20 a 40 8 a 12 15 a 22 37 a 280
Lablab Dolichoslablab Leguminosa 15 a 36 5 a 9 18 66 a 180
Milheto Pennisetumglaucum Gramínea(3) 23 a 50 8 a 21 30 a 43
Milho Zea mays Gramínea 20 a 30 6 50 a 54
Mucunaanã Mucunadeeringiana Leguminosa 10 a 20 2 a 4 12 a 20 50 a 100
Mucunacinza Mucunacinerea Leguminosa 25 a 50 5 a 8 10 a 22 120 a 210
Mucunapreta Mucunaaterrima Leguminosa 29 a 50 6 a 9 12 a 21 120 a 210
Sorgo Sorghum sp. Gramínea 28 a 56 1 a 10

 

Semeadura no outono-inverno

Aveia branca Avena sativa Gramínea 15 a 50 2,5 a 7 33 a 47
Aveia preta Avena strigosa Gramínea 15 a 60 2 a 8 21 a 42
Azevém Lolliummultiflorum Gramínea 20 a 60 2 a 6 36
Centeio Secalecereale Gramínea 12 a 35 2 a 7 19 a 42
Chícharo Lathyrussativus Leguminosa 20 a 40 2 a 6 12 a 25 80
Ervilhaforrageira Pisumsativum

subesp.Arvense

Leguminosa 15 a 40 2,5 a 7 12 a 21 60 a 90
Ervilhaca Vicia sativa Leguminosa 19 a 50 2 a 10 10 a 24 90 a 180
Naboforrageiro Raphanussativusvar. oleiferus Crucífera(4) 20 a 60 2 a 9 10 a 34
Tremoçobranco Lupinusalbus Leguminosa 15 a 40 2 a 5 14 a 23 128 a 268
Tremoçoazul Lupinusangustifolius Leguminosa 18,2 a 37,8 3 a 6 16,6 a 19,4 100
Trigo Triticumaestivum Gramínea 10 a 14 1,5 a 4
Triticale X TriticosecaleWittmack Gramínea 5 a 10 2 a 3 22

(1)Fabaceae; (2)Asteraceae; (3)Poaceae; (4)Brassicaceae.

Fonte: Diversos autores mencionados em Wutke et al. (2010)

 

 

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