Araína Hulmann Batista
Wedisson Oliveira Santos
Engenheiros agrônomos, doutores e professores – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
José Geraldo Mageste da Silva
Engenheiro florestal e professor – UFU
De maneira geral, os solos brasileiros são pobres em nutrientes e com elevada acidez, necessitando de ações para o cultivo. Algo importante a ser destacado é que mais de 70% do feijão produzido no país é conduzido em áreas de agricultores familiares, que muitas vezes não têm acesso aos resultados das pesquisas e desenvolvimento de produtos.
Assim, calagem e gessagem no feijoeiro é tema que precisa ser discutido e melhor difundido para produtores deste grão, especialmente os pequenos produtores, que em geral obtêm as menores produtividades do país.
É de longa data que pesquisas, em distintos locais do mundo, estabelecem faixas adequadas de parâmetros do solo de grande influência sobre o desenvolvimento de diferentes culturas agrícolas, como teores disponíveis de nutrientes, pH (acidez ativa), teor de alumínio (acidez trocável), saturação por bases (V= SB/T), relação Ca/Mg, etc.
Para a cultura do feijão, é importante considerar que se trata de uma leguminosa, ou seja, é capaz de fixar nitrogênio atmosférico, o que é um potencial para, no futuro, com melhoria das pesquisas das estirpes de microrganismos fixadores, poder se tornar uma cultura mais rentável e com benefícios ambientais.
Solo saudável
Além de todos os benefícios já conhecidos da calagem, há uma forte correlação da diversidade de bactérias radiculares com o pH dos solos. Estudos mostram que a presença destes microrganismos não é importante apenas no aporte de nitrogênio, mas, como estas liberam ácidos orgânicos, os organismos podem ser aliados na solubilidade de fósforo (P), diminuindo sua fixação na fase mineral do solo e aumentando sua disponibilidade. Outros fatores podem influenciar na correção do pH em subsuperfície, a exemplo dos aspectos físicos do solo (densidade, compactação, porosidade, etc.).
Além da baixa disponibilidade de nutrientes em muitos solos agricultáveis do Brasil, a acidez também pode ser limitante à produção do feijoeiro. Quando o pH do solo (água) se situa abaixo de 5,5, formas tóxicas de alumínio (Al3+) são disponibilizadas, podendo comprometer a produtividade do feijoeiro.
Parâmetros
Como a maior parte das espécies cultivadas, o feijão tem melhor desenvolvimento em faixas de pH de 5,5 a 6,0. Portanto, é necessário elevar o pH do solo para esta faixa, quando o mesmo se encontra em valores inferiores. Neste sentido, a calagem surge como prática revolucionária em condições tropicais úmidas, possibilitando, além de elevar o pH do solo para a faixa adequada, fornecer Ca e Mg, que em geral se encontram em baixos teores em solos dessas regiões em condições naturais ou mal manejados.
O principal corretivo utilizado no Brasil é o calcário, uma rocha sedimentar biogênica rica em carbonato de cálcio e carbonato de magnésio. A dissolução desses carbonatos no solo (CaCO3 + 2H+ à Ca2+ + H2O + CO2) consome acidez (H+), o que promove a elevação do pH do solo.
Adicionalmente, fornece Ca2+ e Mg2+, aumentando sua fertilidade. Outros efeitos também são promovidos, como aumento da atividade biológica do solo com aumento da mineralização da matéria orgânica e da disponibilidade de N, P e S às plantas. Esses efeitos são promovidos na camada onde o corretivo foi incorporado, portanto, em muitos casos se limita à camada arável e pequena distância a partir desta.
Essa baixa mobilidade dos efeitos da calagem no perfil do solo deve-se, principalmente à decomposição do seu ânion acompanhante a CO2 (CO32-à CO2), com isso o Ca2+ e Mg2+ serão os únicos íons que ficarão no sistema, majoritariamente retidos na CTC do solo.
Nesses solos é muito comum que a acidez se acentue nas camadas subsuperficiais, onde o efeito da calagem é muitas vezes pequeno ou irrelevante. Esse impedimento químico em profundidade é acentuado pela baixa disponibilidade de Ca nessas camadas, limitando fortemente o crescimento radicular em profundidade.
O Ca é um elemento ‘chave’ para o crescimento radicular, pois é essencial para formação e estabilidade da parede celular vegetal e apresenta mobilidade na planta muito limitada (pouco móvel no floema).
Assim, o Ca que está presente nas folhas e caules não será mobilizado para atender às demandas para a emissão de novas raízes ou elongação destas em ambientes de solo onde esse elemento não está presente em concentrações adequadas. Em outras palavras: “não haverá crescimento radicular satisfatório onde a disponibilidade de Ca é baixa”.
Obstáculos
Outro fator é que grande parte das áreas cultivadas com grãos pode ter a correção de acidez de subsuperfície dificultada por se tratarem de áreas de plantio direto, a calagem superficial pode não corrigir a acidez em profundidade, pois é realizada sobre a superfície da palhada.
É nesse contexto que introduzimos a importância da gessagem, que promove efeitos condicionantes em camadas de solo, que em geral a calagem não consegue. Essa explicação hoje é plenamente compreendida.
Como o gesso é um sulfato de cálcio, após a dissolução desse sal no solo (CaSO4 + H2O à Ca2+ + SO42-), além do cátion Ca2+ que é liberado, o ânion SO42-, diferentemente do CO32- do calcário, é estável nessas condições normais de aeração (solos bem drenados).
Assim, o sulfato, que é repelido pelas cargas negativas dos coloides do solo (argilas e matéria orgânica) das camadas mais superficiais movimenta-se ao longo do perfil, “arrastando” consigo Ca2+, seu par original, e eventualmente outros cátions, como Mg2+ e K+.
Agora, aquele ambiente subsuperficial que ora encontrava-se pobre em nutrientes e com elevados teores de Al3+ é enriquecido com Ca, S e outros nutrientes, em menor magnitude, é enriquecido. A toxidade por Al3+ é também diminuída por conta dessa movimentação de íons no perfil.
Essa mudança radical em camadas mais profundas de solo, agora enriquecida com Ca, possibilita que o sistema radicular do feijoeiro se aprofunde no perfil do solo, acessando maiores volumes de água disponível e nutrientes, que ora poderiam ser considerados lixiviados.
Outro ponto a ser considerado é que, como a restrição de água é algo muito comum em regiões como o Cerrado, por exemplo, a gessagem contribui para evitar o estresse causado por veranicos durante os cultivos, devido principalmente ao melhor desenvolvimento em profundidade das raízes das plantas.
BOX
Atenção!
A gessagem não corrige o pH dos solos, então não é possível substituir a calagem. São práticas distintas, porém complementares para solos que apresentam impedimentos químicos ao crescimento radicular em profundidade, seja pela elevada disponibilidade de Al3+ nessas camadas como pela baixa disponibilidade de Ca2+, ou ambas as razões.
Portanto, a calagem e gessagem melhoram as características químicas, biológicas e físicas do solo. O crescimento de raízes vigorosas e saudáveis, com arquitetura que permite sua distribuição em uma maior área, implica em cultivos mais produtivos, conservação do solo e melhoria das condições para os futuros plantios.