Ricardo Bemfica Steffen
Engenheiro agrônomo, doutor em Ciência do Solo e responsável técnico da BioTec RS Tecnologia e Consultoria
agronomors@gmail.com
Gerusa Pauli Kist Steffen
Engenheira agrônoma, doutora em Ciência do Solo e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (SEAPI)
gerusa-steffen@agricultura.rs.gov.br
O planejamento da safra é fator determinante do sucesso de qualquer cultivo agrícola. Um bom planejamento exige boas escolhas do produtor e passa pela definição dos melhores insumos e de adequadas práticas de manejo para cada área agrícola. Sem dúvidas, melhores escolhas levarão a melhores resultados, e o momento certo para fazê-las é durante o planejamento.
Primeiro passo
Além da qualidade das sementes, o produtor deve se preocupar com a escolha dos fertilizantes, os quais interferem em toda a dinâmica do sistema solo-planta-atmosfera, inclusive na atividade biológica do solo.
Mais do que nutrir as plantas de uma forma adequada e equilibrada, bons fertilizantes podem fornecer compostos estruturais para as plantas e estimular a atividade biológica, melhorando a qualidade do solo e a produtividade vegetal.
Esses são os chamados fertilizantes especiais, que além de elementos essenciais à nutrição vegetal, possuem em sua formulação compostos que favorecem a absorção dos nutrientes pelas plantas e minimizam o efeito salino provocado pelos fertilizantes convencionais, que prejudica a atividade dos microrganismos, tão essenciais à produção vegetal.
Diferenças entre os fertilizantes
As formulações de fertilizantes podem ser classificadas como orgânicas, inorgânicas (minerais) e organominerais, dependendo da sua composição. Segundo a legislação brasileira, eles podem ser:
1) Fertilizantes simples: aqueles que fornecem um ou mais nutrientes primários;
2) Mistura de fertilizantes: aqueles resultantes da combinação de fertilizantes simples;
3) Fertilizantes orgânicos simples: aqueles provenientes da transformação de resíduos animais ou vegetais;
4) Fertilizantes organominerais: aqueles oriundos da mistura de fertilizantes orgânicos e minerais;
5) Fertilizantes orgânicos compostos: aqueles resultantes de processos físicos, químicos ou biológicos, naturais ou controlados, a partir de matérias-primas de origem animal ou vegetal, industrial, urbana ou rural, na forma simples ou misturadas, podendo ser enriquecidos com nutrientes minerais;
6) Fertilizantes minerais complexos: aqueles formados pela combinação de dois ou mais compostos químicos minerais.
Qualidade em primeiro lugar
O maior volume de fertilizantes utilizados no Brasil corresponde aos fertilizantes minerais complexos, comumente conhecidos como formulações sólidas NPK. Porém, existem grandes diferenças quanto à qualidade dos produtos dessas formulações e aos efeitos que apresentam sobre a nutrição vegetal e a relação com a microbiologia do solo.
Sendo assim, estão disponíveis no mercado formulações convencionais e especiais deste tipo de fertilizantes. A diferença entre elas é que as formulações especiais, além de fornecerem nutrientes minerais encontrados nas formulações convencionais, contêm compostos orgânicos ou sintéticos que aumentam a solubilidade e a concentração dos elementos nutricionais, estimulando e protegendo comunidades microbianas no solo, além de apresentar reduzido efeito salino.
Alguns fertilizantes especiais possuem a adição de polímeros sintéticos em sua composição. Os polímeros têm a função de proteger os nutrientes minerais, liberando-os de uma forma mais lenta e gradual durante o ciclo das culturas no campo, aumentando a eficiência da nutrição vegetal e reduzindo a lixiviação em relação aos fertilizantes convencionais.
Sem dúvidas, ao optar pelo uso de fertilizantes especiais, o produtor estará dando um passo a mais de qualidade em seu sistema produtivo.
Fertilizantes x atividade biológica no solo
O sucesso na agricultura depende do equilíbrio entre os fatores que beneficiam o desenvolvimento das plantas e os fatores que geram estresses ao metabolismo celular, tanto microbiano como vegetal.
Plantas e microrganismos necessitam de elementos básicos para o seu desenvolvimento. Muitos destes elementos são fornecidos naturalmente, por meio de interações biológicas entre plantas e microrganismos.
No entanto, dependendo das condições de solo, clima, nutrição, histórico do uso de plantas de cobertura e intensidade do uso de químicos em geral, a ausência de alguns destes elementos conhecidos como compostos estruturais pode limitar a produção agrícola.
Desta forma, podemos afirmar que uma agricultura de sucesso não é resultado de uma simples equação baseada na utilização de insumos agrícolas. Produzir com qualidade demanda algo a mais.
É necessário construir um equilíbrio dos processos biológicos que regulam o funcionamento dos ecossistemas agrícolas e compreender o ambiente como um sistema vivo e dinâmico.
Interações microbianas
As plantas necessitam das interações microbianas. Sem essas interações, a manutenção do sistema produtivo se torna cada vez menos eficiente e mais dependente de quantidades elevadas de insumos externos para suprir carências resultantes de uma baixa atividade biológica.
A fração viva representa uma pequena parcela em relação aos constituintes minerais de um solo. No entanto, sua atividade é fundamental para a manutenção dos sistemas produtivos.
Todo o metabolismo microbiano é baseado em reações simultâneas de degradação e síntese molecular de compostos. Até mesmo pequenas alterações neste complexo ciclo energético podem resultar em efeitos deletérios ou de estímulo vegetal.
Assim, manejos que favorecem o crescimento de microrganismos decompositores, fungos micorrízicos, bactérias promotoras do crescimento vegetal e agentes de controle biológico, promovem o equilíbrio nutricional, fisiológico e bioquímico dos ecossistemas agrícolas. Este é o caminho para a construção de uma agricultura mais inteligente e sustentável.
É necessário compreendermos que, embora os macro e microelementos fornecidos pela fertilização mineral sejam essenciais para o desenvolvimento das plantas e fundamentais para a obtenção das altas produtividades, algumas formulações que fornecem esses elementos podem representar um fator de desequilíbrio biológico no solo devido ao efeito salino.
Neste sentido, dependendo da formulação utilizada, podemos estar contribuindo para a diminuição da atividade microbiana e redução das interações entre a fração viva dos solos e as plantas cultivadas.
Influenciadores
O efeito salino está diretamente relacionado à atividade da água no solo. A atividade da água não se refere ao conteúdo de água no solo, mas sim à capacidade dos microrganismos em utilizar a água para manutenção do metabolismo celular e dos ciclos biológicos no ambiente.
Desta forma, quanto menor for a atividade da água (reduzida pelo efeito salino), menor será a atividade microbiana (Figuras 1 e 2).
Figura 1: Atividade fúngica na presença de grânulo de fertilizante convencional (A) e na presença de grânulo de fertilizante especial (B). (Fonte: os autores).
Figura 2: Crescimento do fungo Trichoderma asperelloides em placa de Petri na presença de grânulo de fertilizante convencional (A) e na presença de grânulo de fertilizante especial (B), demonstrando o efeito de bioestímulo microbiano e a redução do efeito salino de fertilizantes especiais. (Fonte: os autores).
Consequências
A diminuição das simbioses rizosféricas resulta em limitações para as plantas, tanto na absorção de água e nutrientes, quanto na disponibilidade de exsudatos microbianos essenciais para o desenvolvimento, o crescimento e a proteção vegetal.
A consequência mais evidente desta limitação microbiana está na dificuldade de elevar os patamares produtivos em áreas onde o cuidado com o pilar biológico não está sendo levado em consideração.
Importância da vida do solo para produtividade vegetal
Por definição, solos biologicamente ativos são aqueles onde as interações biológicas proporcionam resultados satisfatórios quanto à produtividade das culturas. Conceitualmente, estimular a vida do solo significa promover ações que proporcionem condições para aumentar a diversidade, a população e a atividade dos microrganismos que vivem no solo, possibilitando o pleno desenvolvimento de suas funções.
É justamente neste contexto que se inserem os chamados fertilizantes especiais, os quais possuem basicamente duas estratégias de ação: 1) presença de compostos orgânicos em sua formulação ou; 2) presença de polímeros para controle da liberação gradual dos elementos nutricionais para as plantas.
No caso da utilização de compostos orgânicos na formulação, os quais geralmente são oriundos do metabolismo secundário de plantas ou microrganismos, algas marinhas ou extratos em geral, estes fertilizantes especiais atuam no solo de diferentes formas, além da nutrição vegetal.
Atuam como sinalizadores bioquímicos para o estímulo de comunidades microbianas nativas do solo ou como fonte de energia para manutenção das comunidades microbianas existentes nos ambientes agrícolas.
O fato é que, independentemente da estratégia de ação do fertilizante especial, a resultante é a manutenção das simbioses microbianas e o estímulo ao desenvolvimento vegetal (Figura 3).
O resultado do incremento das simbioses microbiana proporciona reações biológicas em cadeia, que acarretam no incremento da síntese e concentração de fitohormônios, na indução de mecanismos de resistências nas plantas, na biodisponibilização de nutrientes por meio da ação de solubilizadores de nutrientes e na otimização do uso da água, traduzindo-se em manutenção e ganhos de produtividade das culturas a um menor custo de produção.
Todos estes processos ocorrem devido à biostasia do sistema, ou seja, pelo estado de equilíbrio entre o solo, as plantas e a atmosfera.
Figura 3: Comparativo do desenvolvimento de plantas de soja com a utilização de fertilizante convencional (A) e fertilizante especial (B). (Fonte: os autores).
Maior atenção ao pilar biológico
Atualmente, produtores estão alcançando patamares produtivos que há algum tempo eram almejados, mas quase impossíveis de serem conquistados. Concomitantemente a esta elevação das produtividades das culturas, observou-se um aumento perceptível da valorização e do reconhecimento da importância do pilar biológico para aumento da qualidade dos solos.
A preocupação com a chamada fertilidade biológica dos solos tornou-se mais um elo na corrente para alavancar produtividades. Não por coincidência, os atuais recordes de produtividades de grãos estão associados a manejos de nutrição vegetal via utilização de fertilizantes especiais voltados à manutenção biológica dos sistemas, aliados à adoção de sistemas eficientes de rotações de cultura.
Observa-se que as áreas agrícolas mais eficientes quanto à produtividade já definiram, de forma eficiente, os impedimentos físicos, químicos e fitossanitários, focando em ajustes quanto às interações biológicas no solo, a fim de estabelecer um ecossistema agrícola eficiente e sustentável.
Diante do exposto, a ocorrência de inúmeras associações naturalmente existentes entre os vegetais e a microbiota edáfica apresenta-se como um campo vasto para o desenvolvimento de fertilizantes especiais e outros insumos agrícolas de caráter biotecnológico.
Estimular e manter a atividade de bactérias promotoras do crescimento das plantas (PGRP), bactérias fixadoras de nitrogênio, microrganismos solubilizadores de fosfatos, fungos micorrízicos e agentes de biocontrole são uma ferramenta para a realização de uma agricultura realmente eficiente e sustentável.