Rafael Rosa Rocha
Engenheiro agrônomo e mestre em Ambiente e Sistemas de Produção Agrícola – Unemat
rafaelrochaagro@outlook.com
Pesquisas revelam que, na safra 2023/24, o uso de baculovírus superou os biológicos Bt (Bacillus thuringiensis) no Brasil, com os biolagarticidas com baculovírus tratando 59% das áreas de soja, contra 41% dos Bt.
Esta é a primeira vez que o uso de baculovírus passa à frente do Bt. Mas, você pode estar se perguntando: o que levou ao aumento do uso de baculovírus para controle de lagartas na safra de soja 2023/24?
Uma pesquisa da consultoria Kynetec revelou que a pressão das lagartas resultou em aumento de 38% na área tratada inseticidas, totalizando 22,5 milhões de hectares na safrinha 24.
Esse aumento também está muito relacionado ao fato de a biotecnologia não ter conseguido controlar completamente as infestações, e por falta de novas moléculas químicas. O foco é a adesão a produtos biológicos, abrindo muito espaço para a utilização de baculovírus.
Entenda melhor
Os baculovírus formam o maior grupo de vírus de insetos e, normalmente, são bastante específicos para uma ou poucas espécies relacionadas. Os vírus responsáveis pela infecção inicial são revestidos por uma matriz proteica, formando um corpo de oclusão ou poliedro.
O produto formulado é seguro, econômico e de fácil aplicação, sendo compatível com a maioria dos produtos normalmente usados para a proteção de cultivos em aplicações foliares. Após a aplicação foliar do baculovírus, as lagartas ingerem os poliedros depositados sobre as plantas, sendo esse controle por ingestão, o que dá início à primeira fase de infecção.
Estes poliedros se dissolvem pelo pH alcalino no intestino médio das lagartas, liberando as partículas virais que penetram no núcleo das células epiteliais do intestino das lagartas, onde se replicam, fazendo, literalmente, a lagarta ser uma grande fábrica de baculovírus.
Com a replicação ocorre a formação de novas partículas virais. Desta forma, eles se produzem e se dispersam pela hemolinfa e traqueia, invadindo todos os tecidos da lagarta, resultando em perda de movimentos e morte.
Diferenciais
Um dos diferenciais entre uso de baculovírus e Bt (Bacillus thuringiensis) no controle de lagartas na soja está relacionado aos baculovírus serem um grupo de vírus que possui toxidade para as lagartas e são específicos.
Assim, necessitam de mais de um baculovírus, quando houver a ocorrência de grande infestação de lagartas e danos econômicos. Já o Bt controla mais de 55 espécies de lagartas e larvas registradas.
Bt x baculovírus
Mas, por que o emprego de Bt em comparação ao uso de baculovírus tem diminuído? Está muito relacionando ao emprego de cultivares com tecnologia Bt e não eficiência no controle, pois outro ponto também é que, com o emprego de plantas com tecnologia Bt e aplicações excessivas nesses materiais, ocorre resistência sobre essa tecnologia.
A resistência de pragas de insetos em cultivos agrícolas é um processo complexo que surge quando as populações adquirem a habilidade de sobreviver e se reproduzir mesmo quando expostas a métodos de controle, como pesticidas ou plantas transgênicas contendo proteínas tóxicas, como é o exemplo de materiais com tecnologia Bt.
Dentro da população de pragas, uma pequena parcela de indivíduos possui resistência genética à tecnologia. Entretanto, a predominância é a presença de insetos suscetíveis.
A utilização contínua da mesma tecnologia de forma inadequada seleciona esses indivíduos resistentes, que podem se reproduzir e gerar descendentes também resistentes. Sabe-se que pelo menos três espécies da ordem Lepidoptera já se tornaram resistentes às proteínas Bt. Além disso, no caso dos BT aplicados via foliar, apesar de biológicos, observamos a mesma redução de concentração após a aplicação, como nos químicos.
Demanda
Atualmente, são constatados 22 isolados de baculovírus por apenas setes fabricantes. Devido à sua estreita gama de hospedeiros, tornando-se seguro para outros insetos e organismos, o uso de baculovírus tem crescido safra a safra, devido seu alto valor patogênico, que contribui para o controle assertivo de lagartas, podendo até mesmo diminuir o número de aplicações de inseticidas.
Desta forma, representa uma possibilidade real de redução de custos de produção, como também a possibilidade de rotação das moléculas, não ficando preso a princípio ativo químico, e sim fazendo a associação para melhores resultados.
Quando aplicar?
A aplicação deve ser feita quando as lagartas estiverem pequenas, e no início do seu desenvolvimento, que seria em lagartas de 1º e 2º instar (Figura 1), pois quanto mais desenvolvidas e maiores, mais difícil é o manejo eficiente.
Isso porque mais de 90% dos danos são causados por lagartas de 4º instar em diante – daí a importância de controla-las ainda pequenas, antes que cresçam e comecem a causar danos significativos.
Outro ponto para se atentar e obter ótimos resultados no controle é o momento de aplicação – as pulverizações devem ser realizadas em horários com menor incidência de sol direto nas folhas.
Dicas importantes
A escolha de isolados de baculovírus mais virulentos e a densidade populacional que deve ser estimada por meio de avaliação frequente da população devem ser levadas muito a sério, o que pode impactar drasticamente a eficiência de um produto.
Vale salientar que o baculovírus, de forma geral, não deve ser usado para controlar lagartas maiores que 8,0 mm e, como no dia a dia da avaliação no campo é difícil ajustar este momento de aplicação (só com lagartas pequenas), recomenda-se a utilização de baculovírus em mistura de tanque com inseticidas de choque.
Problema mundial
Dados relatam que a Spodoptera frugiperda é um problema a nível mundial, mostrando resistência a 47 ingredientes ativos em todo o mundo e a 17 ingredientes ativos no Brasil, com o Bt.
Já a Helicoverpa armigera possui resistência a 55 ingredientes ativos em todo o mundo, entre eles a proteína Bt. Temos relatos da “nova” falsa medideira da soja Intacta, Rachiplusia nu: que vem ganhando relevância em várias regiões, onde, até 2018, as observações eram mais frequentes apenas no sul do Brasil, Paraguai, Uruguai, etc.
No entanto, a espécie já foi observada em vários estados na safra 2022/23, como GO, MS, MT e BA. É muito parecida com a Chrysodeixis includens, sendo praticamente impossível diferencia-las a campo unicamente pelas características físicas.
Trata-se de uma praga relativamente nova na cultura da soja Bt, com potencial de prejuízo grande, por ser uma espécie altamente desfolhadora, que não é controlada pela biotecnologia BT atual.
Desta forma, abre espaço para o emprego de baculovírus, pois no mercado atual já se tem produto registrado para tal praga.