Miguel Calmon – Consultor Sênior de Florestas do WRI Brasil, e Daniel Soares, Analista de Investimento do WRI Brasil
O Brasil tem na restauração florestal com árvores nativas um caminho de oportunidade para enfrentar os desafios climáticos gerando benefícios ambientais, sociais e econômicos e contribuindo para uma retomada verde pós pandemia.
O Brasil já é uma referência em muitos modelos de reflorestamento e produção agropecuária em sistemas integrados com árvores. Recentemente, a websérie As Caras da Restauração, do WRI Brasil, mostrou cinco histórias de produtores que trabalham com sistemas agroflorestais e silvicultura de espécies nativas na Amazônia, na Mata Atlântica e na Caatinga.
Como a família Soares, de Juruti (PA), que trocou a queima controlada pela agrofloresta, aumentando a renda e agregando valor aos produtos de sua casa de farinha enquanto contribui para a restauração da floresta amazônica.
Em Porto Seguro, visitamos centenas de hectares de silvicultura de espécies nativas da Symbiosis, empresa que tem avançado no resgate e melhoramento genético de espécies como ipê, jacarandá, pau-brasil e jequitibá em uma antiga área de pasto degradado. Modelagens feitas para a empresa com apoio do projeto VERENA estimam retorno de investimento anualizado de 14%.
Direção
Investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) podem dar às espécies nativas uma maior produtividade e aumentar a qualidade da madeira para que a atividade se torne mais atrativa e ganhe escala como ocorreu com o pinus e o eucalipto.
Por meio da Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, estamos apoiando a criação de um programa nacional de P&D para espécies nativas que será lançado no início de 2021. Um estudo de lacunas e prioridades que subsidiou a criação do programa estimou, para cada US$ 1 investido em P&D, um retorno de US$ 2,39.
Potencial
O potencial da restauração no Brasil é imenso. Segundo o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o país abriga 100 milhões de hectares de pastagens degradadas, sendo 41 milhões em grau severo. Há grandes oportunidades na Amazônia, nos estados do Mato Grosso e Pará, e em várias paisagens da Mata Atlântica, como na bacia do rio Doce em Minas Gerais.
A Bacia do Rio Doce tem 49% de sua área ocupada por pastagens, sendo que 41%, ou 1,5 milhão de hectares, estão degradados. Estudo recente do Instituto Estadual Florestal (IEF) de Minas Gerais aplicou a Metodologia de Avaliação de Oportunidades de Restauração (ROAM) na bacia do rio Doce e revelou uma área com potencial de reflorestamento equivalente ao tamanho da Bélgica. Metade dela pode gerar ganhos diretos aos produtores.
O aproveitamento dessas oportunidades poderia trazer uma receita adicional de produção da ordem de R$ 848 milhões a R$ 1,5 bilhão, o que significaria duplicar o crescimento do PIB agropecuário do Doce mineiro.
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A boa notícia é que já existem diversas iniciativas promovendo a restauração na escala da paisagem, como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Aliança para Restauração da Amazônia, Programa Reflorestar no Espírito Santo, Conservador da Mantiqueira em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e muitos outros.
Gargalos a se superar
Ainda assim, é preciso acelerar e dar escala à restauração florestal. Ações de restauração podem ser fortalecidas com melhor engajamento e comunicação sobre o tema, inovação para o provimento de assistência técnica e extensão rural (ATER), e com a criação de incentivos e atração de financiamento e investimentos.
O País já dispõe de linhas de crédito capazes de estimular uma nova economia florestal. É necessário garantir suporte para que produtores consigam acessar políticas como o Plano ABC, que financia a produção de baixa emissão de carbono com o uso de sistemas agroflorestais, integração pecuária-floresta (iPF) e lavoura-pecuária-floresta (iLPF).
A inserção de espécies nativas de valor comercial não só pode aumentar o retorno desses sistemas, mas também a resiliência aos eventos extremos como secas e inundações. Há outras possibilidades de financiamento, como Pronaf Florestas, Pronaf Agroecologia, Pronaf Eco, Fundo Clima – Subprograma Florestas Nativas, Fundo Clima e Inovagro.
Também é preciso avançar em termos de marco legal e segurança jurídica para o produtor. Uma análise das legislações federal e estaduais (Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo) sobre a exploração econômica de espécies nativas plantadas mostrou que a simplificação dos procedimentos e a diminuição dos encargos podem tornar a atividade ainda mais atrativa e interessante economicamente, acelerando, a um só tempo, a restauração das florestas e da economia.
O Brasil é uma potência agrícola e florestal. Atingir as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e o compromisso firmado no Acordo de Paris, de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e áreas degradadas até 2030, são oportunidades para o Brasil assumir seu papel de liderança na produção de alimentos em harmonia com a conservação dos recursos naturais.
O mundo exige eficiência, inovação, inclusão, justiça social e resiliência às mudanças climáticas. A restauração florestal é certamente uma grande aliada nesta caminhada.