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Dr. Aldir Alves Teixeira – Engenheiro agrônomo, doutor, CEO/diretor geral da Experimental Agrícola do Brasil Ltda. – aldir.teixeira@illy.com | diretoria@illy.com
O movimento internacional conhecido como a “quarta onda do café”, ou seja, momento em que a forma de consumo da bebida se transforma em uma experiência sensorial e o produto passa a ser mais valorizado.
Em 2019, Minas Gerais produziu cerca de 24 milhões de sacas de café. O recuo é de quase 30% em relação ao ano passado, o que não retira o Estado do posto de principal produtor do País, respondendo por metade de todo o café colhido em território brasileiro.
Mas, com o crescimento do nicho de cafés diferenciados – com qualidade superior ou certificado de práticas sustentáveis – as possibilidades de recuperação do setor também se ampliam. Quase 7,0 milhões de sacas do produto foram exportadas em 2019, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), número quase o dobro do alcançado duas safras atrás.
“O volume representa 18,6% de participação no total do grão exportado em 2019 e um crescimento de 23,4% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já a receita cambial foi de US$ 1,1 bilhão no período, representando 23,5% do total da receita gerada pelo Brasil com as exportações realizadas em 2019”, destaca o relatório.
Produtor e empreendedor do comércio de cafés especiais, Bruno Souza vê novos mercados de consumo que o produto mineiro e brasileiro de alta qualidade e certificado pelas práticas sustentáveis nas plantações poderá conquistar em 2020, ano de natural renovação do fôlego das lavouras. “O crescimento é constante desse segmento no País há pelo menos três anos. Café especial sempre teve preço. Cheguei a pagar R$ 3.500 a saca (de 60 quilos) quando o preço de mercado (cotado em bolsa de valores) era de R$ 380”, afirma.
De olho no crescimento do mercado de cafés especiais, a Cooxupé, maior cooperativa do País, criou em 2009 uma subsidiária só para cuidar desse tipo de produto, a SMC, e incentivar os associados a entrarem na onda.
Há quatro anos, criou um programa específico para identificar os grãos premium entre as toneladas que chegam à cooperativa pelos mais de 14 mil cooperados. Funcionários treinados identificam os lotes que entram na classificação e encaminham para a SMC, que faz a oferta ao produtor de acordo com a pontuação atingida.
Em 2016, primeiro ano do programa, a cooperativa identificou 10,5 mil sacas de cafés especiais entre toda a sua produção. Em 2017, o número saltou para 17,9 mil. Em 2018, foram 31,3 mil sacas — ainda pouco perto das 6,4 milhões de sacas recebidas no ano.
No ano passado, a SMC pagou, em média, de R$ 40 a R$ 150 a mais pela saca de cafés especiais em relação ao preço da commodity. É o caso do pequeno produtor rural, Gabriel Antônio Madeira, que sempre produziu café em Nova Resende (MG). Na última safra, seguiu o ritual de colher suas 200 sacas nas montanhas e destiná-las à cooperativa.
Foi, porém, surpreendido ao descobrir, por acaso, um lote de cafés especiais em meio à sua produção. Em vez dos cerca de R$ 460 atuais pela saca de 60 kg, vendeu cada uma por R$ 2.750. E, se depender da demanda, o cultivo voltado ao produto ‘premium’ deve continuar em alta.
O assessor técnico especial do café na Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), Niwton Moraes afirma que a mudança no perfil produtivo do País vem ganhando força há duas décadas. “Chegamos a um patamar interessante de exportação desse café diferenciado porque o preço é pelo menos 15% superior ao valor do café commodity, podendo custar até o dobro.
Vale lembrar que a qualidade não tem tanta vinculação com a variedade, mas sim com a condição climática, a altitude e o zelo do produtor com a colheita”, analisa.
Mercado externo
Estados Unidos, Alemanha, Japão, Itália, Bélgica, Canadá, Reino Unido, Suécia, Finlândia e Espanha já importam a maioria do café especial produzido em Minas. E a demanda crescente não se dá por acaso: a procura está ligada ao movimento internacional conhecido como a “quarta onda do café”, ou seja, momento em que a forma de consumo da bebida se transforma em uma experiência sensorial e o produto passa a ser mais valorizado.
“Na primeira onda, o estímulo era para aumentar o volume consumido no mundo. Na segunda, nasce a ideia de qualidade com a escala de classificação internacional. Na terceira, surge o consumo em monodoses, como as cápsulas, além da venda direta do produtor para o varejista”, explica o especialista.
Agora, reforça Moraes, as pessoas não querem apenas beber o café, mas experimentar as notas de aroma e sabor do produto. “Da mesma forma, o ambiente aconchegante das cafeterias e a história por trás do cultivo, com informações sobre a colheita e o terroir da região produtora, fazem toda diferença. Em síntese, saímos da preocupação com o volume para o foco na qualidade”, conclui Moraes.
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O que se entende por café especial?
O mercado de cafés especiais começou há quase 30 anos, depois que o Dr. Ernesto Illy, presidente da torrefadora italiana illycaffè, veio ao Brasil em 1991, tendo em vista que ele não estava encontrando os cafés brasileiros de qualidade para o seu “blend”.
Decidiu, na época, lançar um Prêmio de Qualidade para Café Espresso, passar a comprar diretamente do produtor e pagar um preço melhor ao cafeicultor pelos cafés de qualidade. Logo após essa iniciativa, tudo começou a mudar no Brasil. Até então, o nosso café era comercializado como comodity, sem diferença de preço entre um café comum e um de qualidade.
Os cafeicultores começaram, então, a investir em qualidade. Muitos outros prêmios de qualidade surgiram e denominações de origem começaram a aparecer no Brasil. É importante salientar que a illycaffè, que utiliza em seu blend 60% de cafés brasileiros, nunca mais teve problemas em encontrar cafés especiais.
Como ser considerado especial
Um café deve ser considerado especial quando tiver suas características físicas preservadas e as sensoriais agradáveis. O café deve conter grãos perfeitos e sadios, sem defeitos capitais, como verdes (imaturos), pretos verdes, ardidos e pretos, ter um bom aspecto e uma boa seca.
Além disso, deve ser um café gostoso quando bebemos, com aromas e sabores especiais (de chocolate, caramelo, amêndoa, flor, fruta, entre outros) e suave acidez. A boca deve ficar limpa (retrogosto ou “after taste”), principalmente quando apreciado sem açúcar ou outro aditivo qualquer.
Visão interna
O mundo já está descobrindo as qualidades do café brasileiro, principalmente aquele sem defeitos e que deixa um gosto agradável na boca. O café brasileiro bem preparado tem características particulares que agradam os consumidores estrangeiros. O nosso café tem corpo, sabor de chocolate, caramelo, ou de pão torrado, suave acidez e doçura que permanece na boca.
Valor agregado
Com as vantagens de um preço melhor, os nossos cafeicultores estão tendo mais cuidado no preparo de cafés de qualidade, e com isso tem crescido a demanda e oferta de cafés especiais. O consumidor que começa a tomar um café melhor não consegue retornar para o tradicional, mesmo sendo barato.
A possibilidade de prepararmos os cafés descascados, aquele em que o fruto é colhido cereja maduro e descascado (onde se retira a casca, sem a retirada da mucilagem), tem permitido a produção de cafés de qualidade e em quantidade em todas as áreas do Brasil.
Com boa produtividade e qualidade, o valor agregado passa a ser compensador. Tanto é que a cada dia cresce o número de produtores que procuram fazer qualidade e, consequentemente, a produção desses cafés aumenta.
Os produtores brasileiros já perceberam o preço pago pelos cafés especiais e resolveram investir nesse nicho de mercado, inclusive criando as suas próprias marcas.